terça-feira, 30 de julho de 2019

Retoma de um tema



De que se não tem falado. Não sei se é boa ideia pegar no assunto da regionalização, grato aos paladares de uma esquerda amante de reduções pátrias. Mais um assunto do nosso sentimento de horrores que por aqui vão perpassando, sem perspectiva de inversão, na destruição primeira do solo pátrio e de uma alma nacional para os vindouros, cada vez mais incapacitados de assumir uma determinação de mudança, pelo esforço próprio, que paulatinamente vai desaparecendo, na obsessão feita de idiotia, por uma caixinha manual, centro de todos os valores e afectos desses vindouros, ainda inocentes da insegurança futura. E aqui vamos nós, fechando os olhos ao nosso “salve-se quem puder”, num país sem rei nem roque. E sem garbo.
OPINIÃO:  Descentralização, uma reforma perdida
A regionalização não parece estimular o aumento de cuidadores, médicos, enfermeiros, professores e educadores, mas amplia certamente o número de burocratas e administradores.
ANTÓNIO BARRETO   PÚBLICO, 28 de Julho de 2019,
Embora tenha sido apresentada quase em fim de legislatura, a descentralização deveria ser uma grande causa e não menor realização deste governo. Mas as coisas não começaram bem. Era tarde demais. Os outros partidos da aliança de esquerdas não estavam ao corrente e queriam mais. O maior partido da oposição, o PSD, também não estava muito pelos ajustes. A reforma ficou logo marcada pela intenção escondida de regionalização. Os trabalhos preparatórios continuam, uns já conhecidos, outros em curso e com entrega adiada. O que até agora mais merece atenção é o facto de o governo, António Costa e Eduardo Cabrita terem alterado a sua estratégia: deixou de ser brutal e para ser gradual. Passou sobretudo, nas suas cabeças, a ser furtiva, como, há muitas décadas, queriam Robert Schuman e Jean Monnet para a Comunidade Europeia.
A regionalização fica pois adiada para a próxima legislatura. Logo se verá. A Constituição impõe um referendo, o que os seus defensores receiam. O Presidente Marcelo era, em seu tempo, contra. Rui Rio já foi contra e depois a favor. Os pequenos partidos da esquerda são a favor, o Bloco mais ou menos, o PCP muito. O PS já foi contra e defensor, agora é moderadamente a favor. No seu programa eleitoral, os socialistas querem descentralizar, mas evitam o termo regionalizar. Na verdade, querem exibir uma virtude, mas não pagar o preço.
Um estudo da cartografia portuguesa dos últimos dois séculos é revelador. As divisões em distritos ou províncias foram as mais variadas. Nos escritórios, fizeram-se e desfizeram-se entidades regionais a bel-prazer. Com esquadro, como em tempos, para desenhar impérios em África, se fazia em Berlim ou Paris. A região do Douro, por exemplo, já teve uma dúzia de configurações diferentes, já incluiu o vale do rio, a bacia hidrográfica, o Minho, Trás-os-Montes, parte da Beira Alta, o Douro Litoral, só o Alto Douro, com e sem Trás-os-Montes, até a Beira Litoral esteve incluída! A história cartográfica define bem o espírito que presidiu aos recortes: a estratégia política.
E é curioso notar que praticamente todos os partidos já defenderam a descentralização, mas, no Governo ou no Parlamento, pouco fizeram. Muito do que os próprios partidos reclamam, assim como os autarcas, os agentes económicos e os cidadãos, já poderia ter sido concretizado há décadas, caso houvesse empenho na causa. Fica-se com a impressão de que esta promessa é uma profissão de fé, cujo cumprimento pode ser eternamente adiado.
No nosso país centralizado e “macrocéfalo”, como se dizia antigamente, a descentralização é provavelmente útil, mas teria de ser feita primordialmente para as câmaras municipais e as freguesias, entidades com história e identidade. E com funções reais nas comunidades. Também deveria ser feita em benefício das instituições públicas como as escolas, as universidades, os hospitais, os centros de saúde e tantas outras repartições. A vantagem da descentralização é que não implica transferência de poderes para entidades híbridas, criadas artificialmente, com eleitos, representantes e nomeados. Com excepção dos Açores e da Madeira, em Portugal não há regiões. História, tradição, identidade e reconhecimento: sem esses requisitos, não há regiões. O que é uma região Centro, como é proposto? E uma região Norte?
As tendências actuais de reforma administrativa visam reforçar as regiões e a União Europeia, esbatendo os poderes dos governos nacionais e reduzindo as competências das autarquias locais. São tendências anti-democráticas. A democracia está a ser apertada por uma tenaz, cujas lâminas são a União e a Região. Quase todos os dispositivos de financiamento pela União Europeia estão orientados para regiões. O mercado da solidariedade regional é hoje um dos mais florescentes. A regionalização compra-se a peso de ouro.
Não está demonstrado que a regionalização seja um instrumento de desenvolvimento. Os Açores e a Madeira foram casos excepcionais e não replicáveis. Nunca foi provado que a regionalização seja meio de desenvolvimento do interior e de fixação da população. O mapa das regiões pobres na Europa, com raríssimas excepções, é hoje o mesmo de há décadas. Se a regionalização fosse um meio privilegiado de desenvolvimento, não se compreende que a Região Norte junte o Douro litoral desenvolvido a Trás-os-Montes e Alto Douro subdesenvolvido! Nem se explica a existência de uma Região Centro, com a junção da Beira Litoral à Beira Alta ou Beira Interior. Em Portugal não há outros Açores nem mais Madeiras.
Está por provar que as autonomias sejam trunfos para reforçar a coesão e lutar contra a desigualdade. As regiões mais ricas, muitas vezes, desejam a autonomia, justamente para não ter de pagar o ónus da solidariedade. Existe um regionalismo dos ricos. Não é verdade que a regionalização seja uma reivindicação das regiões mais desfavorecidas. A regionalização feita de cima para baixo é errada. Não há hoje movimento para a regionalização. Nem por parte de populações, nem com origem em instituições ou empresas. Ainda há pressão pela descentralização, mas muito menos pela regionalização, quase só defendida pelos partidos, geralmente em benefício próprio.
Recentemente, graças ao tema da Protecção civil, percebeu-se que um traço marcante do comportamento governamental é o da desresponsabilização. Se algo corre mal, a responsabilidade é dos outros. A regionalização é o mais seguro caminho para desresponsabilizar governantes.
A regionalização não é “neutra” em procedimentos, orçamentos e funcionários. Não se sabe bem quanto, nem como, mas é seguro que a regionalização acrescenta os poderes dos órgãos intermédios, assim como aumenta os procedimentos, os orçamentos e os funcionários. A regionalização não parece estimular o aumento de cuidadores, médicos, enfermeiros, professores e educadores, mas amplia certamente o número de burocratas e administradores.
O Estado nacional democrático é responsável por alguns dos valores mais importantes da vida em comum: autonomia, segurança, justiça, democracia e liberdades individuais. A garantia e a âncora de qualquer destes valores dependem do Estado nacional, não da União nem das regiões.
O regresso dos nacionalismos e suas ameaças, de que tanto se fala e que pode ser real, é tão perigoso quanto o desaparecimento das entidades com identidade e geografia, como os Estados nacionais e as câmaras municipais.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
Luís Pires, 09:34: Sr. Barreto, os seus textos estão a ficar longamente enjoativos e repetitivos, sem a pertinência de outrora e a qualidade que tinha de reflectir e de ajudar a fazê-lo. O desta semana, espremido, é confuso e rebarbativo.
António Cunha, 28.07.2019: Descentralização é uma espécie de regresso ao tempo dos senhores feudais e respectivas cortes. Se agora já é assim imagine-se se passar a descentralização - antigamente conhecida por regionalização.
Fowler Fowler, 28.07.2019: Texto confuso e insidioso sobre a descentralização “gradual” em curso, sobre a regionalização (que, afinal, não está no programa eleitoral do PS) e sobre as NUTS. Sempre com o espírito em apoucar o que de positivo se faz em Portugal.
henrique Mota, Coimbra 28.07.2019: Uma voz muito sensata.
mário borges, 28.07.2019: Coitado... Destruiu a reforma agrária em Portugal e agora quer destruir a unidade territorial...
Jose Luis Malaquias, Figueira da Foz 28.07.2019: Portugal não precisa de regionalização. Só precisa de uma desmacrocefalização. Lisboa está a rebentar pelas costuras e o resto do país está a definhar. Retire-se a capital de Lisboa e coloque-se numa ou em várias regiões que precisem do desenvolvimento. Só à venda dos imóveis governamentais em Lisboa pagaria todo o processo.
António Gonçalves, 28.07.2019:  Sr. António Barreto, não será altura de uma vez por todas abandonar a ideia de procurar protagonismo à custa de propaladas e estúpidas divergências sobre assuntos ou causas sociais, que por vezes o tornam ridículo e com deplorável imagem mediática? O seu tempo, se é que alguma vez aconteceu, já passou. Assim como a paciência para o ler ou ouvir...
cisteina, Porto > A. Gonçalves: Não me diga que é contra a liberdade de expressão e de opinião! Não me diga, ainda, que a liberdade tem faixa etária limitada e os mais velhos não podem opinar! Ou seja, não de diga que é um 'tiranetezito' agressivo e ofensivo. E ainda: por que é que eu o hei-de ler, as suas tontices? Tenha maneiras, conviva sadiamente, respeite, ao menos, o seu nome, e o do articulista, por coincidência, também o meu, caramba!


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