A propósito de uma homenagem de Angela Merkel a gente que,
em tempos perversos se quis opor a um regime de absoluto horror, comentadores
de opostas facções entraram em despique escrito que me fui entretendo a ler com
espanto, no retrato de um mundo hodierno em que alguns se conhecem bem nas
ideologias que os separam. Por isso me entretive a copiá-los, como actores de comédia
que separa uns e outros e que não passa disso mesmo – disputas, apesar de tudo,
suficientemente educadas e esclarecedoras sobre o mundo que nos vai, na
inconsciência do mundo que nos espera.
E depois da diversão, voltei docilmente
a terreno mais conhecido – o que Teresa
de Sousa nos vai comunicando, com saber e clareza, em revisão
da História.
I - Em
homenagem aos autores do atentado contra Hitler, Merkel apela à luta contra a
extrema-direita
“Há momentos em que a desobediência é
obrigatória”, disse a chanceler sublinhando que hoje é preciso fazer oposição
aos que “procuram destruir a democracia”.
Merkel assinalou os 75 anos da conspiração para matar
Hitler
FELIPE TRUEBA/EPA PÚBLICO , 20 de Julho de 2019
A chanceler alemã, Angela Merkel, apelou à
luta contra a progressão da extrema-direita na cerimónia que neste sábado
assinalou o 75.º aniversário da Operação Valquíria, a conspiração
para assassinar Adolf Hitler. “O dia 20 de Julho de 1944 deve lembrar-nos
aqueles que agiram, mas também todos os que se ergueram contra o domínio nazi”,
disse. “E de igual forma somos hoje obrigados a opor-nos às tendências que
procuram destruir a nossa democracia. O que inclui a extrema-direita”.
O partido de extrema-direita Alternativa
para a Alemanha tornou-se, em Maio, o maior partido da oposição. E
nos últimos três anos os ataques com motivações racistas e anti-imigração
aumentaram, incluindo o assassínio de um político, Walter Lübcke, em Kassel,
crime que a polícia suspeita ter sido cometido por
neo-nazis.
Segundo os números do Governo
alemão, há 240 mil pessoas de extrema-direita no país e estima-se que 13 mil
deles sejam violentos.
Merkel disse que “há momentos em que a
desobediência é obrigatória”, ao lembrar a importância de preservar na memória
os protagonistas da Operação Valquíria para que “as lições da História não
desapareçam”.
A chanceler agradeceu ao oficial alemão
Claus von Stauffenberg que, com outros conspiradores, tentou matar Hitler em
1944, com um explosivo escondido numa mala que levou para dentro de uma reunião
no quartel-general do führer, perto de Rastenburg, agora no território da
Polónia.
O coronel de 36 anos Claus von
Stauffenberg e cerca de 200 co-conspiradores foram detidos e executados.
“Foram soldados modelos que se levantaram
contra a tirania”, disse na cerimónia a ministra alemã da Defesa, Annegret
Kramp-Karrenbauer, que assumiu a pasta esta semana após a eleição de
Ursula Von der Leyen para a presidência da Comissão Europeia.
COMENTÁRIOS
TP Leiria 20.07.2019: Um grande discurso
de Merkel. É para isto também que serve a UE, para prevenir extremistas, quer
da extrema direita quer da esquerda e até alguns que vivem nos States. Esses
que poluem aqui o forum são os piores!
Vieira: Os extremistas do centro como o sr
destroem mais a UE do que todos os outros juntos. A UE não pode servir os
interesses de alguns países em detrimento dos outros todos que é o que se passa
actualmente. Aliás a sua última frase acaba por ser uma confissão do seu
extremismo com laivos de fascismo. O sr. tem uma grande dificuldade para
aceitar a critica e recorre sistematicamente ao insulto.
TP. Leiria: A UE serve sempre
os interesses de todos os países. Quem não vê isso, só pode ser míope ou cego!
Eu não tenho dificuldade nenhuma em aceitar a crítica, aliás é por a aceitar
que contra argumento e respondo. Quem se põe a jeito, tem de ouvir as verdades
não é assim, Vieira? E pode ter a certeza que estou de consciência tranquila.
Eu sei que quem quer destruir a UE e o bem-estar dos Europeus são as pessoas
como o Vieira. Não são os pró UE como eu!
Ceratioidei Oceanos 20.07.2019: Angela Merkel fez
um excelente discurso. A luta contra extremistas nunca acaba, é contínua,
requer carácter e muita, muita, ainda mais, força de vontade. É uma luta
desigual, pois os fascistas escondem-se em qualquer buraco. A saúde
ressente-se, quando se ousa criticá-los e combatê-los. É preciso muita energia
e convicção. Mas vale a pena, vale sempre a pena, porque a alma não é pequena,
e os nossos descendentes merecem o esforço. Sempre foi assim e continuará a
ser. Ainda bem.
mário borges, 20.07.2019: Convém lembrar
que o atentado contra o Hitler foi levado a cabo por nazis... Que faziam parte
do seu Estado Maior General... Mas se a Merkel acha que devem ser homenageados
nazis...
Jonas Almeida,
Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 20.07.2019:
Como diz Mário, mais sobre isso em baixo, absolutamente estarrecedor!!! O tal
Claus von Stauffenberg que Merkel homenageia pelo nome advogava a escravização
"mas não o extermínio imediato" das populações autóctones dos
territórios ocupados. E não se ficou pelas palavras - foi-lhe confiado isso
mesmo na Polónia cuja ocupação liderou. Não nos sabia já no descarado
revisionismo histórico pelos donos da UE. Afinal o seu desenho é essencialmente
o de Walter Funk, se calhar não devia estar assim tão espantado :-(. A acusação
tb não é nova, Boris Johnson, o provável próximo primeiro ministro do UK já o
disse em público mais de uma vez. Isto passou dos limites.
TP Leiria 20.07.2019: Jona, o que Boris
diz não se escreve. O que é que passou dos limites? Os disparates e as mentiras
que escreve? Isso já passou dos limites há anos. Desde que a UE deixou de
financiar os seus projectos falhados, para ser mais exacto. Continuar a dizer
que a UE se baseia em Walter Funk, é mesmo ter um mau carácter e uma ignorância
desmedida. Custa mesmo a acreditar que você seja académico. Um académico não
dizia tais disparates.
Tiago Vasconcelos, Amsterdam 20.07.2019: Merkel ainda não
entendeu. A melhor forma de lutar contra a extrema-direita é deixar de dar-lhes
razões para crescerem -- o que o seu governo tem feito desde 2015.
Beep Beep, Slough- UK 20.07.2019: Nao se combate a
extrema-direita adoptando políticas de extrema-direita
Lars Arens, Lisboa 20.07.2019: O Tiago quer
dizer: a melhor forma para prevenir a ascensão de partidos novos da extrema
direita é os partidos do centro e da direita fazerem política de extrema
direita. Não, obrigado.
mariavazneves, 20.07.2019: Tiago
Vasconcelos. Concordo. Ela ainda não entendeu bem o que se está a passar...
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta20.07.2019: “Foram soldados modelos que se levantaram contra a
tirania”, cito a nova min. defesa alemã. Isto é um exagero que os historiadores
não deixaram de notar - estes 200 oficiais incluíam vários criminosos de guerra
e vários nazis convictos. A principal motivação do atentado era negociar o fim
da guerra antes de as vítimas serem suficientemente fortes para a imporem.
Estou a ler comentários na imprensa internacional onde é recordado, por exemplo,
que o líder homenageado por Merkel, Claus von Stauffenberg participou entusiasticamente
na [Wikipedia] "occupation of Poland and its handling by the Nazi regime
and the use of Poles as slave workers to achieve German prosperity, as well as
German colonization and exploitation of Poland". A extrema-direita
alemã está já tv onde nem queremos imaginar...
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta 20.07.2019: continuei a leitura da ficha do principal
homenageado, Claus von Stauffenberg. Estou estarrecido, sugiro que a leiam
voçês (ficha com refs detalhadas na Wikipedia por ex) e depois digam se é o
expoente da Democracia exaltado pelo nome por Merkel neste aniversário. Esdte
revisionismo vai por muito, mesmo muito, mau caminho. Estarrecedor.
TP, Leiria 20.07.2019 23:05: Jonas não perca tempo. Deixe-se ficar pelos States.
Aqui na UE estamos bem com a Merkel!
TP. Leiria 20.07.2019: Mas também não
sei do que é que o Jonas se queixe. Não é você que defende Nazis?
Joao, Portugal 20.07.2019: É
verdade, caro Jonas. De salientar que as
chamadas “democracias ocidentais” sempre conviveram e convivem bem com o
nazismo e os nazis. Desde os milhares de nazis acolhidos no Canadá, ou nos USA
por exemplo, para os fins que bem sabemos, até ao branqueamento hoje do nazismo
e dos nazis com homenagens, evocações, estátuas, nomes de ruas e praças, etc,
por todo o lado desde Kiev, Berlin, Tallin ou Riga, passando pela insistente
recusa em condenar na ONU a propaganda nazi … o nazismo claramente não é um
problema para as “democracias ocidentais”.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta: Tiago, pense nisso com calma. Veja a ficha de
Claus von Stauffenberg com calma antes de se associar a coisas que indeléveis.
Como nota o Mário em cima, Merkel celebrou hoje membros do Estado Maior de
Hitler que queriam negociar um fim que os desculpasse de uma guerra em tinham
já feito dezenas de milhões de vítimas. Pense bem antes de se meter numa coisa
dessas. O nazismo é mais do que um crime hediondo, é uma doença incurável que
apodrece a alma. Não há retorno para uma coisa dessas. Porque reabilita Merkel
esta gente é um cálculo político a que ninguém, absolutamente ninguém, devia
fazer. Absolutamente abominável.
Joao, Portugal: É curioso, esta homenagem e este
branqueamento dos nazis pela Merkel é muito semelhante até nas expressões e nos
termos às homenagens aos massacres nazis de Lviv em 1941 “Lwow Lemberg” que
ocorreram recentemente. Claramente não há para esta gente problema algum de
base com o nazismo ou com os nazis enquanto estes se concentram e restringem ao
que fazem melhor … perseguir e matar comunistas. Analogamente esta gente também
não tem problema de fundo com os terroristas wahabitas enquanto estes se concentrarem
no que fazem melhor … matar os resilientes xiitas, cristãos, etc.
Vieira: Kurt Waldheim, nazi que foi secretário-geral
das nações unidas. A própria igreja católica deu guarida a todos os nazis que
pudesse.
TP, Leiria: Lá por Kurt
Waldheimn ser Austríaco não significa que seja Nazi, Vieira. Qual é a sua necessidade
em discriminar os Austríacos? Ou será que que tem uma veia xenófoba?
TP Leiria: Jonas, não
preciso obviamente dos seus conselhos. Eu sei bem o que pensar. Pense antes
você nas mentiras que profere sobre a UE e sobre as Democracias Europeias.
Olhe-se ao espelho em vez de dar conselhos aos outros. Quando você defende aqui
Bannon e Farage, está a defender o Fascismo. E você sabe bem disso. Quem dorme
com o Fascismo é você, não sou eu! Eu estou de absoluta consciência tranquila.
Gnôthi Sautónn, Europa, Paz e Democracia: Não sei qual é
a Wikipedia que o Jonas Almeida leu, ou com que diabo de estado de espírito a
leu, pois eu também a fui ler e o que acho é que, sem ser perfeito -mas quem o
é? - Stauffenberg foi admirável e pode continuar a ser admirado por quem de um
modo geral se oponha às ditaduras presentes e futuras.
TP. Leiria: Claro que o Jonas não leu a Wikipedia.
Aliás, da Wikipedia o Jonas inventa entusiasticamente, como se conhecesse o
senhor. Sei que não era assim tão velho, Jonas, e que participou na segunda
guerra lutando lado a lado com Nazis para saber isso. O Jonas já reparou o que
seu ódio à UE lhe está a fazer? A
modificar a História ao seu prazer, a inventar coisas que não existem?
Comecamos aqui a achar que você recebe dinheiro para escrever mentiras.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta: Gnôthi
Sautónn, direto da Wikipédia, um dos muitos brilharetes do homem:
"Following the outbreak of war in 1939, Stauffenberg and his regiment took
part in the attack on Poland. He supported the occupation of Poland and its
handling by the Nazi regime and the use of Poles as slave workers to achieve
German prosperity as well as German colonization and exploitation of
Poland." Continuo?
Jonas Almeida. Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta: ... e no fim da
lista o "assessment" de que conviveu com ele: "One of the few
surviving members of the German resistance, Hans Bernd Gisevius portrays
Colonel Stauffenberg, whom he met in July 1944, as a man driven by reasons
which had little to do with Christian ideals or repugnance of Nazi
ideology." etc. Gnôthi, isto é copy/paste da ficha da Wikipédia, vc
devemos uma explicação sobre porque se associa à negação dos factos. Deve
mesmo.
Jonas Almeida,
Stony Brook NY, Marialva Beira Alta20.07.2019: Estas
instrumentalizações da palavra democracia são uma forma de a consumir. Vejamos,
Angela Merkel é a chanceler sem limite de mandatos em 4o mandato e a nomeação
da sua ministra da defesa para presidente do ramo executivo da UE foi
universamente descrita como "opaca" (até por Junker como foi
noticiado no Público). Não faltam vozes da própria Alemanha a descrever estas
manobras como as de uma ditadura, as de um império liberal, que crescentemente
controla um continente desproporcionadamente. Na verdade o que leio nestas
celebrações como importante é o reportado no início do artigo: cito Merkel,
"Há momentos em que a desobediência é obrigatória”. Este é um deles.
TP. Leiria 20.07.2019: Custa-lhe
assim tanto que alguém seja eleito democraticamente Jonas?
II - ANÁLISE : A superioridade da democracia
Hoje, apenas temos uma certeza: a
superioridade não é das culturas ou das civilizações. É dos regimes políticos.
TERESA DE SOUSA PÚBLICO, 21 de Julho de 2019
1.O
determinismo histórico, que decorre do materialismo histórico de Karl Marx,
parecia estar definitivamente enterrado pela própria história do pensamento
universal. Não há um fio condutor que determina o devir histórico e, já agora,
não são as “massas” que fazem a História, como decorre do pensamento do velho
filósofo alemão que escreveu o Manifesto Comunista. A História não tem o seu
caminho predeterminado. Pode ter múltiplos caminhos. Aquele que acaba por acontecer pode depender de
acontecimentos menores, que parecem inicialmente insignificantes, pode depender
de um homem, seja ele um político eleito ou um rei, pode depender por vezes da
revolta de muita ou pouca gente contra a ordem estabelecida, da acumulação de
riqueza nas mãos de uma determinada classe ou até de uma ideia. Tudo isto são
verdades geralmente reconhecidas.
Na
conferência do ECFR que decorreu em Lisboa há cerca de um mês, Carl Bildt,
antigo primeiro-ministro sueco, iniciou a sua intervenção de síntese
dos trabalhos lembrando que foi a partir da decisão do fundador da Dinastia
Ming, no século XIV, de fechar o gigante asiático ao exterior, que se operou
uma reviravolta de proporções gigantescas nos séculos seguintes. Por essa
altura, a China era o “centro” da civilização, com a sua cultura milenar, os seus
navios tecnologicamente tão avançados que lhe davam o domínio dos mares, a sua
organização social e a sua capacidade militar.
Na
mesma altura, no istmo onde termina a grande massa continental asiática, no
país que é o rosto com que a Europa contempla o grande oceano, iniciava-se um
movimento em sentido contrário, de descoberta do mundo que não mais parou nos
séculos seguintes. Porquê aqui? Apetece dizer, como dizia a minha
professora de História do 5.º ano do liceu, que isso se deveu, entre outros
factores, incluindo a geografia e as guerras europeias entre impérios, à
inteligência de um rei visionário: D. João II. D.
Manuel, em cujo reinado se realizaram as grandes descobertas, “tinha miolos de
galinha”, como ela nos explicava enfaticamente. D. João II teve a visão e a
ambição, atraiu e concentrou o conhecimento necessário, encontrou um líder à
altura do empreendimento e abriu a Europa ao mundo, depois de séculos de
obscurantismo medieval.
Nesta
demanda científica e tecnológica, os europeus beneficiaram muitíssimo da
cultura árabe, bem mais avançada em disciplinas como a filosofia ou a
matemática. Isto
também todos sabemos. O Renascimento floresceu nas cidades italianas mais
expostas à influência do Médio Oriente e da Ásia. Galileu foi preso e condenado
por desafiar o cânone do Vaticano. Quando Portugal expulsou os judeus, uma
grande maioria reencontrou a liberdade na Holanda e na Turquia. A Ásia e a
civilização árabe produziram magnificas obras literárias. Ainda hoje produzem.
Hoje sabemos tudo isso, também.
A
colonização de África ou da América Latina – a espada e a cruz – destruíram
grandes civilizações. Não sou daqueles que pensam que as Descobertas são
condenáveis à luz dos valores que hoje defendemos. Foram acontecimentos do seu
tempo que devem ser avaliados de acordo com ele. Colombo merece todas as
estátuas, como o Infante. Entre as duas guerras mundiais que começaram como
guerras fratricidas europeias, países como a Argentina ou até o Brasil eram
mais desenvolvidos que muitas nações da Europa.
2. A
democracia, criada de raiz e destinada a transformar-se na Estátua da
Liberdade, nasceu na América do Norte, terra de refúgio daqueles que fugiam às
perseguições religiosas na Europa. Queriam a liberdade religiosa, construíram
uma sociedade entre iguais. Desde então, a vitalidade da sua democracia e da
liberdade de cada um para prosseguir a sua vida, incluindo a busca da
felicidade, com os seus avanços e retrocessos, é a base indestrutível do poder
da cultura americana no mundo, da sua economia pujante, até hoje capaz de
resistir a todos os modelos que a desafiaram, e da sua extraordinária
capacidade de atracção. O Eldorado é mais um sonho de liberdade do
que uma ambição de riqueza.
O Reino Unido resistiu sozinho à
ocupação nazi de toda a Europa até Pearl Harbour, porque Churchill ofereceu aos
britânicos uma ideia da qual se podiam orgulhar e encontrar forças para
resistir: a ideia de liberdade. O Império também contou para a extraordinária
resistência britânica – o grande visionário era um homem do Império. Foram a
força militar americana e a heróica resistência soviética que acabaram por
derrotar Hitler. Foi Churchill quem demonstrou que ele podia ser derrotado
em nome de um valor maior.
A Alemanha era a maior potência
industrial europeia desde os primórdios do século XX. A República de Weimar foi
o centro intelectual da Europa durante uma década. Hitler criou a mais
sofisticada e poderosa máquina de matar seres humanos que alguma vez a
humanidade contemplou. O Holocausto é, ainda hoje, aquilo que a humanidade não
consegue entender. Foi há menos de oito décadas. Ontem. Produzido pela potência
mais desenvolvida e mais rica da Europa. A guerra provocou 40 milhões de
mortos. O Alto Comissariado para os Refugiados nasceu nos anos 1950 para acudir
aos milhões de refugiados europeus provocados pela II Guerra e pela barbárie do
fascismo e do nazismo. Foi há 70 anos. Ontem.
Hoje,
a Ásia reemerge e volta a abrir-se ao mundo. A China demanda novamente os
mares. Acredita na “superioridade” da sua cultura. O seu avanço tecnológico
decorre a uma velocidade estonteante. Retirou da pobreza centenas de milhões de
pessoas. Bastou uma revolta popular em Hong Kong a
exigir que o Estado de direito e as liberdades sejam preservadas para lá dos
próximos 29 anos, quando termina o período de transição, para deixar o regime
ditatorial de Pequim sem resposta. A fragilidade do sistema politico
chinês já tinha sido exposta em Tiananmen. Hoje o
desafio é muito maior. Pode um regime que nega a liberdade aos seus cidadãos e
que não aceita o “império da lei” desafiar uma economia assente na liberdade
individual dos cidadãos para construírem as suas vidas? Só passaram 40 anos
desde que Deng Xiaoping lançou as suas reformas económicas. Não sabemos. O
futuro não está predeterminado.
Na
Europa e na América, as democracias liberais estão a ser postas à prova. Os
europeus não têm, por estes dias, muito de que se orgulhar. Denunciam Donald
Trump, aliás como muitos americanos, revoltam-se contra as imagens
profundamente tristes de um pai protegendo uma filha, ambos mortos na margem norte do Rio Grande,
sem lembrarem que o Mediterrâneo é, desde 2015, o cemitério de 14 mil
imigrantes – é este o cálculo possível. A União Europeia paga à Turquia e à
Líbia milhares de milhões de euros para manter imigrantes e refugiados nos seus
países, em campos de internamento que têm, como todos sabemos, condições
infra-humanas. Estamos sempre prontos a denunciar os campos de internamento
junto à fronteira norte-americana com o México. Fazemos bem. O Presidente
americano não é um fenómeno bizarro que há-de desaparecer um dia, quanto mais
depressa melhor. É o resultado de uma escolha da sociedade americana e de um caminho
que levou até ela. Não difere muito do que se passa na Europa. Tempos sombrios
pesam hoje sobre nós e ensombram o nosso futuro, se não reagirmos a tempo.
Hoje, apenas temos uma certeza – ou
melhor, uma convicção com um elevado grau de confirmação empírica: a
superioridade não é das culturas ou das civilizações. É dos regimes políticos.
Com todos os seus defeitos, como dizia Churchill, a democracia liberal é
superior a todos os outros. Mas está ao alcance de todos os povos. Não está
garantida para nenhum.
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