Ainda que tais escolhas governativas passem
por jeitos caricaturais, de farsa, que muitos apreciam, numa retoma orgulhosa e
provocadora de um status antigo. GABRIEL MITHÁ RIBEIRO,
em artigo do OBSERVADOR, colocado ontem neste blog -“Uma crónica às direitas” – explicou o facto - da eleição de Donald Trump primeiro, de Boris Johnson agora, ambos fortemente apalhaçados mas amantes dos
seus países nas antigas tradições - o que aos muitos nacionalismos convém, na
tentativa de obstáculo à sobrecarga invasora de outros continentes, menos
abonados de pão e de paz, a um Ocidente que uma aparente democracia transformou
em receptáculo de povos infelizes. A Europa sendo, aliás, a responsável
doutrinária que fez desequilibrar a constituição do mundo - com a unilateral nobreza
de ideais, escorraçadora de povos que há muito ajudavam ao desenvolvimento
desses que, desapoiados nas suas terras, vão fugindo agora em busca do pão e da
paz – a Europa democrática sentindo-se na obrigação cristã de acolher os tais,
para cuja desgraça contribuiu. As cabeças louras dos chefes que contra isso
protestam, iniciam uma mudança refractária ao status da União Democrática.
Impasses sem fim à vista, afirma MANUEL VILLAVERDE CABRAL.
A nós,
convém-nos a U E telle quelle, e a
sua côdea.
Impasses sem fim à vista /premium
Os
impasses político-ideológicos no Reino Unido e em Espanha acabarão por ter
consequências negativas para nós, quanto mais não seja no pleno dos
desequilíbrios económicos que arrastarão.
Hoje
mesmo estão a acumular-se novos impasses internacionais sem fim à vista. É
possível que não tenham nada que ver connosco mas a verdade é que atingem os
dois países com os quais Portugal tem relações políticas mais antigas – o Reino
Unido e a Espanha – e é certo que estes impasses político-ideológicos
acabarão por ter consequências negativas para nós, quanto mais não seja no
pleno dos desequilíbrios económicos que arrastarão, quer do ponto de vista das
trocas comerciais como do investimento.
Como
era de esperar, em Inglaterra – mais do que no conjunto de um reino desunido
pela questão europeia – o reaccionarismo presuntuoso do velho Partido
Conservador elegeu para primeiro-ministro um personagem só comparável a Donald
Trump pela arrogância e falta de perspectivas acerca do futuro que está a ser
construído neste momento no mundo inteiro. Como é óbvio, estou a falar de Boris
Johnson – o auto-proclamado femeeiro que usa o cabelo despenteado e pintado
de amarelo, tal como Trump! Não se pode considerar muito democrático que
dois-terços dos 140.000 votantes «conservadores» tenham colocado Johnson no
poder, arriscando um país inteiro a submeter-se à inconsciência do personagem.
Os pouco mais de 90 mil votos que teve são, proporcionalmente, bastante menos
do que António Costa teve nas «directas» do PS e até do que Rui Rio,
imagine-se! E são esses 90 mil teimosos em 45 milhões de eleitores que
pretendem e talvez consigam decidir os destinos do Reino Unido e assim afectar
a própria UE!
Em
compensação, ainda pode ser que alguém, incluindo em Bruxelas, mantenha
a mão estendida aos fanáticos do «brexit» a fim de encontrar uma saída ou,
melhor ainda, uma negociação prolongada que obrigue a novas eleições e estas
tragam a queda dos Conservadores. Os Trabalhistas, apesar de o líder e
muitos dos seus seguidores não serem mais abertos ao mundo exterior do que os
«tories», parecem ter percebido que poderiam ganhar as próximas eleições e
fazer novo referendo sobre a pertença à UE que alterasse o resultado anterior.
Em suma, nada está ainda totalmente decidido, mas o mal já está feito e levará
muito tempo a sarar.
Pelo
seu lado, o caso espanhol também não contribui para a paz de espírito
dos eleitores espanhóis nem do resto dos europeus. Após meses de equilibrismo
consentidos pela Constituição ao ambicioso líder do Partido Socialista
(PSOE), Pedro Sánchez, que está longe de ter a maioria, encontra-se neste
preciso momento no limite das concessões a um aliado tão pouco recomendável –
pela falta de palavra e de objectivos claros – como são os populistas do
Podemos. De resto, estes não têm votos para garantir uma coligação
maioritária.
A
primeira tentativa de fazer passar um governo já falhou. Qualquer outra, neste
momento, obrigará Sánchez, que tem mais ânsia de poder do que ideias novas e
viáveis, a engolir o «homem do rabo-de-cavalo» (os penteados estão
decididamente na moda)! Pablo Iglésias, que vive do mesmo nome que tinha o
fundador do PSOE, ganhou entretanto o hábito de se fazer representar pela
esposa no parlamento e no governo putativo, enquanto ele fica na vivenda
familiar a tomar conta das filhas (as vidas particulares e o «sex-appeal» são
outros dos ingredientes desta lamentável «pós-política»)!
Dito
isto, mesmo com os votos de Podemos (42 a juntar aos 123 do PSOE), este
casamento de conveniência não chega à maioria (176). Precisa de mais 11
abstenções que só podem vir dos «regionalistas» mas, em princípio, Sánchez
não deveria aceitar o apoio dos nacionalistas catalães pois isso pode fazer-lhe
perder votos no futuro. A Esquerda Catalã tem 15 votos que chegariam para
eleger a coligação mas Sánchez receia. O Podemos não tem nada a perder; só a
ganhar, sobretudo «agitação e propaganda», como cá.
Se
se tratasse só da fragmentação partidária da representação parlamentar, como
tende a ocorrer cada vez mais em toda a parte, a dificuldade resolver-se-ia de
modo «geringoncial», como o PSOE e o Podemos estão aliás a tentar. Porém, a
Espanha não é Portugal: não só houve uma guerra civil, que parece ter ocorrido
há muito tempo mas que tem sido ressuscitada nos últimos anos – primeiro pela
Esquerda e depois pela Direita – e as feridas reabriram-se. Neste momento,
essas feridas do passado são difíceis de voltar a meter na gaveta onde estavam
guardadas.
Ora, a Espanha é de longe o maior
parceiro económico de Portugal, representando um terço das nossas importações e
25% das exportações, sendo os investimentos mútuos 45 mil milhões de euros. A
fragmentação e a instabilidade política, exacerbadas pelo grau de
conflitualidade ideológica ressuscitada do passado, fazem pois com que Portugal
seja o primeiro país a sofrer as consequências dos impasses espanhóis a
acrescentar aos britânicos e, por tabela, aos próprios impasses europeus!
COMENTÁRIO
Passos, O Senhor 24%: Os mercados
estão a antecipar uma moção de censura de Corbyn a Boris e por isso fecharam
hoje em alta. Os preços subiram tanto nos activos financeiros de renda fixa
como nos de renda variável. Quanto a Espanha é preciso esperar mais uns
dias.
II - EDITORIAL
Os deploráveis
Hoje serão mais aqueles que olham para o
bobo que Boris não tem problemas em ser, do que para o que significa um homem
com as suas ideias e características chegar ao comando de um país como a
Grã-Bretanha.
PÚBLICO, 24 de Julho de 2019
Foi
um erro da campanha de Hillary Clinton, assumiu
ela mais tarde no seu livro O que aconteceu: “Estou
arrependida de ter dado uma prenda a Trump com o meu comentário sobre os
‘deploráveis’. Mas muitos apoiantes de Trump têm mesmo opiniões que eu
considero ser – e não há outra palavra para o descrever – deploráveis.”
Hillary
arrependeu-se e muitos criticaram a classificação por achar que ela reflectia a
sobranceria de uma elite, que olhava para as opiniões racistas, sexistas e
nacionalistas das plateias de Trump e as classificava de “deploráveis”. Talvez tenham tido razão, mas não custa pensar que
ela provavelmente utilizaria o mesmo qualificativo para caracterizar alguém
que a descreveu como “uma enfermeira sádica num hospital psiquiátrico”, que
acha que as mulheres árabes se vestem como “caixas postais”, que a União
Europeia impede a venda de bananas “com curvaturas anormais” ou que sendo legal
o casamento de homossexuais não há razão para não consagrar uma união “entre
três homens e um cão”. O “deplorável” autor destas, e de muitas mais
afirmações controversas, é Boris Johnson, eleito
ontem líder dos conservadores britânicos e concomitantemente
primeiro-ministro da Grã Bretanha. E
de facto não é muito difícil metê-lo no mesmo cesto do presidente
norte-americano, pelo seu
perfil de polémico, por ter sido uma figura muito ligada aos media, mas muito especialmente por ter personificado, na
campanha do “Brexit”, as forças mais conservadoras do seu país e a ideia de que
existe uma mítica Grã-Bretanha que é possível recuperar e com ela enfrentar as
pulsões da globalização. O mesmo mix de nacionalismo nostálgico dos dois lados do
Atlântico.
No
“deploráveis” de Hillary havia de facto esse gesto de desprezo que atendia mais
ao carácter pouco qualificado da maior parte das opiniões dos seguidores de
Trump do que à sua periculosidade. Da mesma forma que hoje serão mais aqueles
que olham para o bobo que Boris não tem problemas em ser, do que para o
que significa um homem com as suas ideias e características chegar ao
comando de um país como a Grã-Bretanha.
Talvez
também tenhamos que percorrer com Boris, a escala de consciencialização que
muitos percorreram com Trump, do razoavelmente absurdo “locker up”
[“prendam-na”] dedicado a Hillary nas manifestações eleitorais, até aos berros
racistas de “send her back” [mandem-na de volta] dirigidos às congressistas
norte-americanas de cor, na última manifestação presidencial. A experiência já
nos devia ter ensinado que há muito poucas razões para rir e sobram imensas
para levar a sério os “deploráveis”.
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