terça-feira, 16 de julho de 2019

Mas a corrupção também proporcionou





O nosso descalabro, que Rui Ramos tão bem explica. Mas o mal está, decerto, em todos nós, e a utilização indevida de verbas dos incêndios prova isso também. Não é defeito, é feitio. Geral. Daí, a questão dos impostos, que na Irlanda baixaram, permitindo o crescimento. Em Portugal sobem sempre. Como um garrote a estrangular, a impedir que o sangue circule. O resto vem na sequência.
Portugal continua a não ser a Grécia /premium
RUI RAMOS              OBSERVADOR, 12/7/2019
Quando a Grécia se afundava em resgates, Passos impediu que Portugal fosse a Grécia. Agora, quando a Grécia se liberta da demagogia, é Rui Rio quem impede que Portugal seja a Grécia.
Quando a Grécia se afundava em resgates sucessivos, Portugal não foi a Grécia: não tivemos de nos sujeitar às terríveis metas de austeridade aceites pelo PS em 2011, e saímos do programa de ajustamento em 2014, e não em 2018. Mas agora, quando a Grécia se liberta da demagogia do Syriza, Portugal continua a não ser a Grécia: aqui, espera-se o prolongamento da governação socialista, assente ou não na reedição da geringonça, o que significa que Portugal não fará as chamadas “reformas estruturais”, e continuará a aproveitar a melhor conjuntura internacional de todos os tempos apenas para disfarçar défices e dívidas, e não para convergir com os países mais ricos da Europa, ao contrário do que têm feito os mais pobres Estados da UE.
As diferenças entre Portugal e Grécia devem-se a muitas causas, mas falemos agora de duas decisões. Portugal não foi a Grécia, porque Pedro Passos Coelho decidiu honrar os compromissos internacionais e defender a estabilidade governativa, com base na maioria PSD-CDS. E Portugal não será agora a Grécia, não apenas porque não foi possível reeditar em 2015 a maioria PSD-CDS, e a maioria de esquerda pôde assim aproveitar o trabalho de ajustamento feito por Passos Coelho, mas também porque Rui Rio, com a sua estratégia de acordos com o PS, desdém pelo CDS e afastamento dos que, no seu partido, discordam dessa linha, decidiu negar aos portugueses uma verdadeira alternativa à geringonça.
Dir-me-ão: o PSD de Rio faz “críticas” ao governo e até apresenta “propostas alternativas”. Mas já reparam que nada parece ter impacto? Não vou menorizar o papel de uma comunicação social, especialmente televisiva, governamentalizada para além de todos os sonhos de José Sócrates. Mas há outra dificuldade, que se deve inteiramente a Rio. Por muitas que sejam as críticas e as propostas, falta ao PSD aquilo que mais conta: convicção (que não é o mesmo que teimosia). Falta-lhe convicção quando, perante o PS, é incapaz de uma atitude consistente de oposição, inspirando a suspeita de que não espera mais do que revezar PCP ou BE noutras encarnações da geringonça. Falta-lhe ainda convicção quando, em relação ao passado, precisamente porque o objectivo é juntar-se ao PS, renega ou pelo menos não defende a governação de 2011-2015, deixando vigorar a “narrativa” da esquerda de que o ajustamento se deveu unicamente a um capricho “neo-liberal”.
O PSD de Rui Rio, por mais pirotecnia programática, não está destinado a convencer: tudo nele transpira insegurança e incerteza. Parece um partido que tenta esconder um passado vergonhoso e que, no seu desespero, já só pensa salvar-se através da submissão ao adversário. E jazendo o PSD neste drama, já se percebeu que o CDS não tem em si força para, sozinho, mudar os termos do debate, nem sequer para evitar os mesmos erros do PSD, como no célebre caso dos professores.
Daí que, em relação ao PSD e ao CDS, a dúvida para Outubro já seja apenas a da escala das sua derrotas. O confronto politicamente mais relevante neste momento não acontece entre a esquerda e a direita, mas dentro da esquerda, entre o PS e os seus parceiros de geringonça, como se viu durante o debate do estado da Nação na quarta-feira. Contra a extrema-esquerda, o PS argumenta que, sem o cuidado do PS em acertar as contas, não teria havido margem para reposições. Contra o PS, a extrema-esquerda insiste em que, sem a pressão da extrema-esquerda para se fazerem reposições, só teria havido acerto de contas. Parece que é nestes termos que vai ser disputada a maioria (absoluta ou não) do PS. Vamos ver quanto tempo demorará a Grécia a ultrapassar Portugal.
Como perdemos a oportunidade das nossas vidas /premium
RUI RAMOS              OBSERVADOR, 16/7/2019
Os últimos vinte anos em Portugal poderiam ter sido muito diferentes, como foram para outros países. Perdemos a maior oportunidade das nossas vidas. Convinha discutir e perceber o que aconteceu. Uma das coisas de que a oligarquia nos convenceu é de que o que se passa dentro do país tem pouca importância. Por exemplo, a bancarrota de 2011. Segundo os nossos oligarcas, foi culpa do euro. E para o caso de o diabo se lembrar de aparecer por aí, já há desculpas prontas: desta vez, será culpa do BCE ou das guerras comerciais do presidente Trump. A responsabilidade, portanto, nunca é de quem governa e faz oposição em Portugal. É mesmo assim? Vamos a ver: uma economia pequena e aberta, como a portuguesa, ressentirá sempre mudanças do contexto externo. Mas se neste momento faz sentido dizer que, por exemplo, uma subida de juros do BCE provocaria uma aflição em Portugal, é porque Portugal, sempre endividado e outra vez deficitário, está especialmente vulnerável. Ora, isso não tem que ver apenas com condições externas, mas com opções internas, que têm uma razão de ser política.
Não nos podemos queixar demasiado do mundo no princípio do século XXI. Não estou a esquecer a recessão de 2008 ou as guerras do Médio Oriente. Mas as duas primeiras décadas deste século foram uma das grandes eras de convergência, isto é, um tempo em que as economias dos países mais pobres cresceram mais do que as dos países mais ricos. É por isso que, pela primeira vez desde o século XVIII, a maior parte do que se estima ser a riqueza mundial é hoje produzida fora do Ocidente. Não há muito mistério aqui: nunca, ao mesmo tempo, o crédito e a energia foram tão baratos, e os mercados mundiais tão abertos. Portugal, no entanto, não aproveitou esta oportunidade. Ao contrário do que tinha acontecido em todas as ocasiões de prosperidade desde 1945, manteve a sua distância em relação aos Estados mais ricos, e, por isso, viu um número significativo de países mais pobres, dentro e fora da Europa, aproximarem-se ou ultrapassarem-no. Mais: Portugal deu o pior sinal dos países que não conseguem sair do nível em que estão, que é, sempre que há alguma bonança, isso provocar logo desequilíbrios de contas externas, como aconteceu no último ano.
Dir-me-ão: uma sociedade tão envelhecida e tão endividada nunca teria conseguido fazer melhor. Certamente que o envelhecimento e a dívida explicam alguma coisa. Mas também precisam de ser explicados: antes de serem causa, foram consequência. Do mesmo modo, não funciona a tese de que o país não estava preparado para fazer mais do que exportar t-shirts e concentrado de tomate para a EFTA, como nos anos 60. O investimento em infraestruturas e em qualificações foi inútil?
Os argumentos fatalistas teriam talvez mais força se por acaso tivessem sido experimentadas as “reformas estruturais” que há vinte anos todos os organismos internacionais nos recomendam. Poupemos no jargão: essas reformas dizem respeito a aliviar os cidadãos do custo de sustentarem, com impostos e inibições burocráticas e regulatórias, as rendas e os estatutos daqueles que dependem do poder político. Uma receita “liberal”, dirão alguns. Talvez seja, mas receita que habilitou outros países a explorar com sucesso a integração europeia e a globalização. É óbvio que não sabemos se, no caso português, teria resultado. Mas dado o modo como empresários e trabalhadores, perante o ajustamento e as reformas de 2011-2014, se reorientaram para os mercados externos, valeria a pena ter tentado. Mas foi isso que, na medida em que põe em causa o controle oligárquico da sociedade, não se fez — nem se pode fazer.
As queixas sobre o contexto internacional são, hoje em dia, um véu a cobrir as responsabilidades do poder político em Portugal. Talvez nunca o contexto tenha sido tão propício para os portugueses passarem a outra fase do desenvolvimento, e, através dessa subida de patamar, garantirem-se contra as piores regressões. Sim, os últimos vinte anos poderiam ter sido muito diferentes, como foram para outros países. Perdemos a maior oportunidade das nossas vidas. Convinha talvez discutir e perceber o que aconteceu.
COMENTÁRIOS:
Jay Pi: Portugal falhou. As duas últimas décadas foram totalmente perdidas. Pior: como resposta à crise que aí vem, os portugueses querem abraçar uma opção socialista. A emigração em massa será a única solução, até que esta seja permitida...
maria perry: O Rui não está a ser justo, pois nos últimos 20 anos o que assistimos foi a esquerda a endividar brutalmente o país ao ponto de o levar à bancarrota, o PSD de Passos Coelho a salvar o país e a voltar a pô-lo no bom caminho, e depois a esquerda novamente a destruir todo o bom trabalho. Portanto há culpados muito específicos, que são o PS primeiro, e mais tarde também o BE e o PCP
E para quando um artigo a ir directamente ao assunto, mostrando, por exemplo, a recuperação da Irlanda pós-Troika, graças à redução da despesa pública e dos impostos às empresas, sendo hoje um dos países europeus mais ricos, precisamente o oposto que Portugal fez? E já agora, para quando dizer que enquanto a esquerda reinar – e vai ser por muitos anos ainda – não vale a pena ter esperança alguma no país pois eles estão aí para sacar tudo à espera que a direita resolva depois os problemas?
Zacarias Pançudo: Perdemos a oportunidade das nossas vidas? Há muita gente que não partilha dessa opinião: desde logo os membros do cartel do Rato e a sua teia de relações, que não perderam oportunidade nenhuma, mas também os funcionários públicos e os reformados. É muita gente, e esses sabem que por muito mal que as coisas estejam para eles, para nós, servos do fisco, ainda hão-de estar piores.

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