O nosso descalabro, que Rui Ramos tão bem explica. Mas o
mal está, decerto, em todos nós, e a utilização indevida de verbas dos
incêndios prova isso também. Não é defeito, é feitio. Geral. Daí, a questão dos
impostos, que na Irlanda baixaram, permitindo o crescimento. Em Portugal sobem
sempre. Como um garrote a estrangular, a impedir que o sangue circule. O resto
vem na sequência.
Portugal continua a não ser a
Grécia /premium
Quando a Grécia se afundava em
resgates, Passos impediu que Portugal fosse a Grécia. Agora, quando a Grécia se
liberta da demagogia, é Rui Rio quem impede que Portugal seja a Grécia.
Quando
a Grécia se afundava em resgates sucessivos, Portugal não foi a Grécia: não
tivemos de nos sujeitar às terríveis metas de austeridade aceites pelo PS em
2011, e saímos do programa de ajustamento em 2014, e não em 2018. Mas agora,
quando a Grécia se liberta da demagogia do Syriza, Portugal continua a não ser
a Grécia: aqui, espera-se o prolongamento da governação socialista, assente
ou não na reedição da geringonça, o que significa que Portugal não fará as
chamadas “reformas estruturais”, e continuará a aproveitar a melhor conjuntura
internacional de todos os tempos apenas para disfarçar défices e dívidas, e não
para convergir com os países mais ricos da Europa, ao contrário do que têm
feito os mais pobres Estados da UE.
As diferenças entre Portugal e Grécia
devem-se a muitas causas, mas falemos agora de duas decisões. Portugal não foi a Grécia, porque Pedro Passos
Coelho decidiu honrar os compromissos internacionais e defender a estabilidade
governativa, com base na maioria PSD-CDS. E Portugal não será agora a Grécia,
não apenas porque não foi possível reeditar em 2015 a maioria PSD-CDS, e a
maioria de esquerda pôde assim aproveitar o trabalho de ajustamento feito por
Passos Coelho, mas também porque Rui Rio, com a sua estratégia de acordos com o
PS, desdém pelo CDS e afastamento dos que, no seu partido, discordam dessa
linha, decidiu negar aos portugueses uma verdadeira alternativa à geringonça.
Dir-me-ão:
o PSD de Rio faz “críticas” ao governo e até apresenta “propostas
alternativas”. Mas já reparam que nada parece ter impacto? Não vou menorizar o
papel de uma comunicação social, especialmente televisiva, governamentalizada
para além de todos os sonhos de José Sócrates. Mas há outra dificuldade, que se
deve inteiramente a Rio. Por muitas que sejam as críticas e as propostas,
falta ao PSD aquilo que mais conta: convicção (que não é o mesmo que teimosia).
Falta-lhe convicção quando, perante o PS, é incapaz de uma atitude consistente
de oposição, inspirando a suspeita de que não espera mais do que revezar PCP ou
BE noutras encarnações da geringonça. Falta-lhe ainda convicção quando, em
relação ao passado, precisamente porque o objectivo é juntar-se ao PS, renega
ou pelo menos não defende a governação de 2011-2015, deixando vigorar a
“narrativa” da esquerda de que o ajustamento se deveu unicamente a um capricho
“neo-liberal”.
O PSD de Rui Rio, por mais pirotecnia
programática, não está destinado a convencer: tudo nele transpira insegurança e
incerteza. Parece um partido que tenta esconder um passado vergonhoso e que, no
seu desespero, já só pensa salvar-se através da submissão ao adversário. E
jazendo o PSD neste drama, já se percebeu que o CDS não tem em si força para,
sozinho, mudar os termos do debate, nem sequer para evitar os mesmos erros do
PSD, como no célebre caso dos professores.
Daí
que, em relação ao PSD e ao CDS, a dúvida para Outubro já seja apenas a da
escala das sua derrotas. O confronto politicamente mais relevante neste momento
não acontece entre a esquerda e a direita, mas dentro da esquerda, entre o PS e
os seus parceiros de geringonça, como se viu durante o debate do estado da
Nação na quarta-feira. Contra a extrema-esquerda, o PS argumenta que, sem o
cuidado do PS em acertar as contas, não teria havido margem para reposições.
Contra o PS, a extrema-esquerda insiste em que, sem a pressão da
extrema-esquerda para se fazerem reposições, só teria havido acerto de contas.
Parece que é nestes termos que vai ser disputada a maioria (absoluta ou não) do
PS. Vamos ver quanto tempo demorará a Grécia a ultrapassar Portugal.
Como perdemos a oportunidade das nossas
vidas /premium
Os últimos vinte anos em Portugal
poderiam ter sido muito diferentes, como foram para outros países. Perdemos a
maior oportunidade das nossas vidas. Convinha discutir e perceber o que
aconteceu. Uma das coisas de que a
oligarquia nos convenceu é de que o que se passa dentro do país tem pouca
importância. Por exemplo, a bancarrota de 2011. Segundo os nossos oligarcas,
foi culpa do euro. E para o caso de o diabo se lembrar de aparecer por aí, já
há desculpas prontas: desta vez, será culpa do BCE ou das guerras comerciais do
presidente Trump. A responsabilidade, portanto, nunca é de quem governa e faz
oposição em Portugal. É mesmo assim? Vamos a
ver: uma economia pequena e aberta, como a portuguesa, ressentirá sempre
mudanças do contexto externo. Mas se neste momento faz sentido dizer que, por
exemplo, uma subida de juros do BCE provocaria uma aflição em Portugal, é
porque Portugal, sempre endividado e outra vez deficitário, está especialmente
vulnerável. Ora, isso não tem que ver apenas com condições externas, mas com
opções internas, que têm uma razão de ser política.
Não
nos podemos queixar demasiado do mundo no princípio do século XXI. Não estou a
esquecer a recessão de 2008 ou as guerras do Médio Oriente. Mas as duas
primeiras décadas deste século foram uma das grandes eras de convergência, isto
é, um tempo em que as economias dos países mais pobres cresceram mais do que as
dos países mais ricos. É por isso que, pela primeira vez desde o século
XVIII, a maior parte do que se estima ser a riqueza mundial é hoje produzida
fora do Ocidente. Não há muito mistério aqui: nunca, ao mesmo tempo, o crédito
e a energia foram tão baratos, e os mercados mundiais tão abertos. Portugal, no
entanto, não aproveitou esta oportunidade. Ao contrário do que tinha acontecido
em todas as ocasiões de prosperidade desde 1945, manteve a sua distância em
relação aos Estados mais ricos, e, por isso, viu um número significativo de
países mais pobres, dentro e fora da Europa, aproximarem-se ou
ultrapassarem-no. Mais: Portugal deu o pior sinal dos países que não conseguem
sair do nível em que estão, que é, sempre que há alguma bonança, isso provocar
logo desequilíbrios de contas
externas, como aconteceu no último ano.
Dir-me-ão: uma sociedade tão
envelhecida e tão endividada nunca teria conseguido fazer melhor. Certamente que o envelhecimento e a dívida explicam
alguma coisa. Mas também precisam de ser explicados: antes de
serem causa, foram consequência.
Do mesmo modo, não funciona a tese de que o país não estava preparado para
fazer mais do que exportar t-shirts e concentrado de tomate para a EFTA,
como nos anos 60. O investimento em infraestruturas e em qualificações foi
inútil?
Os argumentos fatalistas teriam
talvez mais força se por acaso tivessem sido experimentadas as “reformas
estruturais” que há vinte anos todos os organismos internacionais nos
recomendam. Poupemos
no jargão: essas reformas dizem respeito a aliviar os cidadãos do custo de
sustentarem, com impostos e inibições burocráticas e regulatórias, as rendas e
os estatutos daqueles que dependem do poder político. Uma receita “liberal”,
dirão alguns. Talvez seja, mas receita que habilitou outros países a explorar
com sucesso a integração europeia e a globalização. É óbvio que não sabemos se,
no caso português, teria resultado. Mas dado o modo como empresários e
trabalhadores, perante o ajustamento e as reformas de 2011-2014, se
reorientaram para os mercados externos, valeria a pena ter tentado. Mas foi
isso que, na medida em que põe em causa o controle oligárquico da sociedade,
não se fez — nem se pode fazer.
As
queixas sobre o contexto internacional são, hoje em dia, um véu a cobrir as
responsabilidades do poder político em Portugal. Talvez nunca o contexto tenha
sido tão propício para os portugueses passarem a outra fase do desenvolvimento,
e, através dessa subida de patamar, garantirem-se contra as piores regressões.
Sim, os últimos vinte anos poderiam ter sido muito diferentes, como foram para
outros países. Perdemos a maior oportunidade das nossas vidas. Convinha talvez
discutir e perceber o que aconteceu.
COMENTÁRIOS:
Jay Pi: Portugal
falhou. As duas últimas décadas foram totalmente perdidas. Pior: como resposta
à crise que aí vem, os portugueses querem abraçar uma opção socialista. A
emigração em massa será a única solução, até que esta seja permitida...
maria perry: O Rui não está a ser justo, pois nos últimos 20 anos o
que assistimos foi a esquerda a endividar brutalmente o país ao ponto de o
levar à bancarrota, o PSD de Passos Coelho a salvar o país e a voltar a pô-lo
no bom caminho, e depois a esquerda novamente a destruir todo o bom trabalho.
Portanto há culpados muito específicos, que são o PS primeiro, e mais tarde
também o BE e o PCP
E
para quando um artigo a ir directamente ao assunto, mostrando, por exemplo, a
recuperação da Irlanda pós-Troika, graças à redução da despesa pública e dos
impostos às empresas, sendo hoje um dos países europeus mais ricos,
precisamente o oposto que Portugal fez? E já agora, para quando dizer que
enquanto a esquerda reinar – e vai ser por muitos anos ainda – não vale a pena
ter esperança alguma no país pois eles estão aí para sacar tudo à espera que a
direita resolva depois os problemas?
Zacarias Pançudo: Perdemos a oportunidade das nossas vidas? Há muita
gente que não partilha dessa opinião: desde logo os membros do cartel do Rato e
a sua teia de relações, que não perderam oportunidade nenhuma, mas também os
funcionários públicos e os reformados. É muita gente, e esses sabem que por
muito mal que as coisas estejam para eles, para nós, servos do fisco, ainda
hão-de estar piores.
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