Uma página eloquente sobre manipulação
de dados eleitorais. Manipulações há-as em toda a parte, mas estas não deixam
de ser inesperadas, num país tão sumptuosamente amplo, de muitos espaços
gelados, é certo, como o “Dr. Jivago” mostrou e o transiberiano comprova, para a
maioria de nós só pela Internet. Mas não deixa de ser curiosa uma manipulação
tão estranhamente primitiva, como informa a crónica de José Milhazes, num país
tão poderoso e orgulhoso de si. “Não
havia necessidade”.
A síndrome de Istambul chegou a
Moscovo /premium
O Kremlin teria um sério teste à sua
popularidade se permitisse a realização de eleições municipais em Moscovo e do
governador de São Petersburgo limpas e transparentes. Mas isso não deverá
acontecer. O
Kremlin fica sempre muito preocupado com eleições fora de casa,
“preocupando-se” seriamente com a forma como elas decorrem, mas, no interior do
país, mais concretamente em Moscovo e São Petersburgo, o principal é que nem
sequer nos boletins de votos apareçam adversários políticos, além dos
obedientes comunistas e “russos justos”.
São
tantas as notícias nos órgãos de informação controlados pelo Kremlin sobre as
eleições parlamentares antecipadas que se realizam na Ucrânia no próximo
domingo que se fica com a impressão de que o país vizinho faz parte da
Rússia. Não há um movimento de Vladimir Zelinski, Presidente ucraniano,
que passe despercebido, nem sequer a cor dos calções com que foi tomar banho. E
claro que os dirigentes russos acenam com grandes descontos no preço do gás
russo ao consumidor ucraniano se este der o voto ao “Bloco da
Oposição – Pela Vida”, ligado a Viktor
Medvetchuk, compadre de Vladimir Putin. As sondagens dão uma vitória folgada ao
partido “Servos do Povo” de
Vladimir Zelinski, restando
saber apenas se esse partido irá conquistar a maioria necessária para formar
governo sozinho ou terá de coligar-se.
Quanto às eleições em casa, o Kremlin
teria um sério teste à sua popularidade se permitisse a realização de eleições
municipais em Moscovo e do governador de São Petersburgo limpas e
transparentes. Mas, pelo que se vai observando, tudo será feito para que na
capital russa e na segunda maior cidade do país não se repita as experiência de
Istambul e Ancara, que votaram maioritariamente contra o Presidente Erdogan.
A popularidade do partido “Rússia
Unida”, principal base de apoio de Vladimir Putin, atinge mínimos históricos. Segundo o Centro de Estudos da Opinião Pública
(VTZION), essa força política conquistaria 32,2% dos votos. No Outubro passado,
perdeu três eleições regionais. É real a possibilidade de a “Rússia Unida”
perder a maioria na Duma (Assembleia Municipal) de Moscovo.
Para
evitar semelhante possibilidade, alguns dos candidatos dessa força política
apresentam-se como “candidatos independentes” para se distanciar da imagem cada
vez mais negativa que tem a “Rússia Unida”. Outra
forma de “vencer” as eleições é não permitir que os candidatos da oposição
apareçam nos boletins de voto e aqui vale tudo, sendo o meio mais comum a
acusação de “falsificação de assinaturas”. Nove
candidatos, alguns dos quais apoiados por Aleksei Navalny, um dos mais
conhecidos dirigentes da oposição a Putin, já ficaram de fora nesta etapa
alegadamente por terem feito isso.De nada valeu a Ilia Iachin, outro líder da
oposição que foi acusado desse crime, levar à Comissão Eleitoral cidadãos que
confirmaram que as suas assinaturas não foram falsificadas.
O
Kremlin, através do seu porta-voz Dmitri Peskov, lava as mãos como Pôncio
Pilatos e aconselha os opositores a recorrer aos tribunais, que são tão
independentes do poder como a Comissão Eleitoral.
Habitualmente,
as autoridades russas tentam passar a ideia de que estes opositores não passam
de um grupo de marginais sem qualquer apoio social. Mas, se assim é, coloca-se
uma questão muito simples: o que
leva o Kremlin a impedir que eles participem nas eleições? A sua participação
até daria mais legitimidade ao actual regime na Rússia.
Segundo
Lilia Shevtsova, comentadora política, “em Petersburgo e em Moscovo, o poder
escolheu outra coisa: renunciar à imitação de eleições e aos jogos de
democracia. Renúncia de forma aberta e convincente. E não se trata de um
acontecimento a nível local”.
Para
Vladimir Putin e a sua corte, o principal é não permitir fissuras nas actuais
estruturas do poder, não correr riscos num momento em que o descontentamento é
cada vez maior entre a população.
“E
a reacção do Ocidente?” – pergunta Lilia Shevtsova e responde: “Está-se nas
tintas. O Ocidente já está pronto para conversar com Moscovo e há muito que tem
saudades de diálogo!”.
Noutras épocas, o Ocidente pagou bem
caro por essas políticas, a História que o diga.
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