quarta-feira, 10 de julho de 2019

Utopias



Um artigo de Helena Garrido que mal se entende, numa aparência de isenção, apontando os erros da política governamental enganosa, e por outro lado aceitando de coração, parece, a “gestão politicamente muito inteligente” do dito governo. Os próprios comentadores parecem mal compreender tal discurso, que deseja agradar a gregos e troianos e se fica, de facto, pelo cavalo de pau dos gregos finórios, que arrasaram Tróia. Eu também acredito no cavalo de pau, acredito na destruição de Tróia que este governo vai perpetrando, sem calcanhar de Aquiles a tolher, Príamo e Hécuba e Heitor definitivamente arrumados. Costa, Aquiles lusitano, sem calcanhar vulnerável à vista, que ele o transformou gloriosamente em ponto forte, arrumando Heitor na prateleira fúnebre, uma nova Tróia a parecer ressurgir, em mãos de gregos…
Quatro anos de austeridade disfarçada /premium
HELENA GARRIDO      OBSERVADOR, 8/7/2019
Está a acabar uma legislatura surpreendente. Caíram os muros que separavam o PS do PCP. Mas a política económica seguida dá sinais de ter adiado custos e iludido as escolhas que, de facto, se fizeram.
Esta semana marca-se simbolicamente o fim da legislatura, com o debate do Estado da Nação. Quatro anos que ficam já definitivamente na história da democracia portuguesa, por terem rompido o muro que existia entre o PS e o PCP, alargando as alternativas de governação do país. Quatro anos que precisam ainda de esperar por algum tempo para se perceber exactamente os custos dessa aliança à esquerda que, quer se queira quer não, condicionou a combinação de política económicas. Um governo apenas do PS teria tido uma política mais próxima de um executivo do PSD com o CDS, ter-se-ia concentrado menos nos resultados de curto prazo e colocado mais recursos em medidas com efeitos a médio e longo prazo.
A degradação dos serviços públicos, com relevo muito especial para o sector da Saúde, é a face mais visível dos custos destes quatro anos de governação. Os efeitos, a prazo, destes custos são ainda difíceis de medir. Neste momento já se traduziram em mais despesa pública na saúde e compromissos de mais investimento em sectores como os transportes públicos.
A pergunta que se impõe é: até que ponto esta espécie de “défice público” escondido se traduzirá a prazo numa escolha mais dramática entre maior degradação ou agravamento efectivo do défice público? O que poderá condicionar a política orçamental dos próximos anos, designadamente o objectivo de reduzir impostos, que faz parte do programa eleitoral já revelado pelo PSD. Não será por acaso que o PS criticou o programa do PSD, dizendo que abre um buraco orçamental – pode admitir-se que sabe a margem que não deixou para a redução de impostos no futuro por causa do “défice público” oculto.
A gestão destes quatro anos foi politicamente muito inteligente. Caracterizado por um pragmatismo, o Governo concretizou medidas que maximizavam a receita ou minimizavam a despesa pública mas eram percebidas como não tendo qualquer efeito nos bolsos ou na qualidade de vida dos cidadãos. Foram quatro anos de ilusão de almoços grátis que se traduziram obviamente na popularidade do Governo e em especial do ministro das Finanças – o mais popular desde o tempo de Sousa Franco.
A viragem da página da austeridade traduziu-se basicamente no aumento do poder de compra dos grupos organizados e mais ruidosos, num processo facilitado pelo apoio do PCP do BE. Os grupos sem voz ou tudo aquilo que não se vê acabou por experimentar, nestes quatro anos, uma austeridade ainda mais apertada do que nos quatro anos anteriores. A que se juntou uma capacidade política extraordinária de neutralizar todas as críticas.
Vejamos o caso do investimento público. Alguns projectos megalómanos e irracionais da era de José Sócrates foram alvo de crítica e apontados como uma das razões do colapso financeiro. Críticas, que são focadas em projectos que não são rentáveis nem financeiramente nem economicamente nem socialmente, rapidamente são transformadas em criticas a todo e qualquer investimento público. É com este sofisma – “és contra investimentos públicos irracionais, logo és contra o investimento público” – que o PS se defende da falta de investimento público. Esta mensagem tem obviamente muito mais força do que passar a explicar que estamos, em grande parte, a falar de investimento público de reposição, que vai desde máquinas para diagnóstico, nos hospitais, até barcos e locomotivas para os transportes públicos.
Um outro exemplo é o dos impostos. O Governo desafia os opositores a identificarem impostos que tenham sido aumentados, mostrando em contrapartida que baixou a sobretaxa de IRS e, com menos orgulho, que reduziu o IVA da restauração. O aumento da receita fiscal, argumenta, está relacionado com o crescimento da economia e designadamente com a criação de emprego e o aumento do consumo – especialmente por via do turismo. Tudo isto é verdade e poderá, de facto, explicar boa parte do aumento da receita fiscal que ocorreu acima do PIB nominal. Mas é meia verdade. Desde 2018 que as mudanças nas regras dos recibos verdes, primeiro no IRS e este ano na Segurança Social, têm um impacto que é difícil de avaliar, de imediato, mas que com uma elevada probabilidade significa pagar mais impostos e contribuições.
Há um outro exercício que mostra até que ponto se mascarou uma política orçamental contraccionista e que é a análise dos decretos de execução orçamental. Com a aprovação do primeiro-ministro e apesar de nada se dizer sobre o assunto, nunca como nesta legislatura o Ministério das Finanças teve tanto poder. É interessante como no passado se debateu tanto a necessidade de dar ao ministro das Finanças super-poderes, sem que realmente os tenha tido, e como nesta legislatura, sem nunca se ter debatido o tema, Centeno foi mesmo um ministro poderoso.
Claro que não há política económica sem política. E a política económica é mais fácil de se concretizar com mensagens políticas eficazes, que convençam (ou iludam) as pessoas. Do ponto de vista político este Governo foi um sucesso que ultrapassa os primeiros mandatos de Cavaco Silva e de José Sócrates. O sucesso político é reforçado quer pelas baixas expectativas com que se estreou quer pelos muros que fez cair à esquerda, dando ao país mais alternativas de governabilidade.
Já é mais discutível se estes quatro anos se traduziram numa sociedade mais transparente e tolerante. Há sinais preocupantes de radicalismo, intolerância com quem pensa de forma diferente, catalogações extremas entre esquerda e direita e perigosas permissividades para uns enquanto a outros quase nada é permitido. A assimetria na avaliação de actos e opiniões agravou-se e ampliou-se. E isto resulta numa sociedade que se pode tornar opaca e permeável a movimentos inesperados de extremismo. Nada pior do que não percebermos exactamente o que pensam as pessoas.
Quanto aos efeitos económicos e sobretudo financeiros destes quatro anos vamos percebê-los melhor depois das eleições de Outubro. Os indicadores, que já temos, permitem dizer que estamos longe de ter resolvido o nosso problema de dívida pública e privada. Continuamos muito frágeis e expostos a uma tempestade financeira. Podia ter sido diferente? Podia, infantilizando menos as pessoas e tornando-as conscientes do problema de endividamento que temos. A austeridade continuará, mais ou menos disfarçada, com escolhas mais ou menos mascaradas. Nestes quatro anos escolhemos dar mais dinheiro às pessoas que trabalham no sector público e degradar os serviços públicos.
COMENTÁRIOS
Alf Silva: Helena Garrido é definitivamente tonta. Diz que: "Do ponto de vista político este Governo foi um sucesso que ultrapassa os primeiros mandatos de Cavaco Silva e ...". Não tem memória nem sabe procurar arquivos. O ambiente internacional no tempo de Cavaco Silva era completamente adverso e Portugal era, de longe, o país com maior sucesso económico-financeiro da Europa em termos de análise estática e de taxas de desenvolvimento. Incluindo a do desemprego que se ficava pelos 2,6%. Eu sou testemunha e tenho provas que Cavaco Silva foi considerado o melhor governante do mundo, desde o Japão até à Alemanha de Helmut Khol. Helena Garrido diz ainda neste artigo que, nesta legislatura de 4 anos, as diferenças principais entre PS e PCP desapareceram - isto significa que o PS passou a ser estalinista, ou seja, passou a defender o extermínio das populações como método de governo, como disse ser o PCP em Out2017 no Coliseu em Lisboa, e no Porto. Helena Garrido diz, implicitamente neste seu artigo, que o PS defende o extermínio das populações. Não sou eu que o digo.
Antonio Fonseca > Alf Silva: O SOCIALISMO é "O fim da propriedade privada e a sociedade sem classes". Se o PS conseguir cumprir a sua ideologia no final vai passar por uma fase "VENEZUELA" e no fim tornar-se ESTALINISTA, se isso for preciso para se eternizar no poder.
ALBERICO LOPES: Análise brilhante! Mas, Helena, não vale a pena chover no molhado! Como diz o costa, a "austeridade" acabou e as vacas até já voam! Tudo feliz, sobretudo para o César dos Açores e a sua famiglia!
A. Carnide: Ferida oculta bem denunciada. Já o curativo a aplicar é complicado de encontrar. Oxalá a direita se resolva, renove e organize, senão teremos pouca longevidade como nação independente...
Maria Emília Santos Santos: Mas o pior de tudo neste agravamento de austeridade  camuflado, é que o povo português, dorme-lhe em cima como se nada se passasse! O povo varre para debaixo do tapete
Adelino Lopes: Mais um excelente artigo da H. G. Mas eu gostava de saber concretamente (com números) quanto mais recebem os funcionários públicos agora relativamente a 2015. Nos casos dos escalões acima do salário médio chega sequer para cobrir a inflação? O problema é mesmo esse; a população tem fé. A máquina de propaganda bem o sabe. Défice público escondido? Por estas e por outras é que eu acho que deve ser o PS a ganhar as eleições. Será que teremos um novo ministro das finanças a criticar o anterior governo? E o verdadeiro investimento? Sim aquele que demora ~5 (às vezes ~10) anos a implementar-se e é fundamental para o país? Bem, desse é melhor nem falar. Como temos vindo a constatar, Portugal está cada vez mais na cauda da Europa em termos de PibPerCapita. É a vida.
Joaquim Moreira: Quatro anos de austeridade disfarçada, para muitos de nós, já não é nada. O mais grave, e pior, é o que esconde por não poder ser visualizada. Embora alguma já não consiga ser disfarçada, ainda há muita que está ainda completamente guardada. Desde logo, a que resulta da necessidade de renovação de equipamento, que está a ser usado até que já não tenha nada dentro. E este é mesmo um problema que o futuro vai trazer, e que vamos ter que resolver. E que o próprio Programa de Governo do PSD não consegue prever. Programa esse que teve o cuidado de se basear, em dados do CFP, usando dados mais conservadores, para não enganar os eleitores. Mas convém dizer, que mais do que a austeridade disfarçada, é o facto desta “solução de governo” não servir para resolver nada. Entendido o “resolver” como os problemas que continuamos a ter.
Pérolas a porcos: Esta legislatura é de facto SURPREENDENTE, mas antes de mais por ter MANTIDO, e em alguns casos AGRAVADO a AUSTERIDADE, quando este 1º Ministro e os partidos da "geringonça" se tinham unido, precisamente CONTRA A AUSTERIDADE!!! E O MAIS GRAVE É QUE FOI A AUSTERIDADE PROVOCADA PELOS PRÓPRIOS SOCIALISTAS, QUE CONDUZIRAM O PAÍS À 3ª BANCARROTA EM 2011, E NOS LEVAM AGORA A CAMINHO DA 4ª!!!
Manuel Magalhães: Aceitar o que o governo diz que não houve subida de impostos é esquecer a subida enorme dos impostos indirectos (combustíveis, etc...) e quanto à dívida também é bom não esquecer as dívidas a fornecedores por parte do Estado, dívida essa que prejudica altamente a economia (por incrível que pareça, não paga juros), se esta dívida fosse correctamente contabilizada, onde é que estaria o déficit...
Maria Carmo: Politicamente "inteligente" quer dizer farsante? Falta de funcionários nas Conservatórias, no IMT, nos Tribunais, na Saúde, nas Lojas do Cidadãos, nas Repartições de Finanças, nos transportes urbanos, nas ferrovias, o caos no serviços públicos sem material nem meios técnicos. Pena o povinho gostar de sofrer e viver em Marrocos...
Helena Garrido - Versão 18/1/2018: Temos todas as razões para estar satisfeitos com a evolução das contas públicas. Hoje estamos a atingir recordes positivos – o mais baixo défice da democracia, o maior crescimento desde a adesão ao euro. As contas públicas registaram um défice historicamente baixo (0,3% do PIB), com um saldo excedentário historicamente elevado quando se retiram as despesas com juros (mais 3,6% do PIB) e ainda com a vantagem destes resultados estarem a ser atingidos com um peso muito reduzido de medidas temporárias. Como é que estes resultados estão a ser obtidos? Graças fundamentalmente à receita. A receita total das administrações públicas aumentou 5,5% e a despesa caiu 0,4%.Tendo como referência este retrato, percebemos que os bons resultados das contas públicas são basicamente alimentados pelo bom desempenho da economia. Mais emprego, mais rendimento, mais impostos. Mais emprego, mais rendimento, mais consumo, mais impostos sobre o consumo. Mais emprego, menos despesas com subsídio de desemprego Helena Garrido, Observador, 18/1/2018
Ruik Krull: Helena Garrido, Quatro anos de farsa ou austeridade disfarçada Quod erat demostrandum
Adolfo Vitorino: ESTE ARTIGO da Helena Garrido coloca em cima da mesa, tudo aquilo que é e foi importante na actuação deste Governo. Analisa, obriga a pensar e a estudar, todos aqueles que se interessam por economia e política em Portugal.

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