Mais um artigo de AB que me parece magistral. Mas nem todos assim pensam. Daí,
o diálogo entre vários comentadores. Quanto à frase “É aos Estados, aos governos e aos parlamentos nacionais que compete
encontrar soluções”, não vejo em que esse facto anule a ideia de
democracia. Parece, pelo contrário, que respeita os poderes do povo de cada
nação. Talvez, ainda mal, nalguns casos, e o nosso parece ser um deles. Bem
precisaríamos, tantas vezes, de mestres a orientar…
OPINIÃO
A União vira o disco
Não existe uma democracia europeia,
muito menos uma cidadania europeia
PÚBLICO, 21 de Julho de 2019
Começou
a preparar-se o próximo governo da Europa. Nada é seguro, mas o início está aí.
Vão ser necessárias semanas para completar a Comissão. Ofendido, o Parlamento
tentará vingar-se. O mais provável é que não seja capaz de resolver o que
alguns esperam dele e da Comissão. As tarefas importantes dependem dos
Estados, não destes organismos vistosos e impotentes.
A escolha de Von
der Leyen para
presidente da Comissão cumpre vários requisitos. É mulher.
É alemã. Faz a ponte entre este e oeste e entre esquerda e direita. É
protestante, depois de vários católicos. E garantiu uma
manutenção barata do bloco central europeu.
Segue-se
o arranjo macedónico da Comissão. A solução agora tentada desagradou
às esquerdas, que
acreditavam ser possível cozinhar um arranjo “à portuguesa”.
Também desagradou aos seráficos europeus que esperam que a União se transforme numa
instituição democrática. Merkel entrou vencida e saiu vencedora, apesar
de fraca. Macron provou existir, sem mais. Costa começou como ganhador, acabou
derrotado. Sánchez mais ou menos. Húngaros, polacos e italianos saíram felizes.
Como
é sabido, os eleitores portugueses e europeus votaram com entusiasmo: tinham de
escolher entre Weber, Timmermans, Zahradil, Vestager, Cué e Keller, como se
fossem seus conhecidos. E foram enganados, porque lhes saíram na
rifa outros, combinados entre partidos, como deve ser. A solução adoptada não
estava prevista na campanha eleitoral. Como antes.
Os
descontentes não têm razão de queixa. Fez-se o que sempre se fez. Nem pior nem
melhor. Representatividade? Transparência? Direitos do Parlamento
Europeu? Estamos a falar de ficção, não de realidade. Alguém pensa que os anteriores presidentes da União
tiveram um vestígio de democracia? Esta
senhora foi eleita como os anteriores, Juncker, Barroso, Santer, Delors e
outros: os Estados, os poderes mais fortes e as economias mais robustas ditaram
as soluções.
Custa, aliás, imaginar que deveria ser de outro modo. Num continente como o europeu, com a sua
história e a sua diversidade, não se vê como poderia funcionar a democracia tal
como os querubins desejariam, com eleições directas e globais. Não existe uma
democracia europeia, muito menos uma cidadania europeia.
Não
foi possível virar a página, ainda bem. Pior ainda é se a União vira o disco e
toca o mesmo – o que já não é possível. Depois do
“Brexit”, dos gestos persecutórios dos governos italiano e húngaro e das
ameaças do grupo de Visegrado, o que vem a seguir não se sabe se é igual ou é diferente. Mas pode ser mais um passo na direcção da
implosão. De qualquer modo, a principal lição
a retirar desta eleição é a de que as eleições europeias ou federais não são a
solução para nenhum problema real da Europa ou da União. É aos
Estados, aos governos e aos parlamentos nacionais que compete encontrar
soluções.
A eleição da presidente resultou de discussões
secretas, intrigas, relações de força e soluções de recurso.
Como sempre! O facto de terem sido anunciados, previamente, nomes de candidatos
nada muda. Na União, foi sempre assim: as soluções são negociadas e a força dos
principais Estados é decisiva. A
estrutura da União não é democrática, nunca foi. Resulta da democracia, mas não
é democrática. Os que sonhavam com uma solução “portuguesa” para a União, um
arremedo de negociações à esquerda, contra o PPE e contra a Alemanha,
eventualmente contra a Itália, a Polónia e a Hungria, obrigando Macron, que não
é de esquerda, a portar-se como se fosse, sonhavam com noites de Verão à beira
mar.
As
negociações para a distribuição dos despojos foram fenomenais. Falou-se de
pessoas, negociaram-se pessoas. Falou-se de partidos, negociaram-se lugares.
Discutiu-se distribuição, repartição e benefícios partidários. Nunca, que se
saiba, se discutiu a Europa, as estruturas de decisão, a federação, a
uniformidade, a imigração, os refugiados, as relações com a China ou os Estados
Unidos. Não se debateu a defesa. Houve umas vagas alusões às questões de
direitos humanos. E discutiram-se as longínquas mudanças climáticas. A Europa e
a UE acabam de dar ao mundo um sinal de que não se libertarão tão cedo: este é
um negócio de Estados!
A
Europa e a União foram longe de mais. Furtivamente. Durante anos, foram
pequenos passos, muitos pequenos passos, mas acabou por ser um enorme percurso,
demasiado, como se vê. Não existe uma coisa chamada “cidadania europeia”.
Existem cidadanias nacionais na Europa. E é assim que deve ser. A União não tem
força suficiente para evitar ou tratar das forças centrífugas. Estas aumentam
com a integração.
A União não enveredou por uma via
democrática pela simples razão que não podia nem devia. Felizmente que assim é.
Outra coisa é pensar que a União está bem. Não está. Encontra-se em crise
essencial. Os próximos anos podem
facilmente ser a oportunidade para mais uma ou outra ruptura, um ou outro
abandono. Os fanáticos, os aficionados e os crentes não reconhecem os seus próprios
erros, acusam os inimigos da Europa, os fascistas, os racistas, os xenófobos,
os “soberanistas” e os nacionalistas. Como sempre, cometem um dos mais velhos
vícios da política e dos jogos: a culpa é dos outros. Contra os virtuosos, os
outros são bandidos. Contra os democratas imaculados, os outros são
nacionalistas. A culpa dos
populismos, por exemplo, é dos fascistas, do capitalismo e dos racistas. A culpa do nacionalismo é do populismo. A
culpa dos problemas de imigração é do populismo e do nacionalismo. Já se
percebeu que a qualidade e o rigor dos debates que resultam destes pontos de
partida estão abaixo de zero.
Onde nasce, o que faz o populismo? Os
populistas, com certeza. Os seus interesses, lícitos ou não, com o objectivo
primordial de destruir os sistemas de governo e afastar os partidos que os
alimentam. Mas têm ajudas decisivas. A confusão entre União e democracia é uma
delas. A incapacidade de olhar com realismo para as migrações é um sólido
contributo para a xenofobia. O globalismo também. A permanente tentativa de
liquidar as identidades nacionais e promover o federalismo é um dos principais
factores de promoção do nacionalismo de direita ou de esquerda, sobretudo do
primeiro. E vale a
pena recordar um velho princípio: os nossos erros são alimento e força dos
nossos inimigos. Mas os anjos europeus não acreditam nisso. Não vêem os
seus erros.
Não há muitas dúvidas: está-se melhor
na Europa do que fora. Mas é necessário ter presente que a Europa não protege,
integra. Reforça, mas não legitima. Ajuda, mas não defende.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
Jose Luis Malaquias, Figueira da Foz: A democracia e a cidadania europeias não
são impossíveis. Terão é de esperar pelo desaparecimento destes velhos do
restelo para poder florescer. O populismo nasce é da falta de democracia da
União Europeia que favorece quem tem recursos para actuar nos bastidores, longe
do escrutínio público.
Visitante da Noite. En un lugar de La
Mancha, ou por aí perto 21.07.2019: A UE não é uma democracia. E não há mais
democracia na UE porque os malévolos representantes dos estados-membros preferem
urdir conspirações durante as quais são eleitos os dirigentes dos órgãos da UE.
Mas ainda bem. E também não há uma cidadania europeia. Mas é melhor assim. Mas
cuidado que a Europa vai mal. Mas é melhor estar dentro do que fora porque
apesar de tudo não é assim tão mau. O autor teve um surto de esquizofrenia e
escreveu isto ou é incapaz de exprimir claramente o seu ponto de vista?
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta 21.07.2019: Eu tb acho que o "apesar de ser uma ditadura é
melhor dentro do que fora" reflecte tv não esquizofrenia mas certamente um
síndroma de Estocolmo. Estas patologias resolvem-se com referendos a assinar o
artigo 50: seria a opção democrática.
EuQuixote, Olhão 21.07.2019 Uma visão
realista com análise um pouco pessimista dos meandros da UE. Dá-me a ideia de
que é assim como o AB entende, desde sempre. Sim, é pena que não melhore, mas
nos tempos que correm, se a UE se mantiver como tem sido, deveremos dar graças.
A Europa, no cúmulo da liberdade, da democracia, dos direitos e da qualidade de
vida, não se lembra de tanto tempo sem guerras, sem déspotas e sem miséria! O
querer sempre mais e melhor é normal, eventualmente instintivo, não devemos no
entanto esquecer o passado e temer o regresso ao mesmo, já que isso só nos
trará desgraça.
Alforreca Passista 2, Anti-€uro Fascistas21.07.2019:
"Não
existe uma democracia europeia, muito menos uma cidadania europeia." ----
E não é que o subsidiado do Pingo Doce tem razão!!!
Jose, 21.07.2019: O homem é um
Conservador e até já foi mesmo reaccionário, mas nunca foi destituído, excepto
no pouco tempo em que por deslumbramento se convenceu que era revolucionário,
Caro Alforreca Passista 2.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta 21.07.2019: AB tem sem dúvida razão! Tv a solidez da sua formação
académica e experiência como investigador do Instituto de Pesquisas das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Social ajude a explicar a clareza com que vê para
lá das aparências e conveniências das elites políticas europeistas. É assim que
nos anos 80 ele regressa à Universidade de Genebra para se doutorar em
Sociologia.
Mendonça, Kiribati 21.07.2019 14:45
Um texto completamente malévolo. Ou
escrito pela ignorância mais facciosa, ou propositadamente para enganar
ignorantes. Exigir uma performatividade democrática perfeita a um projecto
ainda em construção, sensível como é a UE quando quer Unir Nações livres,
democráticas, com uma pluralidade de visões politicas próprias e interesses
muito específicos, é de um facciosismo quase alucinado. Esta gente birrenta lembra
aqueles pequenotes irredutíveis em negação - mas a opinião é livre e até é bom
que surjam aqui e ali estas coisas para lembrar que isto não deve ser tomado
por adquirido. E que aos inimigos reais se podem sempre juntar as birras destes
pequenotes.
TP, Leiria 21.07.2019: Não é novidade
nenhuma que AB defende uma Europa de Nações a la Salvini! Nem que para isso ele
tem que inventar umas mentiras sobre a UE
Fowler Fowler, 21.07.2019 Exactissimamente! Barreto,
António, o disco riscado, (de)lyrics, 3ª ed., United Kingdom, 1979.
TP Leiria 21.07.2019: Gostava de
saber o que acha o Jonas da diminuição da liberdade de imprensa no RU por causa
do Brexit. Ontem uma carta foi enviada ao Governo por um consórcio de
jornalistas e defensores da liberdade que têm sido constantemente ameaçados com
processos por criticarem o Brexit e por defenderem a UE. Arron Banks, um dos
maiores financiadores do Brexit ameacou agora a Netflix por esta ter emitido um
documentário sobre o papel da Cambridge Analitics no Brexit. O Jonas que é tão
defensor do Brexit devia explicar o porquê do Brexit estar na verdade a tornar
o UK um pais mais ditador e menos democrático.
Choninhas Chanfrado, New Iorque | Professor
Catedrático com um currículo impressionante . 21.07.2019: Acho muito bem.
Não se pode pôr em causa valores maiores como a libertação do UK das amarras do
euro por causa duns fala-barato que gostam de escrever tudo o que lhes vem à
cabeça minando o interesse maior do UK.
Jose, 21.07.2019: António Barreto
reafirma o que diz, há muito, sobre a UE. Que não é democrática no método de
construção dos poderes. Que os poderes negociados podem pouco. Que não existe
"cidadania europeia". Que a imposição dos poderes fáticos instalados
geram e alimentam os nacionalismos e a desagregação. A tudo isso, que está
certo, acrescento que a irrelevância dos países europeus no mundo ficará a
dever-se a esta aventura castrante. Cada Estado que mergulha nessa
submissão deixa de fazer por si e para si o que só ele pode fazer. Todos ficam
à espera que a "Europa" faça por eles. Essa ratoeira é fatal. Os
países dessa UE perderam a iniciativa, deixaram de ser inovadores, inventivos,
não criam o novo, não possuem nenhum salto inventivo que os faça ser competitivos
na economia global. Em 2050 não há UE.
Carlos Brígida, Alges 21.07.2019: O António Barreto tem escrito artigos excelentes, ao
longo desta 'nova série' de artigos semanais. Na minha opinião, sobre os
assuntos abordados, o melhor que tem sido escrito na imprensa portuguesa (e
como seria de esperar, sem continuidade por outros, nos media ou nos meios
institucionais). Já sobre a Europa, discordo e acho que são artigos fracos,
para justificar uma atitude estabelecida a priori. Como este, em que se faz tábua-raza
da história milenar da Europa (que obviamente AB conhece muito bem): da Guerra
dos Cem Anos à 2ª Guerra Mundial, passando por infinitas outras. Sem a Europa,
os países europeus auto-destroem-se.
TP Leiria 21.07.2019:
Mas a União é uma Instituição? Que eu saiba não!
Joao Portugal 21.07.2019: Boa caricatura
que ilustra na perfeição a tramóia de interesses a que nós andamos a reboque.
Joao, Portugal 21.07.2019: Caro TP, esta é
mais uma diferença das nossas opiniões. Não, eu, ao contrário, gosto de saber,
analisar, ajuizar e definir o meu futuro.
Jonas Almeida Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta 21.07.2019: Não, andar a reboque nunca é bom: acaba-se a navegação
na doca seca onde o reboque nos quer levar para o abate.
TP Leiria 21.07.2019: E você sabe,
analisa, ajuíza e define o seu futuro. Até parece que o Jonas não gosta de ir
para o abate. Afinal é para lá que você leva a sua suposta 'sabedoria' sobre a UE.
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