De que se não tem falado. Não sei se é
boa ideia pegar no assunto da regionalização, grato aos paladares de uma
esquerda amante de reduções pátrias. Mais um assunto do nosso sentimento de
horrores que por aqui vão perpassando, sem perspectiva de inversão, na
destruição primeira do solo pátrio e de uma alma nacional para os vindouros,
cada vez mais incapacitados de assumir uma determinação de mudança, pelo
esforço próprio, que paulatinamente vai desaparecendo, na obsessão feita de
idiotia, por uma caixinha manual, centro de todos os valores e afectos desses
vindouros, ainda inocentes da insegurança futura. E aqui vamos nós, fechando os
olhos ao nosso “salve-se quem puder”, num país sem rei nem roque. E sem garbo.
OPINIÃO:
Descentralização, uma reforma perdida
A regionalização não parece estimular
o aumento de cuidadores, médicos, enfermeiros, professores e educadores, mas
amplia certamente o número de burocratas e administradores.
ANTÓNIO BARRETO PÚBLICO, 28 de Julho de 2019,
Embora
tenha sido apresentada quase em fim de legislatura, a descentralização deveria
ser uma grande causa e não menor realização deste governo. Mas as coisas não
começaram bem. Era tarde demais. Os outros partidos da aliança de esquerdas não
estavam ao corrente e queriam mais. O maior partido da oposição, o PSD, também
não estava muito pelos ajustes. A reforma ficou logo marcada pela intenção
escondida de regionalização. Os trabalhos preparatórios continuam, uns já
conhecidos, outros em curso e com entrega adiada. O que até agora mais merece
atenção é o facto de o governo, António Costa e Eduardo Cabrita terem alterado
a sua estratégia: deixou de ser brutal e para ser gradual. Passou sobretudo,
nas suas cabeças, a ser furtiva, como, há muitas décadas, queriam Robert
Schuman e Jean Monnet para a Comunidade Europeia.
A regionalização fica pois adiada
para a próxima legislatura. Logo se verá. A Constituição impõe um referendo, o
que os seus defensores receiam. O Presidente Marcelo era, em seu tempo, contra.
Rui Rio já foi contra e depois a favor. Os pequenos partidos da esquerda são a
favor, o Bloco mais ou menos, o PCP muito. O PS já foi contra e defensor, agora
é moderadamente a favor. No seu programa eleitoral, os socialistas querem
descentralizar, mas evitam o termo regionalizar. Na verdade, querem exibir uma
virtude, mas não pagar o preço.
Um estudo da cartografia portuguesa
dos últimos dois séculos é revelador. As divisões em distritos ou províncias
foram as mais variadas. Nos escritórios, fizeram-se e desfizeram-se entidades
regionais a bel-prazer. Com esquadro, como em tempos, para desenhar impérios em
África, se fazia em Berlim ou Paris. A região do Douro, por exemplo, já teve
uma dúzia de configurações diferentes, já incluiu o vale do rio, a bacia
hidrográfica, o Minho, Trás-os-Montes, parte da Beira Alta, o Douro Litoral, só
o Alto Douro, com e sem Trás-os-Montes, até a Beira Litoral esteve incluída! A
história cartográfica define bem o espírito que presidiu aos recortes: a
estratégia política.
E é curioso notar que praticamente
todos os partidos já defenderam a descentralização, mas, no Governo ou no
Parlamento, pouco fizeram. Muito do
que os próprios partidos reclamam, assim como os autarcas, os agentes
económicos e os cidadãos, já poderia ter sido concretizado há décadas, caso
houvesse empenho na causa. Fica-se com a impressão de que esta promessa é
uma profissão de fé, cujo cumprimento pode ser eternamente adiado.
No
nosso país centralizado e “macrocéfalo”, como se dizia antigamente, a
descentralização é provavelmente útil, mas teria de ser feita primordialmente
para as câmaras municipais e as freguesias, entidades com história e
identidade. E com funções reais nas comunidades. Também deveria ser feita em
benefício das instituições públicas como as escolas, as universidades, os
hospitais, os centros de saúde e tantas outras repartições. A
vantagem da descentralização é que não implica transferência de poderes para
entidades híbridas, criadas artificialmente, com eleitos, representantes e
nomeados. Com excepção dos Açores e da Madeira, em Portugal não há regiões.
História, tradição, identidade e reconhecimento: sem esses requisitos, não há
regiões. O que é uma região Centro, como é proposto? E uma região Norte?
As
tendências actuais de reforma administrativa visam reforçar as regiões e a
União Europeia, esbatendo os poderes dos governos nacionais e reduzindo as
competências das autarquias locais. São tendências anti-democráticas. A
democracia está a ser apertada por uma tenaz, cujas lâminas são a União e a
Região. Quase todos os dispositivos de financiamento pela União Europeia estão
orientados para regiões. O mercado da solidariedade regional é hoje um dos mais
florescentes. A regionalização compra-se a peso de ouro.
Não está demonstrado que a regionalização seja um instrumento de
desenvolvimento. Os Açores e
a Madeira foram casos excepcionais e não replicáveis. Nunca foi
provado que a regionalização seja meio de desenvolvimento do interior e de
fixação da população. O mapa das regiões pobres na Europa, com raríssimas
excepções, é hoje o mesmo de há décadas. Se a regionalização fosse um meio
privilegiado de desenvolvimento, não se compreende que a Região Norte junte o
Douro litoral desenvolvido a Trás-os-Montes e Alto Douro subdesenvolvido! Nem
se explica a existência de uma Região Centro, com a junção da Beira Litoral à
Beira Alta ou Beira Interior. Em Portugal não há outros Açores nem mais
Madeiras.
Está
por provar que as autonomias sejam trunfos para reforçar a coesão e lutar
contra a desigualdade. As regiões mais ricas, muitas vezes, desejam a
autonomia, justamente para não ter de pagar o ónus da solidariedade. Existe um
regionalismo dos ricos. Não é verdade que a regionalização seja uma
reivindicação das regiões mais desfavorecidas. A regionalização feita de cima para baixo é errada.
Não há hoje movimento para a regionalização. Nem por parte de populações, nem
com origem em instituições ou empresas. Ainda há pressão pela
descentralização, mas muito menos pela regionalização, quase só defendida pelos
partidos, geralmente em benefício próprio.
Recentemente, graças ao tema da
Protecção civil, percebeu-se que um traço marcante do comportamento
governamental é o da desresponsabilização. Se algo corre mal, a
responsabilidade é dos outros. A regionalização é o mais seguro caminho para
desresponsabilizar governantes.
A regionalização não é “neutra” em
procedimentos, orçamentos e funcionários. Não se sabe bem quanto, nem como, mas
é seguro que a regionalização acrescenta os poderes dos órgãos intermédios,
assim como aumenta os procedimentos, os orçamentos e os funcionários. A
regionalização não parece estimular o aumento de cuidadores, médicos,
enfermeiros, professores e educadores, mas amplia certamente o número de
burocratas e administradores.
O
Estado nacional democrático é responsável por alguns dos valores mais importantes
da vida em comum: autonomia, segurança, justiça, democracia e liberdades
individuais. A
garantia e a âncora de qualquer destes valores dependem do Estado nacional, não
da União nem das regiões.
O
regresso dos nacionalismos e suas ameaças, de que tanto se fala e que pode ser
real, é tão perigoso quanto o desaparecimento das entidades com identidade e
geografia, como os Estados nacionais e as câmaras municipais.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
Luís Pires, 09:34: Sr. Barreto, os seus textos estão a
ficar longamente enjoativos e repetitivos, sem a pertinência de outrora e a
qualidade que tinha de reflectir e de ajudar a fazê-lo. O desta semana, espremido,
é confuso e rebarbativo.
António Cunha, 28.07.2019: Descentralização é uma espécie de
regresso ao tempo dos senhores feudais e respectivas cortes. Se agora já é
assim imagine-se se passar a descentralização - antigamente conhecida por
regionalização.
Fowler
Fowler, 28.07.2019: Texto
confuso e insidioso sobre a descentralização “gradual” em curso, sobre a
regionalização (que, afinal, não está no programa eleitoral do PS) e sobre as
NUTS. Sempre com o espírito em apoucar o que de positivo se faz em Portugal.
henrique Mota, Coimbra 28.07.2019: Uma voz muito sensata.
mário borges, 28.07.2019: Coitado... Destruiu a reforma
agrária em Portugal e agora quer destruir a unidade territorial...
Jose Luis Malaquias, Figueira da
Foz 28.07.2019:
Portugal não precisa de regionalização. Só precisa de uma desmacrocefalização.
Lisboa está a rebentar pelas costuras e o resto do país está a definhar.
Retire-se a capital de Lisboa e coloque-se numa ou em várias regiões que
precisem do desenvolvimento. Só à venda dos imóveis governamentais em Lisboa
pagaria todo o processo.
António Gonçalves, 28.07.2019: Sr. António Barreto, não será altura de uma vez por todas
abandonar a ideia de procurar protagonismo à custa de propaladas e estúpidas
divergências sobre assuntos ou causas sociais, que por vezes o tornam ridículo
e com deplorável imagem mediática? O seu tempo, se é que alguma vez aconteceu,
já passou. Assim como a paciência para o ler ou ouvir...
cisteina, Porto > A. Gonçalves: Não me diga que é contra a liberdade de
expressão e de opinião! Não me diga, ainda, que a liberdade tem faixa etária
limitada e os mais velhos não podem opinar! Ou seja, não de diga que é um
'tiranetezito' agressivo e ofensivo. E ainda: por que é que eu o hei-de ler, as
suas tontices? Tenha maneiras, conviva sadiamente, respeite, ao menos, o seu
nome, e o do articulista, por coincidência, também o meu, caramba!
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