Vasco Pulido Valente agarra nos
temas do seu olhar de lince e vai chasqueando, sem cerimónia e sem
contemplações, ciente da inutilidade.
CRÓNICA
Diário
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 6 de Julho de 2019
30 de Junho: Peregrinação anual à Casa da Calçada em
Amarante. É bom verificar que aqui, como toda a gente sabe, há outra
civilização.
1 de Julho: Os chefes dos partidos começam a
escolher, perante a passividade geral, os deputados que nós vamos
obrigatoriamente eleger em Outubro. Rui Rio já apresentou seis para
cabeças de lista em Lisboa, Porto, Braga, Aveiro, Leiria e Coimbra. Foi uma
surpresa: caras novas, tiradas do anonimato, por critérios que nós nunca
saberemos. Só uma coisa está à vista, o feminismo do chefe: quatro mulheres,
dois homens. A mim, coube-me uma filha do Pedro e da Helena Roseta, chamada
Filipa, sobre a qual até hoje não sabia nada, nem sequer que tinha nascido.
Estou agora à espera, para comparar, do que vai sair das intrigas do Largo do
Rato.
Esta
extraordinária maneira de nomear os nossos soberanos – representação
proporcional, método de Hondt e arbítrio dos chefes – não parece incomodar os
portugueses.
2 de Julho: O grande
estratega António Costa e os seus parceiros da “esquerda democrática” europeia,
depois de uma reunião que durou 18 horas, para não falar em negociações de
meses, acabaram de mãos vazias. Costa confessou: “neste momento não há plano
nenhum”. Pois não.
A
Irlanda, a Croácia, a Letónia, a Itália e o grupo de Visegrado estragaram tudo. Não era preciso ser bruxo para prever o que sucedeu. A
“Europa” só existiu porque houve forças externas que lhe deram alguma unidade e
coesão. Durante a Guerra Fria, foi o anti-comunismo e a vontade da
América. Depois, a
necessidade que o Ocidente teve de absorver as antigas colónias da Rússia. Hoje, a “Europa” não tem destino; e a América já
se desinteressou dela. O centro não resiste e as parcelas fogem cada uma para o
seu lado. Não vale a pena falar de populismo e ameaçar com a extrema-direita. A
Europa, a velha Europa das nações, é muito complicada e não se pode reduzir às
simplicidades da ortodoxia comunitária.
3 de Julho: Acabou a comédia da “Europa”, das eleições e do
parlamentarismo. Quando se chegou a um beco sem saída, apareceu à vista de
todos o poder da Alemanha. A sra. Merkel falou ao PPE e o PPE,
disciplinadamente, falou aos 28 (ou 27, conforme se queira). Macron abichou um
lugarzinho para Christine Lagarde e os socialistas um prémio de consolação, o
Alto-Representante para a Política Exterior, o que é óptimo, tendo em conta que
não há “política exterior”.
Um
ingénuo perguntará para que se votou em Maio. Setenta por cento dos portugueses
já tinham percebido.
4 de Julho: Não
percebo a polémica entre João
Miguel Tavares e Miguel Sousa Tavares.
O problema da maior ou menor independência do Ministério Público, que até hoje
só preocupou Rui Rio (o que não é uma recomendação), não me parece o problema
fundamental da justiça portuguesa.
Para
um leigo, como eu, a justiça portuguesa não “funciona” por causa do direito
processual, que é inutilmente complicado e ridiculamente garantístico. Mas não
vejo ninguém discutir a sério esse ponto particular. A opinião só se interessa
pelos “casos” de gente pública e notória, enquanto o labirinto legal continua
praticamente na mesma e as queixas não param de crescer.
Colunista
COMENTÁRIOS:
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta: Absolutamente lapidar a ficha desta semana !!! Para o
registo "Esta extraordinária maneira de nomear os nossos soberanos –
representação proporcional, método de Hondt e arbítrio dos chefes – não parece
incomodar os portugueses." - a mim sempre me incomodou.
TP, Leiria:
Mas voce é
Português? Pensava que era Americano. ahah.
cisteina, Porto: Como
sempre, cáustico, esclarecido e avisado. Mas há uma nota que não posso deixar
em claro e deve ser relevada, a justiça está de facto, mal (diria até, muito
mal) porque se socorre de um 'direito processual' garantístico que não lembra
ao diabo e, quase sempre, em defesa dos que não têm razão. Ontem, p.ex., depois
de uma decisão favorável do STJ, fui surpreendido por mais um recurso para o TC
(estou a falar da propriedade de um terreno na entidade a que presido). Está
tudo dito, tudo a favor da facturação da advocacia e da celeridade da justiça.
Como pode ela funcionar bem e depressa? Também os magistrados e técnicos da
justiça são apanhados na compressão da loucura.
Novo Humbo, Ryugu: Quando a arrogância e a vanglória se excedem nos seus
ridículos limites, só existe uma forma de as reduzir às suas verdadeiras e
proporcionais insignificâncias: Motejando-as. Não só não se percebe quem será
"toda a gente" como diria que, da Casa da Calçada, passe a repetida
publicidade, até hoje não sabia nada, nem sequer que tinha nascido.
Francisco Peixoto, Matosinhos: Começamos a perceber que estamos desviados das leituras
próprias (e do senso esperado) quando comentamos as crónicas do João Miguel
Tavares.
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