Criteriosas. exaustivas, verdadeiras. Tanto
a de José Manuel Fernandes, como a de Alexandre Homem Cristo. Mas, ao
contrário do que afirma JMF, os nossos espelhos
são baços, encobrem as nossas realidades, por obra e graça dos maquiavelismos torcionários
de quem neles se mira. Verdadeiramente a culpa nem é dos espelhos, que nos
servem na vaidade e ajudam à astúcia da auto-defesa governativa - a culpa está
mesmo na nação que somos, já que nos conformamos com as imagens distorcidas
sobre si próprios dos que, trapaceando qual lobo, estão na parte de cima do
ribeiro a turvar a água, e condenam o cordeiro, por capciosas razões lupinas sobre a hereditariedade
deste, talvez, pobre anho sempre sacrificado , por inércia asnática. Sua, é bem
de ver.
GOVERNO
: Um país que não gosta de se olhar ao espelho? /Premium
Confesso:
sou culpado. Também fui a uma Loja do Cidadão antes do horário de abertura. E o
que lá vi foram sinais do país "poucochinho" que foi ficando para
trás. Sinais que depois os números confirmam
Julgo
que pertence a Herman José a expressão de que “a vida dos pobrezinhos é um
mistério”. Às vezes penso que para muitos dos nossos governantes e altos
funcionários, habituados a muitos anos de motorista e ordenança, a vida dos
cidadãos comuns também deve ser um mistério. E um mistério insondável.
Não
encontro mesmo outra explicação para a informação que a secretária de Estado da Justiça
enviou ao Parlamento dando conta que os atrasos no atendimento
para quem deseja tratar do Cartão do Cidadão se deviam ao facto de os utentes
das lojas do cidadão terem o mau hábito de, “sistematicamente”, irem para a
porta dos serviços “antes da abertura do atendimento ao público”. Bem sei que o Ministério depois fez mea culpa, mas
como este não é o primeiro passo em falso de Anabela Pedroso – recordo-me que
também anunciou, e depois desmentiu, que os cartões de cidadão iam deixar de indicar o sexo dos
seus titulares (ou o “género”, para ser politicamente correcto), e
que informou que ia ser possível ter o cartão do cidadão em cinco
minutos, omitindo que isso só acontecia depois de esperar horas
–, fico com a convicção de que, para alguns governantes,
tudo o que sai dos seus esquemas mentais não
existe, mesmo quando os seus esquemas mentais são pura ficção.
Dir-se-á: é uma excepção, foi uma
gaffe, uma andorinha não faz a Primavera. Poderia concordar se não existisse um
padrão – e esse padrão é quase sempre o de começar por negar a realidade.
Quantos meses foram necessários para que se admitisse – e com relutância – que
as cativações criam graves problemas de funcionamento nos serviços públicos?
Quantas dezenas de reportagens tiveram de ser escritas ou passarem nas
televisões para finalmente se admitir que havia problemas com o Cartão do
Cidadão, os serviços do IMT, os inacreditáveis atrasos da Segurança Social?
Quantos comboios foram suprimidos, cadeiras arrancadas, quantos motores tiveram
de cair de andamento antes de se admitir que havia mesmo um problema de
investimento nos transportes públicos e um ministro ser obrigado a pedir desculpa?
Quantas notícias foram publicadas sobre a falta de médicos ou a situação de
ruptura em serviços de urgência de hospitais do SNS até os ministérios da Saúde
e das Finanças desbloquearem alguns (poucos) concursos para admissão de mais
profissionais?
Vou
ser cínico: todas essas vezes, todas essas notícias, todas essas vozes seriam
insuficientes se não estivéssemos a poucos meses das eleições. O registo
continuaria a ser apenas aquele que vimos a Mário Centeno esta semana na TVI,
em que nunca admitiu que houvesse qualquer insuficiência, em que apenas fez
algo em que é hábil: torturar os números para eles chegarem à conclusão
pretendida. Ou seja, que “o Serviço Nacional de Saúde é melhor hoje do que
em 2015”, algo que a experiência quotidiana dos cidadãos comuns não confirma.
Porém, quem são os cidadãos comuns? Que sabem eles de números e de
estatísticas?
A
ignorância dos cidadãos comuns, tal como a sua vida, é um mistério. Porque é
que vão para as filas de madrugada? Porque é que acreditaram todos que, sendo
os passes mais baratos, haveria transportes para todos? Porque é que estranham
esperar quase às vezes quase um ano para receberem a sua pensão depois de se
reformarem? No fundo, porque é que não são pacientes? Afinal isto até está a
correr tão bem…
É então que entra a fábula. A fábula do sucesso português e do milagre
da geringonça. Que reza mais ou menos assim: com a devolução de rendimentos
relançámos a economia, com o relançamento da economia estamos a crescer mais do
que a zona euro, com o rigor da gestão orçamental fizemos isto tudo com “contas
certas”. Se não é o melhor dos mundos, estamos lá perto.
Este é o espelho a que esta maioria quer que nos vejamos. É nele que
ela se revê. Tudo o que sai do reflexo idílico deste conto de fadas “espelho
meu, espelho meu, há primeiro-ministro mais belo do eu” é imediatamente
apresentado como uma “não realidade”. A única realidade possível é a da fábula
oficial.
Mas
será mesmo?
A
semana passada, entre feriados, tropecei na notícia impossível. Cito o título:
“Portugal ficou mais pobre
face à Europa em 2018”. Esfreguei os olhos, li, reli, fui à fonte, o Eurostat,
e não havia dúvida: em 2018 o PIB per capita medido em paridades de poder de
compra caiu em Portugal de 77% para 76% da média da União Europeia. O que
significou que fomos ultrapassados por mais um país, a Eslováquia. O que
representou a primeira queda desde 2012. Temos agora 20 países à nossa frente
na comparação da riqueza relativa, por habitante. Voltámos a perder terreno e voltámos
a perder um lugar. Desde 2015 já perdemos três lugares.
Para
não ser acusado de torturar os números, acrescentarei que esta é apenas a
primeira estimativa do Eurostat. E que no indicador de consumo privado
mantivemos a mesma posição relativa. Mas mesmo fazendo estas duas
considerações, a verdade é que começo a estragar a imagem perfeita do espelho –
daquele espelho onde o Governo só quer ver reflectida uma imagem idílica,
aquele espelho onde nos dizem que nós, os portugueses, “os melhores do mundo”,
só podemos sair bem na fotografia.
Afinal
de contas não foi também a semana passada – de resto, exactamente no mesmo dia,
vejam lá a coincidência – que ficámos a saber que o número de desempregados
inscritos no IEFP está agora no valor mais baixo dos últimos 28 anos?
Pois foi. Também vi essa notícia. Essa boa notícia. Só que… há sempre o diabo
dos detalhes.
Face
a tão dramática descida do desemprego lembrei-me de ir ver os números do INE
sobre população empregada e desempregada e fazer uma comparação simples: como
estamos hoje, como estávamos há 10 anos, em 2009. Mês de referência, o último
disponível. Confesso que não esperava encontrar aquilo que encontrei.
Em
Abril deste ano havia 4,82 milhões de portugueses empregados entre os 15 e os
74 anos. E em Abril de 2009 o número era de… 4,82 milhões. Ou seja a população
empregada hoje é igual à de há 10 anos. E a desempregada? Aí a diferença é
substancial: 347 mil desempregados hoje, 757 mil há dez anos. A fiar-me nestes
números o mercado de trabalho terá perdido mais de 400 mil trabalhadores em 10
anos.
As
consequências desta realidade para o crescimento da economia são dramáticas. Se
associarmos a este “encolhimento” do mercado de trabalho uma produtividade
estagnada, essa teimosa realidade que os desmancha prazeres dos Banco de
Portugal nos vieram agora mesmo
relembrar, e uma demografia cada vez mais desfavorável – em dez
anos, de 2008 para 2018, o número de idosos por cada 100 jovens passou de 115
para 157… –, temos um cenário bem sombrio. Mesmo com um Governo mais amigo do
crescimento a situação já seria difícil, com uma maioria política que passa os
dias a criar formas de dificultar o investimento privado e a maldizer as
empresas não escaparemos a um futuro cada vez mais na cauda na Europa.
Mas
claro que isto sou eu a dizer, um dos asnos pessimistas e desconfiados que
recentemente até foi para a fila à porta de uma Loja do Cidadão antes de ela
abrir, e que assim lá conseguiu ser atendido ao fim de umas horas. Se tivesse a
presciência e o discernimento da senhora secretária de Estado teria chegado só
à hora de ela abrir para depois ficar a saber que, entretanto, as senhas tinham
acabado, como aconteceu a quem confiou no “espelho meu” onde o país reflectido
surge sempre perfeito.
Por
enquanto mesmo o país que resmunga não gosta no fundo de se ver ao espelho,
ainda vai preferindo a fábula desse “espelho meu”. Como muitas histórias de
embalar, a fábula vai dando para adormecer e esquecer inquietações. Até um dia.
Que pode nem estar muito longe: afinal já somos o terceiro país do mundo onde
os cidadãos menos acreditam que o Governo decide em função do interesse comum…
Portugal na liga dos últimos /premium
A economia pouco cresce. Mas o
discurso oficial ignora a existência dos desafios económicos e não reage ao
facto de, comparativamente aos seus parceiros europeus, Portugal estar a ficar
para trás.
Apenas
7 países europeus têm um PIB per capita (em paridades de poder de compra)
abaixo do português – Bulgária, Croácia, Roménia, Grécia, Letónia,
Hungria e Polónia. Este resultado refere-se a 2018, o segundo ano
consecutivo em que o país se afastou da média europeia neste indicador. Desde
2015, Portugal foi ultrapassado por três países – Estónia, Lituânia e
Eslováquia. A perspectiva para 2019 é que o fosso português se
continue a cavar. A Comissão Europeia estima que a economia
portuguesa cresça cerca de 1,7%. Na
Europa dos 28 países, há 9 que crescerão menos. O ponto é
que esses 9 são as economias mais fortes do continente europeu, como a Alemanha
(0,5%), a França (1,3%), a Itália (0,1%), a Holanda (1,6%) ou a Áustria (1,5%).
Isto alerta para dois problemas iminentes. Primeiro, o crescimento frágil dos
países que são o motor económico da UE pode ser o anúncio de uma eventual
crise. Segundo, o nosso país continuará a ser ultrapassado no PIB per capita
pelos países do leste acima referidos, na medida em que todos (repito: todos,
sem excepção) estão a crescer mais depressa do que nós. Aliás, alguns estão a
crescer o dobro (Bulgária – 3,3%; Roménia – 3,3%; Hungria – 3,7%) e há quem já
não esteja longe de crescer num ano aquilo que Portugal demora três anos a
crescer (Polónia – 4,2%). Facto indesmentível: Portugal segue acelerado para a
cauda da tabela europeia e pertence cada vez mais à liga dos últimos.
Por
um lado, o crescimento económico em Portugal é muito insuficiente, nomeadamente
quando comparado ao dos países com que Portugal disputa posições nas
hierarquias europeias – como os dados acima demonstram. Mas, por outro lado, o
discurso oficial aponta completamente noutro sentido. Basta escutar o
primeiro-ministro. Primeiro, assinala estar-se acima da média europeia em taxa de crescimento
do PIB – o que, sendo verdade, se deve ao mau desempenho das economias mais
fortes, como as da Itália e da Alemanha, que puxam a média europeia para baixo. Depois, afirma que as metas portuguesas têm sido ambiciosas, por estarem acima da média
europeia – o que é sobretudo enganador, porque não há nada de ambicioso em
crescer a metade do ritmo da Roménia, da Bulgária ou da Polónia. Ou seja, o
discurso oficial não reage ao facto de, comparativamente aos seus parceiros
europeus, Portugal estar a ficar para trás –prefere manter ilusões de pujança
da economia portuguesa.
Note-se
que os últimos lugares europeus não são um exclusivo do desempenho da economia
portuguesa. Num outro caso comparado, foi recentemente divulgado que Portugal é
o país europeu que menos
cumpre as recomendações do Conselho da Europa no combate à corrupção.
Os números portugueses são péssimos e a comparação internacional um autêntico
sinal de alarme. No final de 2018, a Portugal faltava cumprir com 73% das
recomendações europeias – um desempenho ainda pior do que Turquia (70%), Sérvia
(59%) ou Roménia (44%), por exemplo. De resto, Portugal nem sequer ratificou a
Convenção sobre Corrupção e Lei Criminal, demonstrando de forma explícita a sua
falta de compromisso quanto a esta questão.
Esperar-se-ia que, num país onde um
ex-primeiro-ministro enfrenta tão graves acusações de corrupção, houvesse um maior enfoque no combate à
corrupção e na promoção da transparência no exercício de cargos públicos. Mas o
que há é precisamente o inverso. Primeiro, só agora, na preparação da próxima
legislatura, é que o primeiro-ministro elegeu o combate à corrupção como
prioridade política – uma forma de assumir que, até ao presente, essa
preocupação não existiu (o que é evidente). Segundo, e porque as acções falam
mais alto do que as palavras, as iniciativas legislativas do PS e do governo só
provam que as suas reais intenções seguem no sentido de um maior controlo
político da Justiça – por exemplo, por via da proposta de acabar com a
equiparação entre a magistratura judicial e a magistratura do Ministério
Público, enfraquecendo os poderes de escrutínio a quem desempenha funções
políticas. Como bem explica Luís Rosa, “é
óbvio que o PS não quer lutar contra a corrupção”.
Dir-me-ão
que estes dois indicadores (crescimento económico e combate à corrupção)
representam apenas a ponta do icebergue. Sim, é longa a lista de áreas onde nos
destacamos pela negativa e em que caímos para a cauda das comparações
internacionais – por exemplo, há dois dias foi também divulgado um relatório
internacional que coloca Portugal como o terceiro país do mundo onde menos se confia no
governo. Mas pior do que ter estes desafios pela frente é
mesmo constatar que, no discurso político, todos eles são sucessivamente
ignorados. É elementar que a resolução de um problema depende, primeiro, do seu
reconhecimento – e não só isso não está a ser feito, como o discurso oficial se
tem alicerçado na percepção de que tudo está bem e que os desempenhos
portugueses são muito positivos. Claro que um dia será impossível disfarçar
estes e outros problemas estruturais – na economia, na Justiça, no sistema
político. O problema é o de sempre: quando esse dia fatal chegar, já pouco
restará a fazer para prevenir os piores cenários e respectivas consequências.
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