Salles da Fonseca trata primeiramente da ambição de cada um de nós, mortais banais, e afasta-se redondamente da parceria no caso das promoções pessoais mais centradas na habitual aspiração a locupletação em termos de cabedais, coisa que, aliás, é exemplificada diariamente, pelo menos por cá, que até dos dinheiros da generosidade alheia, para reconstrução de lares ardidos, nos servimos para outros lares não considerados no cômputo realizado, ainda hoje ouvi. Mas a maioria limita-se, nesse objectivo, aos jogos aleatórios, sobretudo a mísera raspadinha, mais de acordo com a nossa realidade económica estreitinha.
As ambições de Salles da Fonseca centram-se em leituras, também
enriquecedoras, é certo, e as suas aspirações são, naturalmente, mais louváveis
do que aquilo por que nos debatemos, nós os “amigos das cifras”, seja por
necessidade, seja por desmesura gananciosa – o meu caso. Caso perdido, como o
da maioria, hélas! Mas foi por conta da sua ambição de leituras volumosas, por
vezes incompatíveis com a disponibilidade temporal, que Salles da Fonseca conseguiu um resumo do
que procurava num livro em dois tomos, de Karl Popper - e que transcreve, a
respeito da falsidade da “profecia”, como algo que contraria a realidade
social, e por consequência a individual, de diligência e saber práticos para
dirigirmos os nossos próprios destinos, sem sujeição a dogmas míticos… ou
místicos, já vindos dos tempos bíblicos. Adriano Lima faz também a sua
resenha do assunto, com natural elegância e saber, e expõe igualmente sobre
esse pormenor profético bíblico tão assinalado, e ao que parece, com tantos
resquícios de veracidade que até contém o ventre de um peixão para um tal Jonas
profetizar em Nínive a destruição desta, caso não houvesse arrependimento das
maldades tamanhas do povo assírio. Mas houve, e Jeová perdoou – de momento - os
habitantes de Nínive, convertidos, contrariamente às profecias, o que muito
desgostou Jonas, que se zangou com Jeová e preferiu morrer a ver-se humilhado,
ainda mais depois da viagem indecorosa a Nínive, no ventre do bicho marinho. O
certo é que Nínive veio a ser destruída, os ingleses guardaram os restos dos
seus palácios sumptuosos e os terroristas do Estado Islâmico destruíram o
resto, há poucos anos, no actual Iraque. Com profecias ou sem elas, assim
passamos, “como o rio”.
Mas é bom que haja pessoas bem vivas e não tão sugestionáveis como os
leitores dos “profetas” do determinismo histórico marxista. Pessoas como Salles
da Fonseca e os seus amigos, que têm os pés e a cabeça bem assentes e
artilhados. E leiamo-los com emoção e conversão idênticas às que safaram os
habitantes de Nínive, naquele tempo.
Quanto ao determinismo histórico, procurei na Internet um pequeno texto
para melhor favorecer o entendimento das exigências políticas de Salles da
Fonseca, e no meio de extenso texto, fixei-me no seguinte, de origem
brasileira, que não corresponde bem à temática requerida, mas que ajuda a
descodificar as intenções do autor deste, de resto, bastante claro nas suas
observações de simplicidade e objectividade, complementadas com os
esclarecimentos de Adriano Lima:
NOTAS:
HISTORICISMO
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O
novo historicismo rejeita o carácter inalterável dos processos históricos,
acreditando na agência do indivíduo sobre eles, e se detém sobre os limites
dessa actuação individual. Para o novo historicismo, interferências que parecem
ser únicas podem ser múltiplas a partir do poder de associação das acções
individuais sobre a energia colectiva e social. Em segundo lugar, o novo historicismo é
contrário à ideia de que o historiador deve negar todos os juízos de
valor ao analisar outras épocas. Em sua perspectiva, a análise
histórica, seja por analogia ou causalidade, não está isenta de juízos de
valor, assim como a neutralidade também assume um carácter
político. Por fim, os críticos ligados ao novo historicismo mostram-se mais
interessados em conflitos e contradições geralmente associadas às margens da
história, tais como festas populares, sonhos, relatórios sobre
doenças, relatos sobre a insanidade, diários e autobiografias,
entre outros problemas. Desta forma, é sobre as fronteiras da compreensão
histórica e a ressonância do objecto histórico que o novo historicismo se atém,
procurando, assim, entender a rede de circunstâncias que o envolvem.
O
termo novo historicismo possui algumas poucas referências presentes nas
discussões do historicismo europeu, que se restringem à gerência do individuo frente
às estruturas sociais, económicas ou culturais, ao optimismo no futuro e à
especificidade histórica e cultural das ideias.
CRÓNICA:
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,
05.07.19
Todos queremos mais do que temos e eu, entre
outras queixas, tenho a de que na minha putativa longevidade não conseguirei
encaixar tudo o que gostaria de estudar - por exemplo, aquela obra em dois
tomos de Karl Popper “A sociedade aberta e os seus inimigos”. Já estive com ela
várias vezes na mão mas são dois tomos e… afasto-me do escaparate às arrecuas.
Contudo, de forma totalmente inesperada, foi
Raymond Aron que a págs. 116 da edição portuguesa das suas “Memórias” me
facilitou a vida transcrevendo uma passagem do dito livro, logo da terceira
página do primeiro tomo, em que Popper resume o que se propõe fazer com a dita
obra: “Este livro tenta mostrar que a sabedoria profética é
nociva, que a metafísica da História obsta à aplicação do método científico, elemento
por elemento, aos problemas das reformas sociais. E esforça-se também por
mostrar como podemos tornar-nos fazedores do nosso destino quando pararmos de
nos arrogar o papel de profetas.
Pela informação de Aron se fica a saber que
Popper se referia com erudição ao falhanço já então previsível da profecia a
que há quem chame o determinismo histórico marxista e nós,
testemunhas da queda do muro de Berlim e do colapso da URSS, sem erudição,
podemos afirmar que Marx foi, afinal, um adivinho que não acertou.
Julho de 2019, Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Anónimo
05.07.2019: Profecias? Ainda hoje não sei bem o que
isso é. Só desconfio!
Adriano Lima 05.07.2019: Estou
de acordo com a extrapolação que se retira desta excelente síntese feita pelo
Dr. Salles. É como se joeirasse a extensa e dura matéria desses dois tomos da
obra de Karl Popper para simplesmente nos deixar a essência. De facto, creio
que cada vez mais se acumulam razões para banirmos definitivamente os profetas
do nosso convívio intelectual. E para olhar com desconfiança os que para isso
se candidatem, porque os haverá sempre enquanto a mente humana continuar a
abrigar espaço para o mito e a fantasia. Os profetas bíblicos
ousaram interpretações sobre o homem e o mundo com base naquilo que se
inscrevia no pouco espaço geográfico à sua volta e nas dispersas tribos que o
habitavam. Como pouco tinham à sua mercê para fundamentar os seus juízos,
deixavam que o espírito abrisse as asas da imaginação. Tudo bem. O
problema é que a literatura profética que nos deixaram (aos judeus e cristãos,
principalmente) continua nos dia de hoje a ser citada com credulidade e
temor reverencial, mesmo por gente que convive com a ciência.
Sim, Dr. Salles, Marx foi também um profeta porque, embora dispondo de um mundo bem mais vasto para o seu olhar analítico do que os da Bíblia, a sua interpretação materialista da história e a sua visão dialéctica da transformação social reduziram o tempo e o espaço da história humana à visão particular que o século XIX lhe oferecia. Assim, também ele deixou que o espírito lhe soltasse as rédeas da imaginação, ofuscando-lhe um olhar necessariamente mais prospectivo e aprofundado da realidade. Lenine não tardaria a trocar-lhe as voltas ao estabelecer que a transformação social só seria possível com uma vanguarda revolucionária, a ditadura do proletariado. E o resultado é o que se sabe.
Sim, Dr. Salles, Marx foi também um profeta porque, embora dispondo de um mundo bem mais vasto para o seu olhar analítico do que os da Bíblia, a sua interpretação materialista da história e a sua visão dialéctica da transformação social reduziram o tempo e o espaço da história humana à visão particular que o século XIX lhe oferecia. Assim, também ele deixou que o espírito lhe soltasse as rédeas da imaginação, ofuscando-lhe um olhar necessariamente mais prospectivo e aprofundado da realidade. Lenine não tardaria a trocar-lhe as voltas ao estabelecer que a transformação social só seria possível com uma vanguarda revolucionária, a ditadura do proletariado. E o resultado é o que se sabe.
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