A indignação de Alberto Gonçalves ante o caso
escabroso da demolição do prédio Coutinho, mau grado a resistência de alguns
moradores, assume um tom de desprezo total pelo país e pela nação de gente
abúlica e rastejante ante o poder. Como se viu neste caso. E de gente ignara também,
que semeia fealdade sem controlo, como tive ocasião de ver recentemente: uma
escultura em Oliveira de Frades,
simbolizando uma oliveira, creio, que mais parece repolho invertido, a não ser
que o digno escultor tenha querido representar, por chufa anticlerical,
cabeleiras desgrenhadas de frades a fazer o pino, qualquer sugestão é possível
no nosso vazio ultrajante. Mas outras mais monstruosidades macaqueadoras de
arte vimos por aqueles sítios, o que não admira, pois o próprio Ronald foi
vítima de artistas tais, em sítios mais conhecidos. Quanto ao prédio Coutinho…
onde jorra dinheiro brota poder, é claro. E poder, entre nós, é de força bruta,
naturalmente.
A
lição e a demolição do prédio Coutinho /premium
OBSERVADOR, 6/7/19
O Estado serve para desumanizar os
cidadãos. E os cidadãos deveriam servir para abominar o exercício e
opor-se-lhe. É evidente que o Estado, que detém a força, acaba por ganhar
sempre, ou quase sempre
José
Manuel Pedreirinho, um sujeito
que é presidente da Ordem dos Arquitectos, considera o prédio Coutinho uma
“aberração completa sem qualidade arquitectónica”. Após quinze minutos de
buscas na internet, não consegui encontrar nenhuma obra do sr. Pedreirinho. É
pena, porque acho que me divertiria imenso. Felizmente, encontram-se por esse
Portugal afora inúmeras obras desenhadas e assinadas por inúmeros arquitectos
inscritos na agremiação a que o sr. Pedreirinho preside. Para quem tiver
estômago, é uma galhofa. Se o prédio Coutinho é feio – e Deus Nosso Senhor
sabe que é horrendo –, não é mais feio do que largos milhares de estafermos que
se plantaram de Norte a Sul nas últimas cinco décadas. Décadas em que, por obra
(lá está) e graça (lá está também) de grandes, médios, pequenos e microscópicos
arquitectos, a estética de uma nação pobre e mansa se transformou num compêndio
insultuoso de porcarias. Por algum motivo, apenas o prédio Coutinho (e
uns barracos de praia) foi indiciado para eliminação.
É
verdade que se todas as construções repugnantes fossem demolidas, idealmente em
cima dos vultos que as conceberam, metade da população daria por si a dormir
debaixo de pontes. E isto enquanto as próprias pontes, cuja maioria ofende a
vista, não fossem igualmente abaixo. Por estas e por outras, do bom senso às
limitações financeiras, é apesar de tudo recomendável a manutenção das misérias
visuais que temos. Donde uma questão: porque é que não se aplica o mesmo
princípio ao prédio Coutinho, aparentemente o único bicho a abater num rebanho
contaminado com gravidade?
Uma
pergunta, nenhuma resposta, diversas suspeitas, meia dúzia de factos. Há uma autarquia, naturalmente socialista, que quer livrar-se
do edifício em causa para construir um mercado municipal, por acaso a exacta
estrutura que se arrasou para erguer, vai para meio século, o exacto edifício.
Há um presidente da autarquia que, com a impunidade dos sobas e o descaramento
dos impunes, comete os desvarios que lhe apetece para esvaziar aquilo. Há uma
metástase da autarquia, chamada Vianapólis, que finge emprestar competência
técnica à decisão e é chefiada pelo irmão de um secretário de Estado, ambos
decerto habilitadíssimos. Há os contribuintes que patrocinam os 35 milhões
necessários à existência da Vianapólis e às expropriações. Há um governo que
costuma pugnar pela legalidade e produziu considerações interessantes acerca do
assunto, incluindo a de que os “poderes públicos”, coitadinhos, saem “abusados”
do processo. Há uma lei que condena os senhorios que incomodem inquilinos no
sentido do despejo. Há a indiferença dos “poderes públicos” à lei. E há, claro,
os moradores restantes do prédio Coutinho, os quais, com inimaginável insolência,
recusam abdicar do que é deles e são por isso processados, perseguidos,
cercados, ameaçados e privados de água, comida e saúde. O que não há é quem se
enfureça a sério com tamanha demonstração de prepotência.
Em lugares civilizados – espero eu,
que os tempos não favorecem o optimismo –, os últimos dias teriam assistido a
um desfile de multidões furiosas à porta dos acossados, multidões de vizinhos,
conterrâneos ou fortuitos, solidários com a resistência de nove pessoas a uma
máquina sinistra e brutal. Por cá, não houve vivalma. Por cá, marcha-se e
grita-se contra e a favor do que calha, desde que calhe de serem assuntos
ridículos (a “identidade”), inevitáveis (a “troika”), remotos (o “Médio
Oriente”), confusos (as “alterações climáticas”) e, em suma, quaisquer matérias
aprovadas e certificadas pelos comités tácitos que aprovam e certificam os
berreiros colectivos. Pelos nove do prédio Coutinho, velhos comuns que não
integram tribos particulares, nem um. Nem uma criatura se aproximou daquela
gente, a provar-lhe que não está sozinha.
A
bem dizer, uma criatura tentou aproximar-se. Era uma actriz dramática local,
Elisabete Nãoseiquê, regularmente financiada pela câmara e que sonhou com o
primeiro “cordão humano” do mundo que em vez de proteger as vítimas protegeria
os opressores. A aceitação, pelo tribunal, de uma providência cautelar
favorável aos moradores travou os ímpetos da dona Elisabete, que passavam por
escorraçar os resistentes. Porém, a ideia ficou. Aliás, a ideia já reside aqui
há muito tempo – e não arrisca ser despejada: entre os fracos
e os fortes, o português médio não hesita na preferência. De Viana a Faro, a
esperança de um país livre é a primeira a morrer.
Do episódio sobra uma lição, que ninguém aprenderá. Os que enchem a
boca com a fundamental serventia do Estado teriam no prédio Coutinho um bom
exemplo para acompanhar a argumentação. O Estado serve para desumanizar os
cidadãos. E os cidadãos deveriam servir para abominar o exercício e, na medida
do possível, opor-se-lhe. É evidente que o Estado, que detém a força, acaba por
ganhar sempre, ou quase sempre. Mas há perder com dignidade. E há perder assim.
COMENTÁRIOS
Pedro Ferreira: Brilhante! Já assinei a petição para salvar o prédio
Coutinho. E no dia das eleições, lá estarei para correr com os XUXAS do poder.
Maria Augusta Martins: Também acho António um fascismo implementado, governado
e dirigido pelo partido socialista, desde o seu primeiro interventor desta saga
o fujão-cagão do pântano dos refugiados Guterres, José Sócrates como secretário
da Habitação passando pelo Defensor de Mouras, que lá residiu e o actual e
conhecidíssimo Zé Maria, cangalheiro e gato pingado de gravata preta dos
Estaleiros, defensor dos trabalhadores bolcheviques e inimigos de qualquer
trabalho, que num golpe de rins se tornou mordomo de laço branco, do armador
Ferreira e apreciador dos gorjeios da Carla Bruni ) ex primeira dama de
França). Foram estes os cabecilhas da coisa e se o fizeram é tão só por
dividendos com empresários de demolições e sucatas (os governantes PS têm
muitos e conhecidos antecedentes nestas lides do constrói e bota-abaixo que
movimenta sempre as "massas". Quanto aos manos Delgado esse assunto a
meu ver não passa de mera coincidência do acaso, dado que quase vinte anos
separam as duas nomeações e o último o Jorge já encontrou o trabalho feito e
creio que não vá meter prego ou estopa. No fundo para mim o prédio Coutinho foi
sempre um bom naco para políticos e construtores ou então maldição das freiras
de S. Bento as legítimas possuidoras que foram esbulhadas pelo decreto do
"Mata-frades"
Pedro Ferreira > Maria Augusta
Martins: Excelente
comentário!
Zacarias Pançudo: O caso do prédio Coutinho tem mais pertinência quando
comparado com o bairro da Jamaica. Fica demonstrado que Portugal não é um
estado de direito, e que democracia é o nome que se dá a um regime
aristocrático em que uma raça está acima da lei, é sempre vítima e nunca
culpada e tem direitos sem ter deveres. Há uma classe intermédia chamada
funcionários públicos e na base do sistema estão os trabalhadores do sector
privado, também chamados servos do fisco. A religião deste sistema é o
politicamente correcto, que se organiza em torno de conceitos como o
multiculturalismo, o feminismo ou a ecologia. É assaz dogmática e reage com
ferocidade à heresia, censurando e lançando anátemas sobre quem se lhe opõe.
maria perry > Zacarias Pançudo: “Fica
demonstrado que Portugal não é um estado de direito,..” Nem nunca foi em
relação aos proprietários (excepção a Passos Coelho). Até Cavaco Silva nada fez
para lhes devolver o direito a rendas justas. Toda a gente tem muita inveja dos
proprietários. Por causa disso, as cidades portuguesas acabaram em ruínas.
Castigo de Deus.
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