sábado, 20 de julho de 2019

Negativismo valente



A crónica de João Miguel Tavares ajuda a mergulharmos na sombra apontada por Vasco Pulido Valente no seu Diário. Para além disso, VPV chama pindérico a Macron e tenho pena, pois a mim parece-me pessoa de coragem, e o apontar as fragilidades francesas na Segunda Guerra também não é justo, vindo de gente pindérica como nós, os lusos, somos, que não temos ninguém que queira organizar um volte face nacional, acomodados com as migalhitas bem esfareladas do governo, tal qual é e será nos tempos próximos. Mas também não valeria a pena mudar de migalhas. Bastem-nos as beatas, “levantadas do chão”e não será pouco, tal como os escarros o foram em tempos.
I - CRÓNICA: Diário
PÚBLICO, 20/7/19
Há um sentimento geral de que a direita corre para uma catástrofe em Outubro.
20 de Julho de 2019: Dizem que não há “figuras”. Pois não. As “figuras” são indissociáveis de grandes causas. Soares é a democracia, como a conhecemos. Sem ele teríamos escorregado para uma aventura suicida com o dr. Álvaro Cunhal à cabeça. Sá Carneiro foi a legitimação da direita: a AD provou que a direita podia governar. Sem ele não teria havido Cavaco e, em última análise, um regime nacional, ou seja, de todos os portugueses.
Cavaco regularizou a economia e a sociedade de Portugal, como membro da Comunidade Europeia. Agora, chegámos à normalidade: Costa vive perigosamente equilibrado entre o défice e a dívida como viveram os governos da monarquia liberal. Nem um nem outro são personagens de epopeia.
14 de Julho: O pindérico Macron aproveitou o 14 de Julho para pedir à União Europeia que tratasse de construir a sua força militar. Julga com certeza que, sem a Inglaterra, o privilégio nuclear da França será suficiente para lhe garantir o domínio dessa força.
A França deixou de contar na Europa e no mundo desde a batalha de Leipzig em 1813. Em 1914-18 só ganhou a guerra com a ajuda da Inglaterra e da América. Pior ainda, em 1940 perdeu a guerra com Hitler em seis semanas.
A ideia de “grandeza” é ridícula numa potência de terceira ordem. Toda a gente sabe que se um dia a UE, por milagre, se quiser dotar de um braço armado esse braço só poderá ser o braço alemão.
15 de Julho: Há um sentimento geral de que a direita corre para uma catástrofe em Outubro. Perante isto, Rui Rio imaginou mudar o nome do Ministério da Saúde para Ministério da Promoção da Saúde, uma reforma que vai com certeza comover todos os portugueses. Assunção Cristas, para não ficar atrás, resolveu fazer um plebiscito, nas redes sociais, sobre a forma do seu penteado (quatro versões à escolha). Quando tudo está perdido, o diabo ajuda.
16 de Julho: Quanto ao PSD, desde a renúncia de Passos Coelho e da eleição do novo presidente que deixei de ter a mais leve esperança. Escolher entre Rui Rio e Santana Lopes para dirigir o maior partido português era em si mesmo uma declaração de falência. Quanto ao CDS, a ideia de que se podia reproduzir à escala nacional o resultado da eleição municipal de Lisboa, roubando votos ao PSD, era, como se constatou, uma ideia estúpida.
De resto, só agora as cabeças pensantes da direita se lembraram de que precisavam de se unir para estarem à altura da “Geringonça”.
17 de Julho: Parece que se descobriu anteontem que Trump é racista, misógino e xenófobo; e que o Partido Democrático está dividido entre uma ala esquerda inelegível e uma ala moderada elegível e maioritária, mas incapaz de, por si mesma, ganhar as presidenciais.
O histerismo das campanhas anti-Trump, de que a CNN é um bom exemplo, criaram uma situação em que deixou de ser possível remover serenamente o homem.
19 de Julho: O PAN quer que os portugueses deixem de atirar beatas para o chão. Marcelo Caetano e António Sérgio queriam que os portugueses deixassem de cuspir no chão. Estamos a fazer progressos.
Colunista
COMENTÁRIOS
OldVic, Música do dia: "A Chloris" (Reynaldo Hahn) Liberdade para a Venezuela!  "O PAN quer que os portugueses deixem de atirar beatas para o chão": acho muito bem. A Constituição consagra a liberdade religiosa.
Aónio Eliphis: Algures nos pólderes da ordem de Orange!: Caro Pulido Valente, ter uma Alemanha fortemente militarizada e como braço armado da UE, não abona em nada nem a História nem a UE. Além disso instigaria ainda mais o sentimento germanofóbico da periferia. É preciso pinças para lidar com estes assuntos politicamente.
fmferreira: Ninguém as atira para o chão. Atiram-nas para o ar e elas caiem no chão. Os fumadores são amigos das beatas.
Aónio Eliphis: Algures nos pólderes da ordem de Orange!: A culpa é portanto da gravidade que atrai as beatas para o chão.
II – OPINIÃO: E se a Constituição ficar nas mãos da esquerda?
O estado calamitoso da direita portuguesa não vai custar apenas a cabeça a Rui Rio – pode muito bem vir a custar uma alteração radical nos equilíbrios políticos do país.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 20 de Julho de 2019
Quando olhamos para os números das sondagens, todas elas catastróficas para a direita, costumamos fazer as contas em termos de maioria absoluta para o PS, centrando a nossa atenção no próximo executivo. Contudo, para além da discussão sobre quem vai governar o país nos próximos quatro anos, e a forma como o irá fazer, há um outro número a que convém começar a prestar a devida atenção: 66,7%.
As sondagens mais recentes dão o PSD a uma distância de mais de 15 pontos percentuais do PS; mas dão mais do que isso – dão também a esquerda (PS, Bloco, PCP e PAN) próxima de somar os 67% que colocarão dois terços dos lugares no Parlamento à sua disposição. Ou seja, pela primeira vez na história da democracia portuguesa, podem acontecer duas coisas, ambas trágicas para o equilíbrio do sistema político tal como o conhecemos: 1) A direita ficar à margem de uma revisão constitucional. 2) O Tribunal Constitucional ficar com uma super-maioria de juízes escolhidos em exclusivo pela esquerda.
Dir-se-á que António Costa não está interessado em promover uma revisão constitucional à boleia da esquerda radical, até porque o eleitorado que o elegeu não compreenderia isso – não estou assim tão certo, mas suspendamos essa hipótese por hoje. Concentremo-nos antes em algo que já poderia ser bastante mais tentador para António Costa na era pós-"geringonça": nomear os próximos juízes do Tribunal Constitucional através de negociações com a esquerda, em vez de negociar, como até agora sempre aconteceu, à direita.
O Tribunal Constitucional é constituído por 13 juízes. Dez são eleitos pelo Parlamento (com maioria de dois terços), três são cooptados pelos seus pares. Todos estão sujeitos a um mandato único de nove anos. Neste momento, existe paridade perfeita entre esquerda e direita: cinco juízes propostos por partidos de esquerda; cinco juízes propostos por partidos de direita; três juízes cooptados, um mais à direita, outro mais à esquerda, outro mais ao centro (isto não significa, naturalmente, que as suas votações sejam “ideologicamente puras”, como vimos na altura da troika).
Na próxima legislatura (2019-2023), e segundo as datas que estão inscritas no site do Tribunal Constitucional, seis desses 13 juízes terão de ser substituídos, quatro dos quais já em Julho de 2021: Fernando Vaz Ventura, eleito por proposta do PS; Maria de Fátima Mata-Mouros, eleita por proposta do CDS; Maria José Rangel de Mesquita, eleita por proposta do PS; e Pedro Machete, cooptado. Um quinto juiz (Lino Ribeiro) e um sexto juiz (João Caupers), ambos cooptados, sairão em 2022 e 2023, respectivamente. Entre os sete juízes que prolongarão o seu mandato para além da próxima legislatura, há quatro que foram propostos pelo PS e três pelo PSD.
Como diria António Guterres, é fazer as contas. Se a direita ficar reduzida a um terço dos votos, e se a esquerda unida decidir tomar o Tribunal Constitucional de assalto, é teoricamente possível que em 2023 existam dez juízes do TC oriundos da esquerda, e apenas três propostos pela direita. Sim, eu sei que Portugal não é os Estados Unidos, e que o Constitucional não tem o peso, nem a tradição, do Supremo. Mas recordo que o Tribunal Constitucional foi a grande paixão da esquerda durante o governo de Passos Coelho. Não foi por acaso. O estado calamitoso da direita portuguesa não vai custar apenas a cabeça a Rui Rio – pode muito bem vir a custar uma alteração radical nos equilíbrios políticos do país.

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