sábado, 27 de julho de 2019

Fogo, fogosidade, fugacidade



E a história repete-se. Assim se conta do pilriteiro: «-Pilriteiro, dás pilritos, porque não dás coisa boa? - Cada um dá o que tem conforme a sua pessoa.”
Voltarão os fogos. E a verborreia fogosa. E tudo será fugaz, até à próxima vez. Cada um dá o que tem. E há os que ateiam os fogos pela calada. Quando são descobertos são desculpados. Cada um faz o que pode. E as selfies assinalam, na irrelevância das coisas. E dos casos. Longe, há casos piores, seca em Angola, massacres na Síria, rixas, mortes, pantufadas... Futilidades.
OPINIÃO: A arte socialista de entrar com os pitões à frente
Quando os portugueses têm em cima da mesa uma possível maioria absoluta do PS, a costela trauliteira do partido provoca enormes calafrios na minha espinha democrata.
JOÃO MIGUEL TAVARES    PÚBLICO, 24 de Julho de 2019
O Partido Socialista é como aqueles defesas-centrais à moda antiga, que têm por hábito enfiar uma valente pantufada nos adversários mais atrevidos logo no início do jogo, para mostrar quem manda dentro da grande área. O adversário atrevido, metaforicamente falando, é o presidente da Câmara de Mação, Vasco Estrela (eleito nas listas do PSD), que pediu “transparência” no combate aos fogos, e declarou: “Não podemos conceber que se diga que os meios eram os suficientes quando tivemos populações completamente desprotegidas.”
António Costa não gostou. Eduardo Cabrita também não. O primeiro disse que não fazia comentários enquanto os incêndios estivessem a decorrer, e no mesmo fôlego comentou que os autarcas “são os primeiros responsáveis pela protecção civil em cada concelho”, e que é a eles que compete “prevenir, através da boa gestão do seu território, os riscos de incêndio”. Já o ministro da Administração Interna, com a delicadeza típica de Sergio Ramos, calcou o pitão na canela do pontapeado Vasco Estrela afirmando ver “com desgosto” que aquilo que parecia ser “uma perturbação motivada pela tensão da ocorrência que estava a passar-se no seu concelho”, afinal não era perturbação nenhuma. Acusou-o de ser um “presidente da câmara feito comentador televisivo” e decidiu destacar “o papel dos autarcas deste país que estão ao lado das populações e não em frente aos microfones das televisões”.
Deixem-me anotar três factos. Facto um: perante incêndios daquela dimensão, a dada altura os meios nunca são suficientes, e não ter morrido ninguém é mesmo o mais importante – neste ponto, o Governo está certo. Facto dois: isso não significa que o presidente da Câmara de Mação deixe de ter razão quando diz que houve populações desprotegidas, e que lhe compete a ele, enquanto responsável do concelho, queixar-se disso – e também de o plano de emergência municipal só ter sido aprovado no pós-incêndio. Facto três: neste contexto, é um golpe baixo de António Costa atirar responsabilidades para cima de Vasco Estrela, até porque ele sabe muito bem que não há prevenção possível face a um fogo daquela dimensão, para mais de origem criminosa. Nenhum presidente de um concelho rural e despovoado tem instrumentos para enfrentar um incêndio devastador.
Juntando estes três factos, há uma conclusão óbvia: nada justifica o ataque concertado de um primeiro-ministro e de um ministro da Administração Interna a um presidente da câmara de uma pequena vila do interior do país, que ainda por cima acabou de assistir ao desaparecimento da maior parte da floresta do seu concelho, num incêndio de dez mil hectares. Enfim: se virmos bem, talvez haja uma boa justificação para a entrada à defesa-central de outros tempos – a pantufada é um alerta para os senhores presidentes manterem a bolinha baixa caso o mesmo venha a acontecer nos seus concelhos. É ano de eleições, há uma época de incêndios entre o PS e a maioria absoluta, e o Governo não brinca em serviço.
Infelizmente, a atitude “quem se mete com o PS leva”, “ó senhor guarda, desapareça” ou “estou-me cagando para o segredo de justiça” é uma constante na história do Partido Socialista. E António Costa não tem grandes problemas em recorrer a essa antiga tradição, sempre que necessário. Pela parte que me toca, faz mal. Quando os portugueses têm em cima da mesa uma possível maioria absoluta do PS, a costela trauliteira do partido provoca enormes calafrios na minha espinha democrata.
COMENTÁRIOS
Leclerc, Carcavelos 26.07.2019 Costa não quer presidentes de câmara que apareçam inopinadamente nas televisões...
Gualter Agrochão, Lisboa, 25.07.2019: Faltou o "facto quatro" Sr. Comentador: o que é que o Sr. Presidente da Câmara de Mação não fez e poderia, deveria ter feito? Se a sua "equação" tivesse considerado esta "incógnita", porventura o fautor da "pantufada" fosse outro. De resto, o que mais adoram os actores-vedetas da política nacional é um microfone. Com o Sr. Presidente da República em lugar de destaque.
Henrique Duarte, Portugal 25.07.2019: «António Costa não gostou. Eduardo Cabrita também não. O primeiro disse que não fazia comentários enquanto os incêndios estivessem a decorrer, e no mesmo fôlego comentou que os autarcas “são os primeiros responsáveis pela protecção civil em cada concelho”, e que é a eles que compete “prevenir, através da boa gestão do seu território, os riscos de incêndio”.» Assisti a esta peça na televisão em que foi notória a atitude manhosa do António Costa, de dizer que não dizia dizendo, e portanto, só por isso, mentiu.

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