terça-feira, 30 de julho de 2019

E pur si muove



Mais um texto brilhante de Clara Ferreira Alves, que conhece bem a matéria de que somos feitos, - nós, povo português - além da sua vasta ciência em torno da matéria de que outros povos também o são. É sempre um prazer lê-la e constatar a sua cultura, não só livresca como viageira, e a sua arte de especialista crítica e de dominadora da palavra escrita e oral, embora desta última não se trate aqui hoje. Só podemos concordar e saborear tão elaborada e honesta prosa, e apenas ansiando por que ela própria, CFA, se não tenha já deixado envolver por outras teorias, dos tempos em que era de bom tom ser-se contrário às opiniões mais conservadoras da ordem e da ética, que parece demonstrar agora seguir com idêntico empenho com que outrora defendeu Sócrates e acompanhou Soares com veneração.
Eu só sei que saboreio cada uma das suas frases, enquanto a vou copiando para o meu blog, para mais tarde recordar, conquanto esse mais tarde esteja cada vez mais próximo.
Por outro lado, procuro levantar o moral em torno de figuras pátrias que tentaram erguer Portugal do atoleiro semelhante ao de hoje, mau grado os ouropéis das diferenças no nosso "este".
Lembrei-me de Salazar, como exemplo de português salvador da nação - fértil em atoleiros por deficiência de orientação política - e encontrei, na Internet, o trabalho de mestrado de uma aluna de Ciências Sociais, na especialidade de Estratégia–  «ANTÓNIO OLIVEIRA SALAZAR ENQUANTO LÍDER ESTRATÉGICO - UMA ABORDAGEM HOLÍSTICA À SUA LIDERANÇA ESTRATÉGICA” apresentado por Inês Garcia Aluna número 212167 Trabalho para aprovação na Unidade Curricular de Liderança Estratégica no âmbito do Mestrado em Ciências Sociais na especialidade de Estratégia Lisboa 2015. A aluna Inês Garcia não teve receio de reconhecer, em Salazar, o estratega como reconhecido salvador da nação, e o confirmar com largas provas de objectividade e rigor.
Sim, não vamos falar nisso, admiremos apenas a escrita superior da brilhante autora de “A Pluma Caprichosa”. E, como texto de apoio aos seus razoados, lembrei-me também de um texto que em tempos transpus no meu blog, texto que me fora enviado por João Sena, e que recoloco, como exemplo dignificante do nosso virtuosismo governativo.

PARADINHOS
CLARA FERREIRA ALVES
REVISTA A: “A PLUMA CAPRICHOSA”, EXPRESSO, 22/6/19
Nunca discutimos o futuro por duas razões. Porque temos medo dele e porque não estamos preparados para ele.

Todos os dias o mundo explode em novidades, intercepções, descobertas, invenções que mudarão as nossas vidas. E aqui estamos nós, no estrito circuito da discussão política, discutindo o passado, não uma e duas vezes mas todas as vezes. Agarrados ao passado. A discussão sobre o que aconteceu, o que foi decidido, a recuperação salarial do tempo perdido, a revisitação dos erros e dos actores, que continuam por aí, repetindo os erros. No dia em que soubemos que Mark Zuckerberg, Citixen Kane 2.0, tenciona usar um instrumento financeiro que Silicon Valley inventou em segredo, Libra, para continuar a dominar o mundo e os cidadãos, ultrapassando os sistemas conhecidos de comunicação e transmissão, em Portugal olhamos o rosto compungido de um banqueiro ou de um desses caciques partidários rodeado de dinossauros que ainda não perceberam a era da extinção.. Enquanto certa intelligentsia portuguesa entra em apoplexia com a opinião que não é de esquerda, como era costume.
O mundo passa-nos e nós no século XX, segunda metade, alheados do que acontece fora do canto abençoado, irremediavelmente provincianos e atrasados no diagnóstico, no conhecimento, na ambição.
Nunca discutimos o futuro por duas razões: porque temos medo dele e porque não estamos preparados para ele. Todo o desígnio de desenvolvimento em Portugal foi e continua a ser estático. Não se construíram o aeroporto nem os comboios de alta velocidade porque não eram precisos, não se alargaram as estações de metro porque bastavam as existentes, não se pensou num modelo de mobilidade que dispensasse o transporte individual automóvel, não se construiu em altura porque a mancha suburbana caótica e inabitável protegia o casario “típico” de cidades com bairros atípicos, não se deu o famoso salto tecnológico, não se encarou a novidade, chame-se ela Uber ou Revolut, porque se acha que o futuro pode ser detido por multas, represálias e ameaças, não se planeou a floresta de modo a evitar incêndios e catástrofes, não se planearam as alterações climáticas, não se canalizaram e racionalizaram recursos como a água, porque não se pensou no assunto, não se rentabilizaram os portos porque era mais fácil vendê-los, não se pensou na curva demográfica porque não (quem pensa nessas coisas?), não se impediu a destruição da metalomecânica, que era de qualidade internacional, porque se achou que a metalomecânica estava obsoleta, não se cuidou de proteger as empresas vitais porque a ganância de barões partidários e apparatchicks, capitães da indústria desqualificados e seus p+arceiros na banca mais não fizeram do que destruir riqueza e socializar a dívida. Milhares e milhões para o futuro pagar.
Arrastamo-los no patíbulo da humilhação, sabendo que nada mudará porque não soubemos administrar, nem planear nem prever, e muito menos estudar o futuro. Portugal é um barco que navega à vista, desde o tempo do império, e os portugueses estão à mercê dos outros, de forças e organizações alheias e estrangeiras, de movimentos sísmicos que não sabemos prever. Estamos sempre à espera da próxima crise, com um encolher de ombros fatalista.
Nos últimos anos, tudo mudou. a tecnologia e o chamado progresso são hoje um ciclo rapidíssimo de invenção e inovação, e temos de perguntar se os nossos políticos acompanham ou não essa velocidade, se estão ou não preparados para o futuro e para o conhecer e controlar. Sem a Europa, Portugal seria um naufrágio, e é estranho pensar que a esquerda portuguesa acha que fora da Europa, jangada navegando os mares encapelados do avanço tecnológico, e da inteligência humana e artificial, poderíamos sobreviver. Com a nossa fraca moeda nacional, as nossas limitações e a nossa vocação para negociar com países nada recomendáveis, numa economia de salve-se quem puder, sem regras. Uma idade pós imperial em que vendemos tudo o que temos, como as famílias arruinadas vendendo os garfos de prata e as molheiras dos avós. Temos a mania de que o nosso talento para fazer de estalajadeiros, anfitriões de todas as web summits, cimeiras e encontros do mundo avançado, nos qualifica como actores do futuro. Não qualifica. O país continua atrasado e na miséria, convencido de que poderá sobreviver à custa dos turistas, que vão baixando de nível como aconteceu numa Barcelona destruída pelos predadores, sobrevivendo à custa da capacidade de improviso, à custa de alianças espúrias, à custa da venda dos bens e das propriedades. Nada disto será suficiente, com a nossa média de fecundidade em 1,3 filhos. Quem pagará o Estado social do futuro? As pensões do futuro? A educação e a saúde do futuro? Os velhos e os doentes mais o resto dos pensionistas? Os refugiados acolhidos que fogem de Portugal para países prósperos, os jovens quadros que enchem as ruas e empresas de capitais estrangeiras? Os funcionários públicos que tanto espaço ocupam nas preocupações do primeiro ministro, que remete o crescimento económico para a alínea do “depois logo se vê”? E no intervalo da anomia, perpassa mais um desses rostos compungidos do passado, um desses que destruíram a riqueza e hoje recebem pensões de milhares de euros, em Portugal o crime compensa. As avestruzes prometem mundos e fundos enquanto enterram a cabeça na areia, é ano de eleições. Porque não hão-de os procuradores ganhar mais do que o primeiro ministro? Isto faz sentido? Em Portugal faz, é ano de eleições.
Os nossos insuficientes políticos não estão capacitados para saber tudo o que deviam saber. Numa entrevista ao “Financial Times”, Armin Sarkissian, o presidente da Arménia, um pequeno país com uma geografia ingrata, deu uma lição de sapiência e inteligência. Físico teórico de profissão, disse que entrámos num paradigma de “quantum politics” Tudo muda o tempo todo, mudando os jogadores e as regras do jogo. Tudo muda num instante, nada é estável, porque todo o pensamento é participado. A fragmentação e a incerteza são inevitáveis. Este presidente, um cientista, percebeu a disrupção do futuro. E nós por cá todos bem, discutindo sentados nos bancos do passado enquanto a Libra nos chega do futuro.»

TEXTO DE APOIO
(< Poramaisb)
SÁBADO, 16 DE JANEIRO DE 2016
Estou aliviada
Um email enviado por João Sena
Assunto: A reestruturação da dívida foi feita pelo Costa e Centeno
COSTA REESTRUTUROU A DÍVIDA E NINGUÉM VIU. João Vasco de Almeida | jornal Tornado | 12.1.2016
Nesta segunda feira, 11, às seis da tarde, enquanto o planeta se curvava sobre Bowie, António Costa e Centeno reestruturavam a dívida portuguesa. Ninguém viu. Ninguém, vírgula. André Tanque Jesus, um jovem jornalista do Jornal de Negócios, escreveu a notícia (*), mas deixou de lado este gigantesco pormenor. O que aconteceu foi simples: o Estado disse ao FMI que em vez de pagar 10 mil milhões este ano, só paga um terço. Para o ano, em vez de 6,9 mil milhões, o credor só leva 2,5. E em 2018 e 2019, anos em que não havia pagamentos a fazer, lá se dará o resto que falta a Nova Iorque.
Passou de mansinho esta mega operação de milhares de milhões. Numa penada, Centeno atirou para os anos em que não se sabe se o governo ainda será do PS o pagamento gordo, ficando com a módica folga de 11.1 mil milhões de euros, que pode agora gerir com lucro para o Orçamento de Estado. Numa penada, enquanto o mundo cantava Lazarus, Costa e Centeno fizeram o seu Changes, entre os pingos do luto e da maçadora campanha presidencial.
Não se discutiu nada em público, não houve terramotos nos mercados, não se iniciou um debate onde Passos e Maria Luís teriam a tentação de gritos lancinantes. Ninguém apontou o dedo nem o BE ou o PCP vieram a cantar vitórias. Garcia Pereira não se manifestou contra Arnaldo de Matos nem este escreveu no Luta Popular que o culpado era aquele.
Resumindo e concluindo: se não se souber muito, o mundo corre e é da política o que é da política. Se é bom, isso cabe aos analistas de economia e finanças. Andam aí muitos. Que expliquem se puderem...
OBS: Porém, há uma coisa que não precisa de explicação porque é de fácil constatação: este governo não é de garotos canalhas e impreparados; este governo faz prova da boa gestão dos recursos financeiros disponíveis; este governo não lambe as nádegas a Merkel nem a Schäuble nem lhes deve satisfações; este governo não faz propaganda nem alarde do que tem de ser feito o que só está à altura de quem é competente e coloca a política a dirigir a economia, e não o contrário; e, por último, este governo não inventa "almofadas" e outras sabujices da corja do anterior (des)governo.
Ainda me lembro dos espasmos dos profissionais do jornalixo que houve por aí na imprensa de sarjeta e mais os comentadeiros e paineleiros do costume nas TVs, quando Sócrates disse em Paris em Dezembro de 2011 que «Pagar a dívida é ideia de criança. As dívidas do Estado são por definição eternas. As dívidas gerem-se. Não houve quem dessas bestas ignorantes não tivesse rido de Sócrates por ter dito que as dívidas eram para ser geridas e não para serem pagas na totalidade pois elas serão sempre pagas com a emissão de nova dívida.
Todavia, em Janeiro de 2014 e numa entrevista à Revista do Expresso, à pergunta feita a Horta Osório sobre se «Portugal vai conseguir pagar a dívida?», a resposta do banqueiro presidente do Lloyds Bank (grande actuante no mercado) provocou um silêncio tumular aos que comentaram e riram antes e ao mesmo tempo enormes gargalhadas - eu incluído - sobre aqueles que tinham rido de Sócrates. E o que disse Horta Osório? Simplesmente a mesmíssima coisa por outras palavras:
«O importante não é pagar a dívida, mas que a dívida se mantenha dentro de rácios razoáveis em relação à riqueza criada (PIB). Enquanto os particulares devem pagar as dívidas ao longo do seu ciclo de vida, as empresas e os Estados, que não têm um ciclo de vida, não precisam de o fazer. Têm é de pagar o serviço de dívida [juros].


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