E assim Teresa de Sousa nos vai avisando a respeito do nosso mundo, desta vez
a respeito do sucessor de Teresa May na liderança do UK, e as repercussões numa
Europa tentando ultrapassar os seus percalços, numa Terra cheia deles…
OPINIÃO: Boris e a “special relationship”
Boris é também a coisa mais parecida com
Donald Trump de que o Reino Unido dispõe. Não apenas nas maneiras e na
linguagem desabrida, mas nas convicções essenciais.
TERESA DE SOUSA PÚBLICO,
14 de Julho de 2019
1.
É mais ou menos consensual que Boris Johnson não tem os requisitos mínimos
necessários para liderar o Reino Unido, ainda por cima num momento que muitos
analistas consideram como a mais radical mudança da sua inserção internacional
desde a II Guerra. Mas também já se sabe que ele vai ganhar a corrida,
que estará concluída a 23 de Julho, não porque seja o favorito das sondagens,
mas porque é o preferido entre os cerca de 130 mil militantes
tories que votam para a escolha do seu novo líder. Que o Partido
Conservador britânico estava, definitivamente, nas mãos dos nacionalistas
ingleses já se sabia. Por convicção ou por mero cálculo político, uma
ampla maioria quer um “Brexit” à maneira de Boris e pensa que ele é a coisa
mais parecida com Nigel Farage de que dispõe e, portanto, quem mais facilmente
recuperará os votos perdidos para o líder do Partido do Brexit nas europeias.
Boris é também a coisa mais parecida com
Donald Trump de que o Reino Unido dispõe. Não apenas nas maneiras e na
linguagem desabrida, mas nas convicções essenciais. Trump é contra a integração europeia, Boris
também (pelo menos, quando lhe convém). Trump defende que cada país deve lutar
pêlos seus interesses com todas as forças de que dispõe e que é este o único
fundamento das relações internacionais. Boris também. “Britain First”. Trump é
capaz de mentir com a mais impressionante das tranquilidades, caso a realidade
não encaixe na sua vontade. Boris já provou que é exímio na mesma arte.
A
sua entrada iminente em Downing Street diz bem até que ponto o sistema
político britânico entrou em colapso, deixando o país à mercê do nacionalismo
inglês (um risco para a unidade do Reino que nunca preocupou os nacionalistas
ingleses) ou, em alternativa, de uma liderança trabalhista saída do baú dos
anos 80, contra quase tudo o que o povo britânico construiu desde a II Guerra:
uma economia liberalizada e pujante, uma influência mundial acima da sua
dimensão relativa, uma capacidade militar assinalável, incluindo a sua frota
nuclear, uma crescente influência na Europa (que começou com Blair) e uma
sólida aliança com os EUA.
Jeremy Corbyn é contra a União Europeia, contra a economia de mercado, contra a
frota nuclear, contra a NATO, cultiva o antiamericanismo e vê Putin com grande
condescendência. Só faltavam as provas cada vez mais evidentes de que pactua
com o anti-semitismo para o quadro ficar completo. O centro político implodiu,
mesmo que as eleições europeias tenham provado que pode reconstituir-se.
2. O
último episódio desta triste história de uma das nações mais avançadas e livres
do mundo envolveu o embaixador britânico em Washington e é mais
do que uma simples crise diplomática. Do Presidente americano já nada nos
consegue surpreender. Já o vimos
insultar Merkel, Macron e Theresa May. Mantém intacta a sua empatia
com Putin. Identifica-se com qualquer “homem forte”, seja ele Duterte,
Bolsonaro ou o príncipe herdeiro saudita ou, mais próximo de nós, Orbán e
Salvini. Os termos que usou para classificar o embaixador Kim Darroche fazem
jus ao que estamos habituados e confirmam o teor dos telegramas enviados por
ele para o Foreign Office sobre o que esperar do ocupante da Casa Branca.
O
Governo de Londres defendeu o seu embaixador. Boris defendeu Trump e gozou com Darroche e com May.
Não é um simples incidente. Os defensores de um corte radical com a União
Europeia poderiam ter como argumento a “special relationship” com os Estados
Unidos, forjada na guerra e cultivada por todos os primeiros-ministros
britânicos desde essa altura. O papel do Reino Unido como a ponte que
mantinha os dois lados do Atlântico unidos mesmo em momentos de crise
transatlântica, foi um contributo precioso.
3 - Mesmo
perdendo esta dimensão, lá estaria a América para dar força a uma média potência
global capaz de singrar no mundo sem as amarras europeias. O cálculo
falhou porque, em simultâneo com o referendo britânico, os americanos elegiam
um Presidente que punha em causa, um a um, os grandes princípios em que
assentou a politica americana desde o pós-guerra e também a sua relação com a
Europa incluindo o Reino Unido. “Aliados” é palavra que não existe no mundo de
Trump. A Europa é uma aberração, tal como a NATO, que Londres não está em
condições de dispensar. Apoia entusiasticamente o “Brexit” porque corresponde à
sua visão do mundo como uma guerra entre nações e porque é uma forma de
enfraquecer a Europa.
Mas,
como já demonstrou várias vezes e voltou agora a fazê-lo, aprecia sobretudo uma
relação de vassalagem. Como escreveu Martin Kettle no Guardian, o que
aconteceu não foi apenas uma “tempestade diplomática”, mas “um desafio
existencial para a política externa britânica”. Trump, prossegue Kettle, só reconhece
o “desprezo pelos outros países, pelas alianças e pelos acordos
internacionais”. “Se Johnson chegar onde quer, o Reino Unido pode voltar a
abraçar os EUA. Mas a América que abraça não será a República aberta ao mundo
desde Eisenhower até Obama, mas um país ‘excepcional’ voltado para dentro de si
próprio, que procura destruir tudo o que resta da ordem internacional. Neste
mundo, o Reino Unido corre o risco de se tornar um vassalo de um Estados
unilateralista e caprichoso.”
Já
se percebeu, aliás, que tipo de “acordo de livre comércio” Trump quer negociar
com o Reino Unido: como fez com outros países como o México ou o
Canadá, impondo a lei do mais forte e obrigando-o a escolher entre a Europa e a
América no que refere à questão fundamental dos standards – uma
escolha impossível para um país cujas trocas comerciais com a Europa
representam mais de 50%. Por alguma razão, os últimos tempos têm provado que o
alinhamento de posições entre Londres e as principais capitais europeias é a
regra: face à Rússia, aos EUA, ao Irão ou à China.
Finalmente,
Boris quer mesmo uma saída sem acordo no dia 31 de Outubro? É duvidoso. Se o
único objectivo que o move é entrar no n.º 10 de Downing Street, não quer
certamente enfrentar uma situação económica demasiado negativa, para a qual
quase toda a gente avisa, incluindo os empresários. Pelo contrário, continua a
acreditar que pode mudar alguma coisa no acordo de saída negociado por May, que
chegue para vê-lo aprovado no Parlamento.
4. Se
Londres não teve nem tem estratégia, não se pode dizer que a União Europeia
tenha tido uma estratégia adequada ao que está em causa. Teve uma só obsessão:
manter uma “muralha de aço” entre os restantes 27, não apenas como arma
negocial, mas para provar a si própria que mais ninguém queria seguir o mesmo
caminho. Por isso, não facilitou. Por isso também não conseguiu nunca olhar
para a floresta, tendendo a minimizar o país que ousava sair e a maximizar os
seus trunfos. Nem ela própria está nas melhores condições para ficar sem o
Reino Unido, nem o Reino Unido é assim tão fraco que só lhe reste pagar um
preço insuportável pela sua “cegueira”.
A
negociação mais importante será aquela que começa depois de ratificado o acordo
de saída ou de uma saída sem acordo: a relação futura entre os dois lados
da Mancha. Boris e
outros nacionalistas ingleses podem fazer enormes erros de cálculo, como aquele
que fazem em relação aos EUA. Também não lhes será fácil negociar acordos
comerciais vantajosos com médias ou grandes potências, porque elas próprias
têm, quase todas, acordos comerciais com a União, cujo mercado é bastante mais
atractivo. A Índia e os EUA estão longe de ser a resposta fácil que apregoam.
Só
há um interesse mútuo: manter uma boa relação o mais
ampla possível. Para a Europa, porque os britânicos são líderes numa série de
sectores dos quais depende a capacidade europeia para se afirmar no mundo. E
não estamos apenas a falar da Defesa. Qual é o país europeu mais avançado no
domínio da IA? Ou da cibersegurança? Ou da luta contra o terrorismo? O Reino
Unido. Qual é o
país europeu com a fatia de leão no desenvolvimento das indústrias de
armamento? O Reino Unido. Onde estão a melhores universidades europeias? No
Reino Unido. Poderíamos acrescentar inúmeros exemplos. E se isto é verdade, também quer dizer que as
Ilhas não estão totalmente destituídas de argumentos para singrar no mundo como
uma média potência, como outras, mas mais forte do que as outras em múltiplos
sectores. Ou seja, de um lado e de outro há bons argumentos
para querer evitar uma ruptura. Por isso, é bom acabar rapidamente com a ideia
de que a força da Europa se mede por não mexer um milímetro da sua posição
actual.
Boris Johnson (Origem Wikipédia)
Alexander
Boris de Pfeffel Johnson (Nova Iorque, 19 de junho
de 1964,
é um político,
historiador
e jornalista
britânico.
Membro do partido Conservador, foi Secretário de Estado do Reino Unido para os Assuntos
Externos e a Commonwealth britânica de 2016 a 2018. Serve como Parlamentar
na Câmara dos Comuns pelo círculo eleitoral de Uxbridge e
South Ruislip desde 2015, antes para Henley
entre 2001
e2008.
Foi também prefeito de Londres
de 5 de maio
de 2008
a 8 de maio
de 2016.
Johnson é uma das figuras políticas (e jornalisticas) britânicas mais
controversas dos últimos anos. Seus apoiantes indicam como pontos positivos
sua personalidade, humor entretido e seu apelo popular que vai além da figura
tradicional apresentada ao eleitor conservador. Contudo, ele também é muito
criticado, por figuras da esquerda e
da direita,
como um elitista e fisiologista, acusado de desonestidade,
preguiça e racismo. Johnson está bem presente na cultura popular britânica,
sujeito a inúmeros livros e paródias.
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