Teresa de Sousa e os seus
sábios comentadores debruçam-se
sobre um mundo europeu às aranhas, em busca de apoios, retrato dos indivíduos
em particular, que ora se interapoiam ora se interexcluem, deixando o amargo da
dúvida sobre o "Que Sera,
Sera" da Doris Day, dos
tempos áureos da mocidade, que sabíamos de cor. 1956, leio na
Internet, foi a data do seu aparecimento, como eterna pergunta pessoal sobre o inflexível
devir humano, mas hoje é de política que se trata, política global, de
possíveis alianças, num mundo conjugado, todavia, em termos económicos, pois
que as ambições de conquista territorial já dos tempos macedónicos, sempre com
fiéis seguidores, não parecem exequíveis hoje, mas não sei bem.
COMENTÁRIO OPINIÃO
II -O “campo de jogos” europeu
“Campo de jogos” ou jogador da primeira
liga? Sobra pouco tempo para a Europa escolher.
PÚBLICO, 30 de Junho de 2019
1- Depois de evocar Sagres e os
Descobrimentos, o momento que marca a descoberta do mundo pela Europa e depois
de lembrar que, nesse mesmo momento, a China, a grande potência marítima da
altura, resolvia fechar-se ao mundo, Carl
Bildt iniciou a síntese dos trabalhos de dois
dias da Conferência Anual do European Council on Foreign Relations (ECFR), que
decorreu em Lisboa, na Gulbenkian, com esta frase: “Em Bruxelas
decorrem os jogos sobre pessoas, no mundo jogam-se os jogos do poder.” Foi um resumo quase perfeito dos debates que
mobilizaram uma grande variedade de especialistas europeus e norte-americanos
sob o tema geral da “soberania estratégica” da Europa ou, como também se
diz, da sua “autonomia estratégica”. Que obviamente não existe. O que Bildt
disse a seguir resume igualmente a escolha fundamental que a Europa tem pela
frente. Pode tornar-se apenas no “campo de jogos” onde as grandes potências
mundiais praticam os seus jogos de poder ou decide ser, também ela, um “jogador
global”.
O ponto de
partida não é animador. Nos últimos cinco anos, a Europa
foi “menos relevante, menos activa e menos unida”, ao mesmo tempo que a China
se tornava mais “assertiva”, a Rússia se afirmava como potência revisionista e
os EUA se transformavam numa força disruptiva da ordem internacional. Pode compreender-se a paralisia. A União Europeia,
como lembrou o antigo primeiro-ministro sueco e co-presidente do ECFR, “não foi
criada para este mundo”. A integração da Europa Ocidental foi a resposta à
guerra, estimulada pela nova ameaça soviética. Depois da queda do Muro, cumpriu
a sua missão fundamental: alargar-se o mais possível à dimensão do continente.
Nas duas primeiras fases da sua existência, pôde contar com os EUA como o
garante da sua segurança e da sua unidade.
2- Entretanto, o mundo mudou
radicalmente. A profecia de
Fukuyama esfumou-se. O multilateralismo, o modelo internacional
que melhor servia a Europa, deu lugar a um mundo onde prevalece cada vez mais a
relação de forças. O mundo unipolar deu lugar a um mundo multipolar –
aquele que hoje se desenha diante dos nossos olhos, em que nem todos os novos e
velhos pólos de poder são democracias ou aceitam as regras do sistema internacional. Finalmente, deixou de poder contar com o garante
da sua prosperidade e da sua segurança, a partir do momento em que os EUA
entraram numa nova fase da sua relação com o mundo, que Trump levou ao extremo
e que tem, cada vez menos, a sua centralidade no Atlântico. Voltando a
Bildt, nos últimos cinco anos, a Rússia, de parceiro, transformou-se em
ameaça, enquanto a China assumia a sua nova ambição ao estatuto de
superpotência capaz de desafiar os EUA, fazendo da Europa o seu “desígnio”
fundamental para “nivelar” o campo de jogos. E o que fez a Europa nos
últimos cinco anos? Todos sabemos a resposta. Envolveu-se numa crise
existencial interna, consequência da crise financeira e da crise do euro, da
qual ainda não saiu. Cavou as divisões e as feridas deixadas pela crise – entre
o Norte e o Sul, o Leste e o Oeste. Perdeu qualquer capacidade de liderança,
graças à crescente paralisia alemã, às cada vez mais difíceis relações entre
Paris e Berlim e à iminência do “Brexit”. Os seus líderes estarão este domingo
em Bruxelas para tentar de novo um entendimento sobre quem vai dirigir as suas
principais instituições, que falharam há dez dias, numa triste cimeira
em que nem os objectivos de combate às alterações climáticas conseguiram um
consenso.
3. Ao longo
dos debates, de forma mais ou menos carregada, a realidade dramática com que a
Europa se confronta não foi negada por quase ninguém, mesmo que aqui e ali ainda
viesse ao de cima a velha concepção que a União tinha de si própria e do seu
papel no mundo nos anos que se seguiram à Guerra Fria: liderar pelo exemplo,
que o resto do mundo seguiria em direcção a uma ordem pacífica, cooperativa e
integrada. O resto
do mundo vira-se cada vez mais para quem verdadeiramente mostra ter poder,
adere crescentemente ao modelo autoritário dos “homens fortes”, abraça o
nacionalismo. É um “milagre” manter-se unida face à Rússia, como alguém disse,
talvez porque a ameaça está demasiado próxima das suas fronteiras e reveste a
forma militar. Continua dividida perante a China e a sua estratégia de
penetração económica em busca de influência politica, que passa necessariamente
pela velha fórmula de dividir para reinar. Não sabe
o que fazer com os Estados Unidos. Olhar
para Trump como um fenómeno passageiro e esperar que regressem os bons velhos
tempos? Proclamar a sua “autonomia”, anunciando a “libertação” em relação ao
seu protector? A tentação é forte. A realidade desaconselha-a. Como lembrou
Augusto Santos Silva, perante as intervenções mais entusiasmadas sobre a
“libertação” europeia do mundo anglo-saxónico (incluindo o “Brexit"), o
interesse europeu continua centrado no espaço do Atlântico Norte e não em
qualquer sonho “continental”. A tentação da Eurásia continua a ser um jogo
perigoso em que a Europa, sem os EUA, estaria condenada a claudicar perante a
China (é essa a estratégia chinesa), para já não falar da Rússia, ela própria
uma potência na defensiva perante o gigante asiático.
4. As
vozes americanas que se ouviram não foram animadoras. Para além de ser visível a ideia de que Trump pode fazer um segundo mandato,
a análise mais interessante foi sobre as grandes mudanças da própria sociedade
americana e da sua relação com o mundo, que vão moldar as próximas
presidências, sejam elas democratas ou republicanas. Ou seja,
é pura ilusão esperar que Trump passe para que tudo volte ao status quo
ante. E aqui os desafios
que se colocam à Europa não são
menores.
Em primeiro lugar, a transferência inelutável do centro de gravidade
dos interesses americanos do Atlântico para o Pacífico. A China é
o adversário estratégico da América e isso tem consequências na sua relação com
o resto do mundo, incluindo os velhos aliados europeus. Foi Obama quem iniciou o “shift” para o Pacífico, foi Obama quem tentou o “reset” com a Rússia, foi Obama
(e outros antes dele) quem pediu
um esforço maior à Europa para garantir a segurança regional. Com uma enorme
diferença: o anterior Presidente queria o máximo de aliados possíveis nas duas
frentes, europeia e asiática, para conter a China. Privilegiou a Índia.
Negociou a Parceria Transpacífica (que o seu sucessor rasgou). Não abandonou a
Europa à sua sorte, quando a Rússia resolveu pôr em prática na Ucrânia a sua
estratégia revisionista. Quis consolidar a aliança transatlântica reforçando a
sua dimensão económica com a negociação (falhada) do TTIP. Trump
despreza as alianças e cultiva os “inimigos” com a sua ideia – a única que
parece ter – de que os EUA já não estão dispostos a pagar o preço pela
segurança e pela prosperidade globais.
Coube,
porventura, ao orador do jantar oferecido nas Necessidades aos membros do ECFR,
o veterano das relações internacionais John Mearsheimer, o
discurso mais duro, assim
resumido por alguns dos presentes: o inimigo é a China e a Europa, se
quer continuar a manter uma relação transatlântica, tem de se colocar ao lado
da América na sua estratégia de contenção da China – militar, comercial e
tecnológica. E vai ter de perceber, mais tarde ou mais cedo, que a Rússia faz
parte desta estratégia como aliado e não como adversário. Como alguns
americanos presentes na Gulbenkian, mais subtis do que o professor de Chicago,
lembraram, ninguém deve esperar mudanças de fundo neste domínio fundamental com
um Presidente democrata. Os democratas são maioritariamente favoráveis à
estratégia comercial de Trump face à China e a opinião pública alimenta o mesmo
sentimento.
É nesta dimensão que também ficam
expostas as fragilidades europeias. A Europa já percebeu que a China é um
“competidor” e não um “aliado”. Não ignora a sua ambição de disputar a
hegemonia mundial aos Estados Unidos mas ainda não conseguiu sair de cima do
muro. Quer a NATO para se proteger mas ainda quer a China para fazer negócios.
Sonha com uma “autonomia” comercial, dissociando-a da geopolítica mundial na
sua dimensão de segurança. Está, mais uma vez, profundamente dividida. “Campo
de jogos” ou jogador da primeira liga? Sobra pouco tempo.
COMENTÁRIOS
rafael.guerra.www. www 30.06.2019: Campo de jogo para quem? Falar de Brexit e dos avanços
da extrema direita europeia sem ter uma palavrinha de apreço sobre o trabalho
de dinamitagem de Steve Bannon e da Cambridge Analytica, de media tais que a RT
e de todas as forças externas que procuram dividir e fragilizar a UE, é puro
jornalismo de fim de semana. A UE ainda é um exemplo de saber viver, apesar dos
ataques bárbaros, incluindo os dos EUA.
mpro, Ovar 30.06.2019 : A minha pergunta é esta: Por que razão a China tem
que ser o inimigo da Europa? Será que os USA, têm protegido alguém,
Europa incluída, sem ser para defender os seus interesses económicos,
militares, geopolíticos, de donos do mundo? Os valores que dizem defender, com
centenas de milhões de mortos por todo o mundo justificam a preferência
relativamente à China, ou Rússia? A Europa há-de ser aquilo que os seus
cidadãos forem capazes de exigir aos seus representantes que a cada momento
ocuparem os destinos da UE. O tempo é escasso apenas para uma coisa,
desmistificar o conceito da irreversibilidade. O maniqueísmo sempre foi a arma
dos avençados, sejam eles jornalistas, ou políticos.
Manuel Caetano, Faro 30.06.2019: Nação cujas elites políticas não conseguem entender-se
na identificação do seu inimigo principal não consegue definir correctamente as
prioridades da sua política externa e está condenada à irrelevância estratégica
e ao fracasso. Os EUA, desde o final do primeiro mandato de Obama,
encontram-se numa encruzilhada deste tipo (parte das elites identificam como
inimigo principal a Rússia, outra parte a China e uma terceira ambas). Das três
a mais irrealista e perigosa para os EUA e para o Mundo é a terceira (apesar de
todo o seu poder, que ainda é significativo, a "américa" já não está
em condições de enfrentar estes dois países em simultâneo). Por agora a UE deve
definir como prioridade absoluta a sua soberania estratégica e assumir uma função
pacificadora e de diálogo no multilateralismo.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta30.06.2019: Isto de
dividir o mundo em amigos e inimigos nunca foi boa ideia. A resenha de TdS
sobre o encontro é excelente, e por isso estamos agradecidos, mesmo que repita
alguns estetiotipos estafados. A imensa patranha de "a Europa liderar com
o seu exemplo" ignora o facto de o mundo ter os olhos abertos para a forma
como sacrificou o contrato social que era de facto um exemplo, e sugeitou os
direitos políticos dos povos europeus ao dictatum ideológico do
ordo-liberalismo. Chamar-lhe "mercados" e "regras" para o
atropelo de referendos, alimentação de clientelismos corruptos, supressão da
autodeterminação, e instrumentalização da demografia, percebemos bem as
palavras da luso-descendente Emma Lazarus "Keep, ancient lands, your
storied pomp!".
Joao, Portugal 30.06.2019: Ah Ah nessa o caro Jonas tem razão, a visão
colonialista e a exploração colonialista nunca saíram das mentes dos roliços
por cá, nas capitais imperiais europeias. É ver agora as movimentações do
sedutor Macron, ou relembrar as acções do idolatrado Churchill. Desde a
Venezuela à China tudo é encarado como um pasto ou uma coutada, claro que
actualizando as "licenças" ou os "contratos" de exploração
de acordo ao que vai sendo definido como politicamente correcto.
Já
quanto à sua visão das políticas externas americanas já discordo do caro
Jonas. O caro relata uma sociedade esclarecida e activa que prima pelo respeito
das outras sociedades, e com poder de influência sobre os poderes constituídos.
Eu duvido e muito que haja influência sobre os poderes, adivinho e estou
convicto que é como noutras paragens, os poderes na senda dos seus
interesses e claro que avalanches imensas de propagandas para moldar a opinião
pública e levá-la a aceitar o que já determinaram os poderes.
TP, Leiria 30.06.2019: Obrigado Teresa pelo resumo da conferência. Apesar de
não partilhar inteiramente esse pro US. A UE devia definitavamente demarcar-se
da América de Trump e construir ela própria o seu caminho. E se o UK quiser
sair muito bem. Uma Europa Continental, democrática, federalista e forte.
Joao, Portugal 30.06.2019: Mais uma acção de propaganda patrocinado por um dos
“think tanks” pagos pelas empresas petrolíferas ou de armamento, e claro pelos
governos com o dinheiro dos contribuintes. E lá vão distribuindo uns croquetes,
umas prebendas, uns chouriços, e claro umas narrativas que sustentem o seu
engordar e acumular, sem olhar a meios.
Mas
só um ou dois reparos. Não “É um “milagre” manter-se unida face à Rússia”, a
Europa, é uma ordem americana, é um objectivo estratégico americano manter as
fronteiras russas sempre sob conflitos desgastantes, é uma obrigação imposta
pelo Obama que ficou bem clara quando a Merkel e o Hollande lá foram falar com
ele para resolver o conflito da Ucrânia e vieram de lá com o recado que é assim
e acabou-se. Curioso que quando o Trump anunciou publicamente o
desejo de minorizar o conflito com os russos, foi logo bombardeado com a maior
campanha difamatória de que há história, até pelos mesmos que antes tinham
querido fazer o mesmo mas agora, por maneirismo amaneirado e por já estarem
engajados nesse conflito.
Também
me lembro como em Davos os
chineses foram aclamados como garante da liberdade e multiculturalismo, e o
Trump demonizado, o Trump que tinha anunciado de modo claro logo no início que
encarava a China como maior ameaça à hegemonia americana.
Bom,
e agora, depois de todos estes roliços e serviçais sebentos de Bruxelas andarem
anos e anos com eventos amaneirados, com teatros e faz de conta propagandeados
pelos media de serviço, vêm agora os gurus dizer que afinal … “o inimigo é a
China”? … o que o Trump disse e foi gozado por causa disso? E até
vêm dizer agora o que o Trump disse e foi gozado e vilipendiado, que a Europa
“vai ter de perceber, mais tarde ou mais cedo, que a Rússia faz parte desta
estratégia como aliado e não como adversário”? E andaram e andam entretidos
todos estes anos em narrativas sebentas, em guerras criminosas, em teatros e
representações hipócritas?
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta 30.06.2019: Como nota
João, aliás essa é uma pergunta que já me fizeram mais do que uma vez aqui: explique
lá essa de para os europeus os russos serem o inimigo - primeiro salvaram-vos dos nazis e depois foram nossos
adversários, não vossos. Agora que a guerra fria está enterrada querem
desenterrar mais um espaço vital na Ucrânia? Nisso, Trump interpreta fielmente
a opinião pública americana - a Rússia não é o inimigo, muito pelo contrário.
Alguns começam a perguntar-se mesmo em que livro terão lido sobre conflitos que
opõem o continente europeu à Rússia, UK e aos EUA ... hum ... –D.
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