domingo, 21 de julho de 2019

Conhecem-se uns aos outros

A propósito de uma homenagem de Angela Merkel a gente que, em tempos perversos se quis opor a um regime de absoluto horror, comentadores de opostas facções entraram em despique escrito que me fui entretendo a ler com espanto, no retrato de um mundo hodierno em que alguns se conhecem bem nas ideologias que os separam. Por isso me entretive a copiá-los, como actores de comédia que separa uns e outros e que não passa disso mesmo – disputas, apesar de tudo, suficientemente educadas e esclarecedoras sobre o mundo que nos vai, na inconsciência do mundo que nos espera.
E depois da diversão, voltei docilmente a terreno mais conhecido – o que Teresa de Sousa nos vai comunicando, com saber e clareza, em revisão da História.
I - Em homenagem aos autores do atentado contra Hitler, Merkel apela à luta contra a extrema-direita
“Há momentos em que a desobediência é obrigatória”, disse a chanceler sublinhando que hoje é preciso fazer oposição aos que “procuram destruir a democracia”.
Merkel assinalou os 75 anos da conspiração para matar Hitler
 FELIPE TRUEBA/EPA    PÚBLICO , 20 de Julho de 2019
A chanceler alemã, Angela Merkel, apelou à luta contra a progressão da extrema-direita na cerimónia que neste sábado assinalou o 75.º aniversário da Operação Valquíria, a conspiração para assassinar Adolf Hitler. “O dia 20 de Julho de 1944 deve lembrar-nos aqueles que agiram, mas também todos os que se ergueram contra o domínio nazi”, disse. “E de igual forma somos hoje obrigados a opor-nos às tendências que procuram destruir a nossa democracia. O que inclui a extrema-direita”.
O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha tornou-se, em Maio, o maior partido da oposição. E nos últimos três anos os ataques com motivações racistas e anti-imigração aumentaram, incluindo o assassínio de um político, Walter Lübcke, em Kassel, crime que a polícia suspeita ter sido cometido por neo-nazis.
Segundo os números do Governo alemão, há 240 mil pessoas de extrema-direita no país e estima-se que 13 mil deles sejam violentos.
Merkel disse que “há momentos em que a desobediência é obrigatória”, ao lembrar a importância de preservar na memória os protagonistas da Operação Valquíria para que “as lições da História não desapareçam”.
A chanceler agradeceu ao oficial alemão Claus von Stauffenberg que, com outros conspiradores, tentou matar Hitler em 1944, com um explosivo escondido numa mala que levou para dentro de uma reunião no quartel-general do führer, perto de Rastenburg, agora no território da Polónia.
O coronel de 36 anos Claus von Stauffenberg e cerca de 200 co-conspiradores foram detidos e executados.
“Foram soldados modelos que se levantaram contra a tirania”, disse na cerimónia a ministra alemã da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, que assumiu a pasta esta semana após a eleição de Ursula Von der Leyen para a presidência da Comissão Europeia.
COMENTÁRIOS
TP Leiria 20.07.2019: Um grande discurso de Merkel. É para isto também que serve a UE, para prevenir extremistas, quer da extrema direita quer da esquerda e até alguns que vivem nos States. Esses que poluem aqui o forum são os piores!
Vieira: Os extremistas do centro como o sr destroem mais a UE do que todos os outros juntos. A UE não pode servir os interesses de alguns países em detrimento dos outros todos que é o que se passa actualmente. Aliás a sua última frase acaba por ser uma confissão do seu extremismo com laivos de fascismo. O sr. tem uma grande dificuldade para aceitar a critica e recorre sistematicamente ao insulto.
TP. Leiria: A UE serve sempre os interesses de todos os países. Quem não vê isso, só pode ser míope ou cego! Eu não tenho dificuldade nenhuma em aceitar a crítica, aliás é por a aceitar que contra argumento e respondo. Quem se põe a jeito, tem de ouvir as verdades não é assim, Vieira? E pode ter a certeza que estou de consciência tranquila. Eu sei que quem quer destruir a UE e o bem-estar dos Europeus são as pessoas como o Vieira. Não são os pró UE como eu!
Ceratioidei Oceanos 20.07.2019: Angela Merkel fez um excelente discurso. A luta contra extremistas nunca acaba, é contínua, requer carácter e muita, muita, ainda mais, força de vontade. É uma luta desigual, pois os fascistas escondem-se em qualquer buraco. A saúde ressente-se, quando se ousa criticá-los e combatê-los. É preciso muita energia e convicção. Mas vale a pena, vale sempre a pena, porque a alma não é pequena, e os nossos descendentes merecem o esforço. Sempre foi assim e continuará a ser. Ainda bem.
mário borges, 20.07.2019: Convém lembrar que o atentado contra o Hitler foi levado a cabo por nazis... Que faziam parte do seu Estado Maior General... Mas se a Merkel acha que devem ser homenageados nazis...
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 20.07.2019: Como diz Mário, mais sobre isso em baixo, absolutamente estarrecedor!!! O tal Claus von Stauffenberg que Merkel homenageia pelo nome advogava a escravização "mas não o extermínio imediato" das populações autóctones dos territórios ocupados. E não se ficou pelas palavras - foi-lhe confiado isso mesmo na Polónia cuja ocupação liderou. Não nos sabia já no descarado revisionismo histórico pelos donos da UE. Afinal o seu desenho é essencialmente o de Walter Funk, se calhar não devia estar assim tão espantado :-(. A acusação tb não é nova, Boris Johnson, o provável próximo primeiro ministro do UK já o disse em público mais de uma vez. Isto passou dos limites.
TP Leiria 20.07.2019: Jona, o que Boris diz não se escreve. O que é que passou dos limites? Os disparates e as mentiras que escreve? Isso já passou dos limites há anos. Desde que a UE deixou de financiar os seus projectos falhados, para ser mais exacto. Continuar a dizer que a UE se baseia em Walter Funk, é mesmo ter um mau carácter e uma ignorância desmedida. Custa mesmo a acreditar que você seja académico. Um académico não dizia tais disparates.
Tiago Vasconcelos, Amsterdam 20.07.2019: Merkel ainda não entendeu. A melhor forma de lutar contra a extrema-direita é deixar de dar-lhes razões para crescerem -- o que o seu governo tem feito desde 2015.
Beep Beep, Slough- UK 20.07.2019: Nao se combate a extrema-direita adoptando políticas de extrema-direita
Lars Arens, Lisboa 20.07.2019: O Tiago quer dizer: a melhor forma para prevenir a ascensão de partidos novos da extrema direita é os partidos do centro e da direita fazerem política de extrema direita. Não, obrigado.
mariavazneves, 20.07.2019: Tiago Vasconcelos. Concordo. Ela ainda não entendeu bem o que se está a passar...
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta20.07.2019: “Foram soldados modelos que se levantaram contra a tirania”, cito a nova min. defesa alemã. Isto é um exagero que os historiadores não deixaram de notar - estes 200 oficiais incluíam vários criminosos de guerra e vários nazis convictos. A principal motivação do atentado era negociar o fim da guerra antes de as vítimas serem suficientemente fortes para a imporem. Estou a ler comentários na imprensa internacional onde é recordado, por exemplo, que o líder homenageado por Merkel, Claus von Stauffenberg participou entusiasticamente na [Wikipedia] "occupation of Poland and its handling by the Nazi regime and the use of Poles as slave workers to achieve German prosperity, as well as German colonization and exploitation of Poland". A extrema-direita alemã está já tv onde nem queremos imaginar...
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 20.07.2019:  continuei a leitura da ficha do principal homenageado, Claus von Stauffenberg. Estou estarrecido, sugiro que a leiam voçês (ficha com refs detalhadas na Wikipedia por ex) e depois digam se é o expoente da Democracia exaltado pelo nome por Merkel neste aniversário. Esdte revisionismo vai por muito, mesmo muito, mau caminho. Estarrecedor.
TP, Leiria 20.07.2019 23:05: Jonas não perca tempo. Deixe-se ficar pelos States. Aqui na UE estamos bem com a Merkel!
TP. Leiria 20.07.2019: Mas também não sei do que é que o Jonas se queixe. Não é você que defende Nazis?
Joao, Portugal 20.07.2019: É verdade,  caro Jonas. De salientar que as chamadas “democracias ocidentais” sempre conviveram e convivem bem com o nazismo e os nazis. Desde os milhares de nazis acolhidos no Canadá, ou nos USA por exemplo, para os fins que bem sabemos, até ao branqueamento hoje do nazismo e dos nazis com homenagens, evocações, estátuas, nomes de ruas e praças, etc, por todo o lado desde Kiev, Berlin, Tallin ou Riga, passando pela insistente recusa em condenar na ONU a propaganda nazi … o nazismo claramente não é um problema para as “democracias ocidentais”.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta: Tiago, pense nisso com calma. Veja a ficha de Claus von Stauffenberg com calma antes de se associar a coisas que indeléveis. Como nota o Mário em cima, Merkel celebrou hoje membros do Estado Maior de Hitler que queriam negociar um fim que os desculpasse de uma guerra em tinham já feito dezenas de milhões de vítimas. Pense bem antes de se meter numa coisa dessas. O nazismo é mais do que um crime hediondo, é uma doença incurável que apodrece a alma. Não há retorno para uma coisa dessas. Porque reabilita Merkel esta gente é um cálculo político a que ninguém, absolutamente ninguém, devia fazer. Absolutamente abominável.
Joao, Portugal:  É curioso, esta homenagem e este branqueamento dos nazis pela Merkel é muito semelhante até nas expressões e nos termos às homenagens aos massacres nazis de Lviv em 1941 “Lwow Lemberg” que ocorreram recentemente. Claramente não há para esta gente problema algum de base com o nazismo ou com os nazis enquanto estes se concentram e restringem ao que fazem melhor … perseguir e matar comunistas. Analogamente esta gente também não tem problema de fundo com os terroristas wahabitas enquanto estes se concentrarem no que fazem melhor … matar os resilientes xiitas, cristãos, etc.
Vieira: Kurt Waldheim, nazi que foi secretário-geral das nações unidas. A própria igreja católica deu guarida a todos os nazis que pudesse.
TP, Leiria: Lá por Kurt Waldheimn ser Austríaco não significa que seja Nazi, Vieira. Qual é a sua necessidade em discriminar os Austríacos? Ou será que que tem uma veia xenófoba?
TP Leiria: Jonas, não preciso obviamente dos seus conselhos. Eu sei bem o que pensar. Pense antes você nas mentiras que profere sobre a UE e sobre as Democracias Europeias. Olhe-se ao espelho em vez de dar conselhos aos outros. Quando você defende aqui Bannon e Farage, está a defender o Fascismo. E você sabe bem disso. Quem dorme com o Fascismo é você, não sou eu! Eu estou de absoluta consciência tranquila.
Gnôthi Sautónn, Europa, Paz e Democracia: Não sei qual é a Wikipedia que o Jonas Almeida leu, ou com que diabo de estado de espírito a leu, pois eu também a fui ler e o que acho é que, sem ser perfeito -mas quem o é? - Stauffenberg foi admirável e pode continuar a ser admirado por quem de um modo geral se oponha às ditaduras presentes e futuras.
TP.  Leiria:  Claro que o Jonas não leu a Wikipedia. Aliás, da Wikipedia o Jonas inventa entusiasticamente, como se conhecesse o senhor. Sei que não era assim tão velho, Jonas, e que participou na segunda guerra lutando lado a lado com Nazis para saber isso. O Jonas já reparou o que seu ódio  à UE lhe está a fazer? A modificar a História ao seu prazer, a inventar coisas que não existem? Comecamos aqui a achar que você recebe dinheiro para escrever mentiras.
TP Leiria: De facto o que é estarrecedor é a ignorância extrema do Jonas, isso sim.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta:  Gnôthi Sautónn, direto da Wikipédia, um dos muitos brilharetes do homem: "Following the outbreak of war in 1939, Stauffenberg and his regiment took part in the attack on Poland. He supported the occupation of Poland and its handling by the Nazi regime and the use of Poles as slave workers to achieve German prosperity as well as German colonization and exploitation of Poland." Continuo?
Jonas Almeida. Stony Brook NY, Marialva Beira Alta:  ... e no fim da lista o "assessment" de que conviveu com ele: "One of the few surviving members of the German resistance, Hans Bernd Gisevius portrays Colonel Stauffenberg, whom he met in July 1944, as a man driven by reasons which had little to do with Christian ideals or repugnance of Nazi ideology." etc. Gnôthi, isto é copy/paste da ficha da Wikipédia, vc devemos uma explicação sobre porque se associa à negação dos factos. Deve mesmo.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta20.07.2019: Estas instrumentalizações da palavra democracia são uma forma de a consumir. Vejamos, Angela Merkel é a chanceler sem limite de mandatos em 4o mandato e a nomeação da sua ministra da defesa para presidente do ramo executivo da UE foi universamente descrita como "opaca" (até por Junker como foi noticiado no Público). Não faltam vozes da própria Alemanha a descrever estas manobras como as de uma ditadura, as de um império liberal, que crescentemente controla um continente desproporcionadamente. Na verdade o que leio nestas celebrações como importante é o reportado no início do artigo: cito Merkel, "Há momentos em que a desobediência é obrigatória”. Este é um deles.
TP. Leiria 20.07.2019: Custa-lhe assim tanto que alguém seja eleito democraticamente Jonas?
II - ANÁLISE : A superioridade da democracia
Hoje, apenas temos uma certeza: a superioridade não é das culturas ou das civilizações. É dos regimes políticos.
TERESA DE SOUSA   PÚBLICO, 21 de Julho de 2019
1.O determinismo histórico, que decorre do materialismo histórico de Karl Marx, parecia estar definitivamente enterrado pela própria história do pensamento universal. Não há um fio condutor que determina o devir histórico e, já agora, não são as “massas” que fazem a História, como decorre do pensamento do velho filósofo alemão que escreveu o Manifesto Comunista. A História não tem o seu caminho predeterminado. Pode ter múltiplos caminhos. Aquele que acaba por acontecer pode depender de acontecimentos menores, que parecem inicialmente insignificantes, pode depender de um homem, seja ele um político eleito ou um rei, pode depender por vezes da revolta de muita ou pouca gente contra a ordem estabelecida, da acumulação de riqueza nas mãos de uma determinada classe ou até de uma ideia. Tudo isto são verdades geralmente reconhecidas.
Na conferência do ECFR que decorreu em Lisboa há cerca de um mês, Carl Bildt, antigo primeiro-ministro sueco, iniciou a sua intervenção de síntese dos trabalhos lembrando que foi a partir da decisão do fundador da Dinastia Ming, no século XIV, de fechar o gigante asiático ao exterior, que se operou uma reviravolta de proporções gigantescas nos séculos seguintes. Por essa altura, a China era o “centro” da civilização, com a sua cultura milenar, os seus navios tecnologicamente tão avançados que lhe davam o domínio dos mares, a sua organização social e a sua capacidade militar.
Na mesma altura, no istmo onde termina a grande massa continental asiática, no país que é o rosto com que a Europa contempla o grande oceano, iniciava-se um movimento em sentido contrário, de descoberta do mundo que não mais parou nos séculos seguintes. Porquê aqui? Apetece dizer, como dizia a minha professora de História do 5.º ano do liceu, que isso se deveu, entre outros factores, incluindo a geografia e as guerras europeias entre impérios, à inteligência de um rei visionário: D. João II. D. Manuel, em cujo reinado se realizaram as grandes descobertas, “tinha miolos de galinha”, como ela nos explicava enfaticamente. D. João II teve a visão e a ambição, atraiu e concentrou o conhecimento necessário, encontrou um líder à altura do empreendimento e abriu a Europa ao mundo, depois de séculos de obscurantismo medieval.
Nesta demanda científica e tecnológica, os europeus beneficiaram muitíssimo da cultura árabe, bem mais avançada em disciplinas como a filosofia ou a matemática. Isto também todos sabemos. O Renascimento floresceu nas cidades italianas mais expostas à influência do Médio Oriente e da Ásia. Galileu foi preso e condenado por desafiar o cânone do Vaticano. Quando Portugal expulsou os judeus, uma grande maioria reencontrou a liberdade na Holanda e na Turquia. A Ásia e a civilização árabe produziram magnificas obras literárias. Ainda hoje produzem. Hoje sabemos tudo isso, também.
A colonização de África ou da América Latina – a espada e a cruz – destruíram grandes civilizações. Não sou daqueles que pensam que as Descobertas são condenáveis à luz dos valores que hoje defendemos. Foram acontecimentos do seu tempo que devem ser avaliados de acordo com ele. Colombo merece todas as estátuas, como o Infante. Entre as duas guerras mundiais que começaram como guerras fratricidas europeias, países como a Argentina ou até o Brasil eram mais desenvolvidos que muitas nações da Europa.
2. A democracia, criada de raiz e destinada a transformar-se na Estátua da Liberdade, nasceu na América do Norte, terra de refúgio daqueles que fugiam às perseguições religiosas na Europa. Queriam a liberdade religiosa, construíram uma sociedade entre iguais. Desde então, a vitalidade da sua democracia e da liberdade de cada um para prosseguir a sua vida, incluindo a busca da felicidade, com os seus avanços e retrocessos, é a base indestrutível do poder da cultura americana no mundo, da sua economia pujante, até hoje capaz de resistir a todos os modelos que a desafiaram, e da sua extraordinária capacidade de atracção. O Eldorado é mais um sonho de liberdade do que uma ambição de riqueza.
O Reino Unido resistiu sozinho à ocupação nazi de toda a Europa até Pearl Harbour, porque Churchill ofereceu aos britânicos uma ideia da qual se podiam orgulhar e encontrar forças para resistir: a ideia de liberdade. O Império também contou para a extraordinária resistência britânica – o grande visionário era um homem do Império. Foram a força militar americana e a heróica resistência soviética que acabaram por derrotar Hitler. Foi Churchill quem demonstrou que ele podia ser derrotado em nome de um valor maior.
A Alemanha era a maior potência industrial europeia desde os primórdios do século XX. A República de Weimar foi o centro intelectual da Europa durante uma década. Hitler criou a mais sofisticada e poderosa máquina de matar seres humanos que alguma vez a humanidade contemplou. O Holocausto é, ainda hoje, aquilo que a humanidade não consegue entender. Foi há menos de oito décadas. Ontem. Produzido pela potência mais desenvolvida e mais rica da Europa. A guerra provocou 40 milhões de mortos. O Alto Comissariado para os Refugiados nasceu nos anos 1950 para acudir aos milhões de refugiados europeus provocados pela II Guerra e pela barbárie do fascismo e do nazismo. Foi há 70 anos. Ontem.
Hoje, a Ásia reemerge e volta a abrir-se ao mundo. A China demanda novamente os mares. Acredita na “superioridade” da sua cultura. O seu avanço tecnológico decorre a uma velocidade estonteante. Retirou da pobreza centenas de milhões de pessoas. Bastou uma revolta popular em Hong Kong a exigir que o Estado de direito e as liberdades sejam preservadas para lá dos próximos 29 anos, quando termina o período de transição, para deixar o regime ditatorial de Pequim sem resposta. A fragilidade do sistema politico chinês já tinha sido exposta em Tiananmen. Hoje o desafio é muito maior. Pode um regime que nega a liberdade aos seus cidadãos e que não aceita o “império da lei” desafiar uma economia assente na liberdade individual dos cidadãos para construírem as suas vidas? Só passaram 40 anos desde que Deng Xiaoping lançou as suas reformas económicas. Não sabemos. O futuro não está predeterminado.
Na Europa e na América, as democracias liberais estão a ser postas à prova. Os europeus não têm, por estes dias, muito de que se orgulhar. Denunciam Donald Trump, aliás como muitos americanos, revoltam-se contra as imagens profundamente tristes de um pai protegendo uma filha, ambos mortos na margem norte do Rio Grande, sem lembrarem que o Mediterrâneo é, desde 2015, o cemitério de 14 mil imigrantes – é este o cálculo possível. A União Europeia paga à Turquia e à Líbia milhares de milhões de euros para manter imigrantes e refugiados nos seus países, em campos de internamento que têm, como todos sabemos, condições infra-humanas. Estamos sempre prontos a denunciar os campos de internamento junto à fronteira norte-americana com o México. Fazemos bem. O Presidente americano não é um fenómeno bizarro que há-de desaparecer um dia, quanto mais depressa melhor. É o resultado de uma escolha da sociedade americana e de um caminho que levou até ela. Não difere muito do que se passa na Europa. Tempos sombrios pesam hoje sobre nós e ensombram o nosso futuro, se não reagirmos a tempo.
Hoje, apenas temos uma certeza – ou melhor, uma convicção com um elevado grau de confirmação empírica: a superioridade não é das culturas ou das civilizações. É dos regimes políticos. Com todos os seus defeitos, como dizia Churchill, a democracia liberal é superior a todos os outros. Mas está ao alcance de todos os povos. Não está garantida para nenhum.

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