segunda-feira, 15 de julho de 2019

“Demasiada areia…”

Não deixa de ser estranho este conceito de algo superior presidindo à criação de tudo o que foi criado. Mas o certo é que o Homem criou o Deus supremo à sua imagem. O homem do politeísmo representou os seus espantos através de muitos elementos concretos do seu animismo, representativo quer de conceitos, quer de fenómenos físicos da sua observação, sob figuras humanas, ou outras representações incluindo os espíritos dos antepassados. Contudo, só o monoteísmo consubstanciou o infinito poder, saber e presença em algo superior, espiritual, criador, infinito, por vezes materializado, é certo, num representante, para o homem definitivamente intrigado com o universo criado que ele não sabe explicar, mau grado as pretensões anti-metafísicas do positivismo materialista posterior. Mas o livre arbítrio é uma concessão não só da doutrina cristã, como das correntes agnósticas, coisa bonita que dá ao homem a liberdade de optar por um ou outro caminho, concessão que elege o Homem a um ser capaz de construir o seu próprio mundo, transpondo obstáculos e correndo riscos, ou deixando-se sucumbir na inércia da sua consciência de fragilidade e efémero. É bonito como conceito de poder, o livre arbítrio, sobretudo para o homem orgulhoso e ambicioso, tantas vezes liberto do preconceito ou do escrúpulo de uma doutrina que o cristianismo apurou, mas que outras doutrinas tornam menos suaves no seu radicalismo, prova de que tais doutrinas foram criadas pelos homens, por vezes por astúcia machista, fazendo-se passar por representantes terrenos de um Jeová ou um Alá ditador de preceitos, para a gente crédula e submissa.

Todavia, o povo, afinal, não é assim tão crédulo, como prova o provérbio citado por Salles da Fonseca“Fia-te na virgem e não corras”. Decididamente, é melhor “correr”, apesar da consciência de que tanto faz, ou, mais elegantemente, de que “Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio”.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,  14.07.19

«FIA-TE NA VIRGEM, NÃO CORRAS E VERÁS O TRAMBOLHÃO QUE DÁS» - eis a apologia popular do livre arbítrio que…
Na versão religiosa, cristã, corresponde à liberdade que Deus concedeu ao homem de optar livremente pelas alternativas que se lhe vão apresentando ao longo da vida assumindo a plena responsabilidade dos actos praticados e pelos quais há-de responder perante Ele, Deus;
Na versão laica, sem preocupação de buscas transcendentais, corresponde à biunivocidade entre a liberdade de escolha entre as várias opções e a responsabilidade cívica pelos actos praticados.
No Ocidente, crentes, agnósticos e ateus fazem o mundo pelas suas próprias mãos em plena liberdade e assumindo completa responsabilidade.
* * *
O Islão diz o que segue:
Destino e Decreto Divino
Acreditamos no destino, ainda que seja agradável ou desagradável, o qual Allah tem medido e ordenado para todas as criaturas de acordo com o Seu conhecimento prévio e que considera adequado por Sua sabedoria.
Nós acreditamos que Allah sabe de tudo. Ele sabe o que aconteceu e o que vai acontecer e como irá acontecer. Seu conhecimento é eterno. Ele não adquire novo conhecimento nem esquece aquilo que sabe.
Nós acreditamos que Allah tenha gravado numa Tábua Segura tudo o que vai acontecer até ao Dia do Julgamento:
“Vós não sabeis que Allah sabe de tudo o que existe nos Céus e na Terra? Certamente que estará num livro. Certamente para Allah é uma tarefa fácil” (22:70)
Nós acreditamos que Allah tenha desejado tudo o que está nos Céus e na Terra. Nada acontece excepto por Sua vontade. O que quer que Ele deseja, terá lugar e o que quer que Ele não deseja, não terá lugar.
Allah é o Criador de todas as coisas; Ele é o Guardião de todas as coisas e a Ele pertencem as chaves dos Céus e da Terra” (39:62-63). Este nível inclui o que quer que o próprio Allah faça e o que quer que suas criaturas façam. Assim, cada dizer, acção ou omissão das criaturas é conhecido por Allah, que tem gravado, desejado e criado (63’62):
“Allah criou você e o que você faz” (37:96).
A livre vontade do ser humano:
Acreditamos, porém, que Allah concedeu ao homem um poder e uma livre vontade pelos quais ele executa as suas acções. Que as acções desses homens são feitas por sua livre e espontânea vontade e poder, pode comprovar-se por meio do seguinte ponto:
Allah diz - “Abordem os vossos campos (esposas) quando e como desejarem” (2:223)
“Allah não impõe a ninguém obrigação para além das suas capacidades” (2:286)
* * *
Numa próxima oportunidade vou abordar a questão do carma budista.
Julho de 2019
COMENTÁRIO
Adriano Lima, 14.07.2019: Boa e interessante explanação sobre o tema do livre arbítrio.
Apesar do que é aqui dito, penso que as religiões, todas elas, procuram moldar o livre arbítrio do homem aos seus dogmas.

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