Mais um texto brilhante de Clara Ferreira Alves, que
conhece bem a matéria de que somos feitos, - nós, povo português - além da sua vasta
ciência em torno da matéria de que outros povos também o são. É sempre um
prazer lê-la e constatar a sua cultura, não só livresca como viageira, e a sua
arte de especialista crítica e de dominadora da palavra escrita e oral, embora
desta última não se trate aqui hoje. Só podemos concordar e saborear tão
elaborada e honesta prosa, e apenas ansiando por que ela própria, CFA, se não tenha
já deixado envolver por outras teorias, dos tempos em que era de bom tom ser-se
contrário às opiniões mais conservadoras da ordem e da ética, que parece
demonstrar agora seguir com idêntico empenho com que outrora defendeu Sócrates
e acompanhou Soares com veneração.
Eu só sei que saboreio cada uma das suas
frases, enquanto a vou copiando para o meu blog, para mais tarde recordar, conquanto
esse mais tarde esteja cada vez mais próximo.
Por outro lado, procuro levantar o moral
em torno de figuras pátrias que tentaram erguer Portugal do atoleiro semelhante
ao de hoje, mau grado os ouropéis das diferenças no nosso "este".
Lembrei-me de Salazar, como exemplo de português salvador da
nação - fértil em atoleiros por deficiência de orientação política - e
encontrei, na Internet, o trabalho de mestrado de uma aluna de Ciências
Sociais, na especialidade de Estratégia– «ANTÓNIO
OLIVEIRA SALAZAR ENQUANTO LÍDER ESTRATÉGICO - UMA ABORDAGEM HOLÍSTICA À SUA LIDERANÇA
ESTRATÉGICA” apresentado por Inês
Garcia Aluna número 212167 Trabalho para aprovação na Unidade Curricular
de Liderança Estratégica no âmbito do Mestrado em Ciências Sociais na
especialidade de Estratégia Lisboa 2015. A aluna Inês
Garcia não teve receio de reconhecer, em Salazar, o estratega como
reconhecido salvador da nação, e o confirmar com largas provas de objectividade
e rigor.
Sim, não vamos falar nisso, admiremos apenas a escrita superior da brilhante
autora de “A Pluma Caprichosa”. E, como texto de apoio aos seus razoados,
lembrei-me também de um texto que em tempos transpus no meu blog, texto que me
fora enviado por João Sena,
e que recoloco, como exemplo dignificante do nosso virtuosismo governativo.
PARADINHOS
CLARA FERREIRA
ALVES
REVISTA A:
“A PLUMA CAPRICHOSA”, EXPRESSO, 22/6/19
Nunca discutimos o futuro por duas
razões. Porque temos medo dele e porque não estamos preparados para ele.
Todos
os dias o mundo explode em novidades, intercepções, descobertas, invenções que
mudarão as nossas vidas. E aqui estamos nós, no estrito circuito da discussão
política, discutindo o passado, não uma e duas vezes mas todas as vezes.
Agarrados ao passado. A discussão sobre o que aconteceu, o que foi decidido, a
recuperação salarial do tempo perdido, a revisitação dos erros e dos actores,
que continuam por aí, repetindo os erros. No dia em que soubemos que Mark Zuckerberg,
Citixen Kane 2.0, tenciona usar um instrumento financeiro que Silicon Valley
inventou em segredo, Libra, para continuar a dominar o mundo e os cidadãos,
ultrapassando os sistemas conhecidos de comunicação e transmissão, em Portugal
olhamos o rosto compungido de um banqueiro ou de um desses caciques partidários
rodeado de dinossauros que ainda não perceberam a era da extinção.. Enquanto
certa intelligentsia
portuguesa entra em apoplexia com a opinião que não é de esquerda, como era
costume.
O
mundo passa-nos e nós no século XX, segunda metade, alheados do que acontece
fora do canto abençoado, irremediavelmente provincianos e atrasados no
diagnóstico, no conhecimento, na ambição.
Nunca
discutimos o futuro por duas razões: porque temos medo dele e porque não
estamos preparados para ele.
Todo o desígnio de desenvolvimento em Portugal foi e continua a ser estático.
Não se construíram o aeroporto nem os comboios de alta velocidade porque não
eram precisos, não se alargaram as estações de metro porque bastavam as
existentes, não se pensou num modelo de mobilidade que dispensasse o transporte
individual automóvel, não se construiu em altura porque a mancha suburbana
caótica e inabitável protegia o casario “típico” de cidades com bairros
atípicos, não se deu o famoso salto tecnológico, não se encarou a novidade,
chame-se ela Uber ou Revolut, porque se acha que o futuro pode ser detido por
multas, represálias e ameaças, não se planeou a floresta de modo a evitar
incêndios e catástrofes, não se planearam as alterações climáticas, não se
canalizaram e racionalizaram recursos como a água, porque não se pensou no
assunto, não se rentabilizaram os portos porque era mais fácil vendê-los, não
se pensou na curva demográfica porque não (quem pensa nessas coisas?), não se
impediu a destruição da metalomecânica, que era de qualidade internacional, porque
se achou que a metalomecânica estava obsoleta, não se cuidou de proteger as
empresas vitais porque a ganância de barões partidários e apparatchicks,
capitães da indústria desqualificados e seus p+arceiros na banca mais não
fizeram do que destruir riqueza e socializar a dívida. Milhares e milhões para
o futuro pagar.
Arrastamo-los
no patíbulo da humilhação, sabendo que nada mudará porque não soubemos
administrar, nem planear nem prever, e muito menos estudar o futuro. Portugal é
um barco que navega à vista, desde o tempo do império, e os portugueses estão à
mercê dos outros, de forças e organizações alheias e estrangeiras, de
movimentos sísmicos que não sabemos prever. Estamos sempre à espera da próxima
crise, com um encolher de ombros fatalista.
Nos
últimos anos, tudo mudou. a tecnologia e o chamado progresso são hoje um ciclo
rapidíssimo de invenção e inovação, e temos de perguntar se os nossos políticos
acompanham ou não essa velocidade, se estão ou não preparados para o futuro e
para o conhecer e controlar. Sem a Europa, Portugal seria um naufrágio, e é
estranho pensar que a esquerda portuguesa acha que fora da Europa, jangada
navegando os mares encapelados do avanço tecnológico, e da inteligência humana
e artificial, poderíamos sobreviver. Com a nossa fraca moeda nacional, as
nossas limitações e a nossa vocação para negociar com países nada
recomendáveis, numa economia de salve-se quem puder, sem regras. Uma idade pós
imperial em que vendemos tudo o que temos, como as famílias arruinadas vendendo
os garfos de prata e as molheiras dos avós. Temos a mania de que o nosso
talento para fazer de estalajadeiros, anfitriões de todas as web summits,
cimeiras e encontros do mundo avançado, nos
qualifica como actores do futuro. Não qualifica. O país continua atrasado e na
miséria, convencido de que poderá sobreviver à custa dos turistas, que vão
baixando de nível como aconteceu numa Barcelona destruída pelos predadores,
sobrevivendo à custa da capacidade de improviso, à custa de alianças espúrias,
à custa da venda dos bens e das propriedades. Nada disto será suficiente, com a
nossa média de fecundidade em 1,3 filhos. Quem pagará o Estado social do
futuro? As pensões do futuro? A educação e a saúde do futuro? Os velhos e os
doentes mais o resto dos pensionistas? Os refugiados acolhidos que fogem de
Portugal para países prósperos, os jovens quadros que enchem as ruas e empresas
de capitais estrangeiras? Os funcionários públicos que tanto espaço ocupam nas
preocupações do primeiro ministro, que remete o crescimento económico para a
alínea do “depois logo se vê”? E no intervalo da anomia, perpassa mais um
desses rostos compungidos do passado, um desses que destruíram a riqueza e hoje
recebem pensões de milhares de euros, em Portugal o crime compensa. As avestruzes
prometem mundos e fundos enquanto enterram a cabeça na areia, é ano de
eleições. Porque não hão-de os procuradores ganhar mais do que o primeiro
ministro? Isto faz sentido? Em Portugal faz, é ano de eleições.
Os
nossos insuficientes políticos não estão capacitados para saber tudo o que
deviam saber. Numa entrevista ao “Financial Times”, Armin Sarkissian, o
presidente da Arménia, um pequeno país com uma geografia ingrata, deu uma lição
de sapiência e inteligência. Físico teórico de profissão, disse que entrámos
num paradigma de “quantum politics” Tudo muda o tempo todo, mudando os
jogadores e as regras do jogo. Tudo muda num instante, nada é estável, porque
todo o pensamento é participado. A fragmentação e a incerteza são inevitáveis.
Este presidente, um cientista, percebeu a disrupção do futuro. E nós por cá
todos bem, discutindo sentados nos bancos do passado enquanto a Libra nos chega
do futuro.»
TEXTO DE APOIO
(< Poramaisb)
SÁBADO, 16 DE
JANEIRO DE 2016
Um email
enviado por João Sena
Assunto: A
reestruturação da dívida foi feita pelo Costa e Centeno
COSTA
REESTRUTUROU A DÍVIDA E NINGUÉM VIU. João Vasco de Almeida | jornal Tornado |
12.1.2016
Nesta
segunda feira, 11, às seis da tarde, enquanto o planeta se curvava sobre
Bowie, António
Costa e Centeno
reestruturavam a dívida portuguesa. Ninguém viu. Ninguém, vírgula. André
Tanque Jesus, um jovem jornalista do Jornal de Negócios, escreveu a notícia
(*), mas deixou de lado este gigantesco pormenor. O que aconteceu foi
simples: o Estado disse ao FMI que em vez de pagar 10 mil milhões este
ano, só paga um terço. Para o ano, em vez de 6,9 mil milhões, o credor só
leva 2,5. E em 2018 e 2019, anos em que não havia pagamentos a fazer, lá se
dará o resto que falta a Nova Iorque.
Passou
de mansinho esta mega operação de milhares de milhões. Numa penada, Centeno
atirou para os anos em que não se sabe se o governo ainda será do PS o
pagamento gordo, ficando com a módica folga de 11.1 mil milhões de euros, que
pode agora gerir com lucro para o Orçamento de Estado. Numa penada, enquanto
o mundo cantava Lazarus, Costa e Centeno fizeram o seu Changes, entre os
pingos do luto e da maçadora campanha presidencial.
Não
se discutiu nada em público, não houve terramotos nos mercados, não se
iniciou um debate onde Passos e Maria Luís teriam a tentação de gritos
lancinantes. Ninguém apontou o dedo nem o BE ou o PCP vieram a cantar
vitórias. Garcia Pereira não se manifestou contra Arnaldo de Matos nem este
escreveu no Luta Popular que o culpado era aquele.
Resumindo
e concluindo: se não se souber muito, o mundo corre e é da política o que é
da política. Se é bom, isso cabe aos analistas de economia e finanças. Andam
aí muitos. Que expliquem se puderem...
OBS:
Porém, há uma coisa que não precisa de explicação porque é de fácil
constatação: este governo não é de garotos canalhas e impreparados; este
governo faz prova da boa gestão dos recursos financeiros disponíveis; este
governo não lambe as nádegas a Merkel nem a Schäuble nem lhes deve
satisfações; este governo não faz propaganda nem alarde do que tem de ser
feito o que só está à altura de quem é competente e coloca a política a
dirigir a economia, e não o contrário; e, por último, este governo não
inventa "almofadas" e outras sabujices da corja do anterior
(des)governo.
Ainda
me lembro dos espasmos dos profissionais do jornalixo que houve por aí na
imprensa de sarjeta e mais os comentadeiros e paineleiros do costume nas TVs,
quando Sócrates disse em Paris em Dezembro de 2011 que «Pagar a dívida é
ideia de criança. As dívidas do Estado são por definição eternas. As dívidas
gerem-se. Não houve quem dessas bestas ignorantes não tivesse rido de
Sócrates por ter dito que as dívidas eram para ser geridas e não para serem
pagas na totalidade pois elas serão sempre pagas com a emissão de nova
dívida.
Todavia,
em Janeiro de 2014 e numa entrevista à Revista do Expresso, à pergunta feita
a Horta Osório sobre se «Portugal vai conseguir pagar a dívida?», a resposta
do banqueiro presidente do Lloyds Bank (grande actuante no mercado) provocou
um silêncio tumular aos que comentaram e riram antes e ao mesmo tempo enormes
gargalhadas - eu incluído - sobre aqueles que tinham rido de Sócrates. E o
que disse Horta Osório? Simplesmente a mesmíssima coisa por outras palavras:
«O
importante não é pagar a dívida, mas que a dívida se mantenha dentro de
rácios razoáveis em relação à riqueza criada (PIB). Enquanto os particulares
devem pagar as dívidas ao longo do seu ciclo de vida, as empresas e os
Estados, que não têm um ciclo de vida, não precisam de o fazer. Têm é de
pagar o serviço de dívida [juros].
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