sexta-feira, 26 de julho de 2019

Pedacinhos de História e de vida

Com observações pertinentes de mistura, lembrando o que foi e o que poderia ter sido a colónia africana de Moçambique. E a história triste de Gungunhana, como complemento, alguns de cujos dados transcrevo da internet, para aclarar um pouco os dizeres sibilinos de SF. É, de resto, longa, a história de Gungunhana narrada na Internet, talvez para chamar a atenção sobre a temática do racismo que hoje está na ordem do dia. 
Ngungunhane
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Ngungunhane, Mdungazwe Ngungunyane Nxumalo, N'gungunhana, Gungunhana ou Reinaldo Frederico Gungunhana (Gaza, c. 1850   Angra do Heroísmo, 23 de Dezembro de 1906) foi o último imperador do Império de Gaza, no território que actualmente é Moçambique, e o último monarca da dinastia Jamine. Cognominado o Leão de Gaza, o seu reinado estendeu-se de 1884 a 28 de Dezembro de 1895, dia em que foi feito prisioneiro por Joaquim Mouzinho de Albuquerque na aldeia fortificada de Chaimite. Já conhecido da imprensa europeia, a administração colonial portuguesa decidiu condená-lo ao exílio em vez de o mandar fuzilar, como fizera a outros. Foi transportado para Lisboa, acompanhado por um filho de nome Godide e por outros dignitários. Após uma breve permanência naquela cidade, foi desterrado para os Açores, onde viria a falecer onze anos mais tarde.

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 24.07.19
O Save é em Moçambique o que o São Francisco é no Brasil, uma fronteira entre uma terra relativamente fácil e uma difícil. A diferença ainda é muito grande no caso moçambicano porque o rio-fronteira ainda não está trabalhado com os caudais regularizados, com as margens consolidadas, com represas, drenagens e irrigações circundantes que melhorem os lençóis subjacentes, etc. E porque o rio está ao abandono, o lado pobre, o da margem esquerda, é pobre e o da direita está à vontade de Deus Pai todo poderoso. Só lá mais para a frente, a caminho do Sul, é que a «coisa» agro-pecuária e florestal melhora. E é nessa melhoria que volta a aparecer o «pé-de-meia» das populações, o amigo cajueiro.
Estrada boa, alcatroada há muitos anos mas com piso recentemente melhorado, deu para continuarmos uma viagem turística sem problemas. A diferença, agora, estava na presença humana muito mais assídua e à vista, do gado doméstico a pastar próximo, das machambas por ali fora, quase a esmo para os nossos olhos mas de certeza que com lógica para os respectivos proprietários, agricultura de subsistência. E que mal há nisso? Mal nenhum do lado de quem a pratica; muito mal dos Serviços Públicos que a deixam ao «Deus dará». E disto tudo me fui lembrando… das populações que vivem e deixam viver. E nesta decisão que tomara ontem de voltar para Moçambique depois de ir a Lisboa passar à disponibilidade militar, lembrei-me de que uma das coisas em falta na corrida contra o tempo pelo desenvolvimento, era a de um verdadeiro Serviço de Extensão Rural que apoiasse as populações abandonadas. E isso implicaria não só as condições de habitação, educação e saúde mas sobretudo no melhoramento da produção agrícola e das condições sanitárias do gado doméstico, as desparasitações veterinárias.
E assim fui meditando… até que me dei conta de que não sou engenheiro para poder melhorar as condições de saneamento básico nem habitacionais daquela gente habituada aos melhores materiais de construção que por ali existem, devidamente adaptados às condições naturais, não sou médico nem sequer enfermeiro para poder ajudar às condições sanitárias, não sou professor para os poder habilitar ao abrigo do ensino oficial, não sou veterinário para lhes tratar do gado, não sou agrónomo para os ajudar a melhorar a qualidade agrícola. Ou seja, não sou nada que lhes possa ser de alguma utilidade. Um zero à esquerda. Apenas um especialista em assuntos gerais que, se munido de humildade, ainda há-de aprender umas «coisas» com aqueles a quem pensava ensinar. E lembrei-me dos peace corps do Kennedy que tanto bem fizeram por tanta parte até que foram corrompidos pelas maquinações da CIA.
E, depois, lembrei-me da dicotomia entre esta gente viver assim há séculos, não saber viver de outros modos e virmos nós, extra-terrestres, ensinar-lhes coisas com que eles não sabem (e eventualmente, não querem) lidar. Levá-los a defecar num único local junto da aldeia? Muito civilizado, sim Senhor. E onde fica a linha de água a que vamos aplicar a bomba para lhes fazer um chafariz? Eventualmente, será a maneira mais apropriada de lançar uma epidemia de cólera. E quanto ao aumento da produção agrícola, como se fará o escoamento dos excedentes e a que preço numa economia desmonetarizada? E se a moeda não circula, para que querem eles a moeda? Ah! Mas querem a Justiça. Para os mandar para a prisão conforme os critérios duma Lei que desconhecem? Não! Para isso têm os Conselhos de Velhos cuja autoridade reconhecem. Então, como fazer para ajudar esta gente? E a grande pergunta é: - Será que eles querem a nossa ajuda? Sim, creio que sim, querem a nossa ajuda para lhes tirar a dor de dentes, as cataratas dos olhos, a dor do apêndice... Mas só depois de lhes ganharmos a confiança. Então, serão eles a pedir que os ajudemos e isso pode demorar tanto tempo quanto o tempo que está por vir. Como são importantes esses quase anónimos Chefes de Posto que se amantizam com as «flores da savana», legalizam as decisões dos Conselhos de Velhos, recebem honradamente os viajantes com avarias mecânicas… Afinal, esses que estão na base da Administração Ultramarina, muito mais do que os que estão pela hierarquia acima, é que são A chave da porta do diálogo, A ferramenta do desenvolvimento. E se nós, lisboetas, estamos com pressa, não os atrapalhemos a esses que vivem, sabem viver e, sobretudo, que deixam viver.
Chagámos a Vilanculos, o Tó e o Miguel que procurem solução para a noite do nosso «herói» e, já agora, para a nossa também. Eu estou cansado, não faço mais nada para além de um duche e um jantar.
- Miguel, vai pensando nas horas da alvorada. Amanhã são 205 quilómetros até à Maxixe.
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Henrique Salles da Fonseca  24.07.2019:  Meu Caro: Estou a juntar a « viagem » toda para voltar a ler quando terminar. Como corri por muito do que fala, e muitas outras estradas e picadas, desde 1954 até... à diáspora, mando-lhe o meu depois comentário, que não deixarei de pôr no meu blog.
Por enquanto vou ficando só na saudade e na inveja de não ter podido ocupar o quarto lugar – mesmo ao lado do Xicuembo – nesse belo e confiável carrão! Um abraço.
Francisco Gomes de Amorim
Henrique Salles da Fonseca 25.07.2019: Já estou quase com a sensação de conhecer Moçambique
Helena Salazar Antunes Morais
Henrique Salles da Fonseca  25.07.2019:  Henrique, que leitura e texto magníficos... que bom me enviares... Dás momentos mágicos a esta tua amiga de sempre. Como gosto de ler os teus textos, my friend. Obrigada. Isabel O'Sullivan

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