Não deixa de ser estranho este conceito
de algo superior presidindo à criação de tudo o que foi criado. Mas o certo é
que o Homem criou o Deus supremo à sua imagem. O homem do politeísmo
representou os seus espantos através de muitos elementos concretos do seu
animismo, representativo quer de conceitos, quer de fenómenos físicos da sua
observação, sob figuras humanas, ou outras representações incluindo os
espíritos dos antepassados. Contudo, só o
monoteísmo consubstanciou o infinito poder, saber e presença em algo superior, espiritual,
criador, infinito, por vezes materializado, é certo, num representante, para o
homem definitivamente intrigado com o universo criado que ele não sabe explicar,
mau grado as pretensões anti-metafísicas do positivismo materialista posterior.
Mas o livre arbítrio é uma concessão não
só da doutrina cristã, como das correntes agnósticas, coisa bonita que dá ao
homem a liberdade de optar por um ou outro caminho, concessão que elege o Homem
a um ser capaz de construir o seu próprio mundo, transpondo obstáculos e
correndo riscos, ou deixando-se sucumbir na inércia da sua consciência de
fragilidade e efémero. É bonito como conceito de poder, o livre arbítrio, sobretudo para o homem orgulhoso e ambicioso,
tantas vezes liberto do preconceito ou do escrúpulo de uma doutrina que o
cristianismo apurou, mas que outras doutrinas tornam menos suaves no seu
radicalismo, prova de que tais doutrinas foram criadas pelos homens, por vezes
por astúcia machista, fazendo-se passar por representantes terrenos de um Jeová
ou um Alá ditador de preceitos, para a gente crédula e submissa.
Todavia, o povo, afinal, não é assim tão
crédulo, como prova o provérbio citado por Salles da Fonseca – “Fia-te na
virgem e não corras”. Decididamente, é melhor “correr”, apesar da
consciência de que tanto faz, ou, mais elegantemente, de que “Quer gozemos, quer não gozemos, passamos
como o rio”.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 14.07.19
«FIA-TE NA VIRGEM, NÃO CORRAS E VERÁS O
TRAMBOLHÃO QUE DÁS» - eis a apologia popular do livre arbítrio
que…
Na versão religiosa, cristã, corresponde à
liberdade que Deus concedeu ao homem de optar livremente pelas alternativas que
se lhe vão apresentando ao longo da vida assumindo a plena responsabilidade dos
actos praticados e pelos quais há-de responder perante Ele, Deus;
Na versão laica, sem preocupação de buscas
transcendentais, corresponde à biunivocidade entre a liberdade de escolha entre
as várias opções e a responsabilidade cívica pelos actos praticados.
No Ocidente, crentes, agnósticos e ateus fazem
o mundo pelas suas próprias mãos em plena liberdade e assumindo completa
responsabilidade.
* * *
O Islão diz o que segue:
Destino e Decreto Divino
Acreditamos no destino, ainda que seja
agradável ou desagradável, o qual Allah tem medido e ordenado para todas as
criaturas de acordo com o Seu conhecimento prévio e que considera adequado por
Sua sabedoria.
Nós acreditamos que Allah sabe de tudo. Ele
sabe o que aconteceu e o que vai acontecer e como irá acontecer. Seu
conhecimento é eterno. Ele não adquire novo conhecimento nem esquece aquilo que
sabe.
Nós acreditamos que Allah tenha gravado numa
Tábua Segura tudo o que vai acontecer até ao Dia do Julgamento:
“Vós não sabeis que Allah sabe de tudo o que
existe nos Céus e na Terra? Certamente que estará num livro. Certamente para
Allah é uma tarefa fácil” (22:70)
Nós acreditamos que Allah tenha desejado tudo
o que está nos Céus e na Terra. Nada acontece excepto por Sua vontade. O que
quer que Ele deseja, terá lugar e o que quer que Ele não deseja, não terá
lugar.
Allah é o Criador de todas as coisas; Ele é o
Guardião de todas as coisas e a Ele pertencem as chaves dos Céus e da Terra”
(39:62-63). Este nível inclui o que quer que o próprio Allah faça e o que quer
que suas criaturas façam. Assim, cada dizer, acção ou omissão das criaturas é
conhecido por Allah, que tem gravado, desejado e criado (63’62):
“Allah criou você e o que você faz” (37:96).
A livre vontade do ser humano:
Acreditamos, porém, que Allah concedeu ao
homem um poder e uma livre vontade pelos quais ele executa as suas acções. Que
as acções desses homens são feitas por sua livre e espontânea vontade e poder,
pode comprovar-se por meio do seguinte ponto:
Allah diz - “Abordem os vossos campos
(esposas) quando e como desejarem” (2:223)
“Allah não impõe a ninguém obrigação para além
das suas capacidades” (2:286)
* * *
Numa próxima oportunidade vou abordar a
questão do carma budista.
Julho de 2019
COMENTÁRIO
Adriano Lima, 14.07.2019: Boa e interessante explanação sobre o tema do livre
arbítrio.
Apesar do que é aqui dito, penso que as religiões, todas elas, procuram moldar o livre arbítrio do homem aos seus dogmas.
Apesar do que é aqui dito, penso que as religiões, todas elas, procuram moldar o livre arbítrio do homem aos seus dogmas.
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