Quando o método tradicional começou a ser substituído pelo método directo, fez-se revolução nos
conceitos didácticos, está visto, mas professores, julgo que cônscios, achavam
isso macacada revolucionária que cada vez criaria mais incorrecção, tanto na
escrita como na expressão oral, como na capacidade de reflexão. A língua,
estando na base da comunicação, quer oral quer escrita, ao ser desprezada
inicialmente pela imagem, para obter a palavra, - (que foi assim que começou,
com a tal reforma do método directo, em vez do b
a ba da racionalidade e da memória, que a repetição
assídua alimentava, quer pela cópia, quer pelo ditado, hoje desaparecido) - começou
logo a ser adulterada, o que se tornou gradualmente mais visível. Julgo que o
nosso primeiro-ministro é produto desse método
directo, que não exige grande correcção gramatical, pois ainda ontem o ouvi,
em doutas explicações, a usar um “começaram
a haver” seguido de um qualquer plural, certamente por não ter induzido,
nos seus tempos de aprendizagem sem memorização, a regra de que o verbo haver impessoal não tem sujeito com que
concorde, mas apenas complemento directo, com que não tem que concordar. Não,
não vejo o interesse da indução das regras linguísticas em vez de se partir da sua
memorização para efeitos de aplicação imediata, num pensamento ordenado e sem
tanto dispêndio de tempo. O mesmo direi relativamente à História, à Geografia,
à Arte, às Ciências, em que, evidentemente, as tecnologias actuais, com imagens,
músicas, reproduções de quadros, etc, sublinham as características que os
alunos mais facilmente fixarão e até, concedo, poderão induzir. Mas até mesmo a
matemática se aprende melhor com a execução de muitos exercícios que ajudam à intuição que se pretende, na ânsia em que vivemos de termos cidadãos de grande
desenvoltura mental, numa autoformação em liberdade, na expansão de uma
personalidade própria, sem constrangimentos de regras.
O que me parece é que os extremismos ou
radicalismos são sempre utópicos, por excessivos, e é por isso que discordo da
opinião de Salles da
Fonseca, defensor do ponto de vista de Humboldt, de uma pedagogia que já Rousseau aplicara, dois séculos antes, no seu “Émile”. O apelo à criatividade, sem as bases de orientação
primeira – tive disso, no meu estágio por cá – podem chamar, é certo, a atenção
para a argúcia dos meninos, mas outros há que apenas desestabilizam, na sua mediocridade
ou arrogância que não aproveitam a ninguém, nem permitem uma aprendizagem
eficaz. Porque os tempos de aula são breves, em turmas superlotadas. “Bastar-se a si próprio”, foi a marca da
educação de Emílio, educado por um preceptor. Marca que ainda hoje se mantém,
criadora de vaidade e atropelo, além de que em condições de maior densidade participativa
e daí que de menor eficácia.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 12.07.19
O
princípio orientador de Wilhelm von Humboldt era que deveria existir a máxima
liberdade no ensino e na religião no seio de um Estado mínimo. Dentro desse
Estado, o indivíduo era tudo, portanto, o ensino era tudo. O objectivo final do
ensino era «uma formação completa da personalidade humana… o desenvolvimento
mais elevado e mais proporcional dos poderes do indivíduo para formar um todo
pleno e consistente». Esse todo
pleno e consistente conjugava dois ideais tipicamente alemães: «Wissenschaft» e
«Bildung». «Wissenschaft» era a ideia da aprendizagem como um processo
dinâmico continuamente renovado e enriquecido pela investigação científica e o
pensamento independente, de modo que cada aluno contribuísse para a totalidade
do conhecimento cujo progresso não tinha fim.
O
conhecimento era evolutivo e, com ele, vinha a «Bildung», a evolução do próprio
estudioso.
Era
precisamente o oposto da aprendizagem por memorização.
In «EU SOU DINAMITE – a
vida de Friedrich Nietzsche», Sue Prudeaux, Círculo Leitores, 1ª edição, Abril 2019, pág.
42 e seg.
Wilhelm
von Humboldt foi o responsável pela reordenação do ensino alemão (vários
Estados do Bund) entre 1808 e 1812
Para saber mais, ver, por exemplo, em
Este
método de ensino foi posteriormente adoptado pelos EUA e pelo Japão. Pena que
em Portugal nos tenhamos mantido tempo de mais no medievalismo da memorização.
Talvez hoje não fôssemos apenas mais um dentre os países do sul europeu.
Julho de 2019 Henrique
Salles da Fonseca
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