segunda-feira, 22 de julho de 2019

Parece óbvio


Mais um artigo de AB que me parece magistral. Mas nem todos assim pensam. Daí, o diálogo entre vários comentadores. Quanto à frase “É aos Estados, aos governos e aos parlamentos nacionais que compete encontrar soluções”, não vejo em que esse facto anule a ideia de democracia. Parece, pelo contrário, que respeita os poderes do povo de cada nação. Talvez, ainda mal, nalguns casos, e o nosso parece ser um deles. Bem precisaríamos, tantas vezes, de mestres a orientar…
OPINIÃO
A União vira o disco
Não existe uma democracia europeia, muito menos uma cidadania europeia
PÚBLICO, 21 de Julho de 2019
Começou a preparar-se o próximo governo da Europa. Nada é seguro, mas o início está aí. Vão ser necessárias semanas para completar a Comissão. Ofendido, o Parlamento tentará vingar-se. O mais provável é que não seja capaz de resolver o que alguns esperam dele e da Comissão. As tarefas importantes dependem dos Estados, não destes organismos vistosos e impotentes.
escolha de Von der Leyen para presidente da Comissão cumpre vários requisitos. É mulher. É alemã. Faz a ponte entre este e oeste e entre esquerda e direita. É protestante, depois de vários católicos. E garantiu uma manutenção barata do bloco central europeu.
Segue-se o arranjo macedónico da Comissão. A solução agora tentada desagradou às esquerdas, que acreditavam ser possível cozinhar um arranjo “à portuguesa”. Também desagradou aos seráficos europeus que esperam que a União se transforme numa instituição democrática. Merkel entrou vencida e saiu vencedora, apesar de fraca. Macron provou existir, sem mais. Costa começou como ganhador, acabou derrotado. Sánchez mais ou menos. Húngaros, polacos e italianos saíram felizes.
Como é sabido, os eleitores portugueses e europeus votaram com entusiasmo: tinham de escolher entre Weber, Timmermans, Zahradil, Vestager, Cué e Keller, como se fossem seus conhecidos. E foram enganados, porque lhes saíram na rifa outros, combinados entre partidos, como deve ser. A solução adoptada não estava prevista na campanha eleitoral. Como antes.
Os descontentes não têm razão de queixa. Fez-se o que sempre se fez. Nem pior nem melhor. Representatividade? Transparência? Direitos do Parlamento Europeu? Estamos a falar de ficção, não de realidade. Alguém pensa que os anteriores presidentes da União tiveram um vestígio de democracia? Esta senhora foi eleita como os anteriores, Juncker, Barroso, Santer, Delors e outros: os Estados, os poderes mais fortes e as economias mais robustas ditaram as soluções. Custa, aliás, imaginar que deveria ser de outro modo. Num continente como o europeu, com a sua história e a sua diversidade, não se vê como poderia funcionar a democracia tal como os querubins desejariam, com eleições directas e globais. Não existe uma democracia europeia, muito menos uma cidadania europeia.
Não foi possível virar a página, ainda bem. Pior ainda é se a União vira o disco e toca o mesmo – o que já não é possível. Depois do “Brexit”, dos gestos persecutórios dos governos italiano e húngaro e das ameaças do grupo de Visegrado, o que vem a seguir não se sabe se é igual ou é diferente. Mas pode ser mais um passo na direcção da implosão. De qualquer modo, a principal lição a retirar desta eleição é a de que as eleições europeias ou federais não são a solução para nenhum problema real da Europa ou da União. É aos Estados, aos governos e aos parlamentos nacionais que compete encontrar soluções.
A eleição da presidente resultou de discussões secretas, intrigas, relações de força e soluções de recurso. Como sempre! O facto de terem sido anunciados, previamente, nomes de candidatos nada muda. Na União, foi sempre assim: as soluções são negociadas e a força dos principais Estados é decisiva. A estrutura da União não é democrática, nunca foi. Resulta da democracia, mas não é democrática. Os que sonhavam com uma solução “portuguesa” para a União, um arremedo de negociações à esquerda, contra o PPE e contra a Alemanha, eventualmente contra a Itália, a Polónia e a Hungria, obrigando Macron, que não é de esquerda, a portar-se como se fosse, sonhavam com noites de Verão à beira mar.
As negociações para a distribuição dos despojos foram fenomenais. Falou-se de pessoas, negociaram-se pessoas. Falou-se de partidos, negociaram-se lugares. Discutiu-se distribuição, repartição e benefícios partidários. Nunca, que se saiba, se discutiu a Europa, as estruturas de decisão, a federação, a uniformidade, a imigração, os refugiados, as relações com a China ou os Estados Unidos. Não se debateu a defesa. Houve umas vagas alusões às questões de direitos humanos. E discutiram-se as longínquas mudanças climáticas. A Europa e a UE acabam de dar ao mundo um sinal de que não se libertarão tão cedo: este é um negócio de Estados!
A Europa e a União foram longe de mais. Furtivamente. Durante anos, foram pequenos passos, muitos pequenos passos, mas acabou por ser um enorme percurso, demasiado, como se vê. Não existe uma coisa chamada “cidadania europeia”. Existem cidadanias nacionais na Europa. E é assim que deve ser. A União não tem força suficiente para evitar ou tratar das forças centrífugas. Estas aumentam com a integração.
A União não enveredou por uma via democrática pela simples razão que não podia nem devia. Felizmente que assim é. Outra coisa é pensar que a União está bem. Não está. Encontra-se em crise essencial. Os próximos anos podem facilmente ser a oportunidade para mais uma ou outra ruptura, um ou outro abandono. Os fanáticos, os aficionados e os crentes não reconhecem os seus próprios erros, acusam os inimigos da Europa, os fascistas, os racistas, os xenófobos, os “soberanistas” e os nacionalistas. Como sempre, cometem um dos mais velhos vícios da política e dos jogos: a culpa é dos outros. Contra os virtuosos, os outros são bandidos. Contra os democratas imaculados, os outros são nacionalistas. A culpa dos populismos, por exemplo, é dos fascistas, do capitalismo e dos racistas. A culpa do nacionalismo é do populismo. A culpa dos problemas de imigração é do populismo e do nacionalismo. Já se percebeu que a qualidade e o rigor dos debates que resultam destes pontos de partida estão abaixo de zero.
Onde nasce, o que faz o populismo? Os populistas, com certeza. Os seus interesses, lícitos ou não, com o objectivo primordial de destruir os sistemas de governo e afastar os partidos que os alimentam. Mas têm ajudas decisivas. A confusão entre União e democracia é uma delas. A incapacidade de olhar com realismo para as migrações é um sólido contributo para a xenofobia. O globalismo também. A permanente tentativa de liquidar as identidades nacionais e promover o federalismo é um dos principais factores de promoção do nacionalismo de direita ou de esquerda, sobretudo do primeiro. E vale a pena recordar um velho princípio: os nossos erros são alimento e força dos nossos inimigos. Mas os anjos europeus não acreditam nisso. Não vêem os seus erros.
Não há muitas dúvidas: está-se melhor na Europa do que fora. Mas é necessário ter presente que a Europa não protege, integra. Reforça, mas não legitima. Ajuda, mas não defende.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
Jose Luis Malaquias, Figueira da Foz:  A democracia e a cidadania europeias não são impossíveis. Terão é de esperar pelo desaparecimento destes velhos do restelo para poder florescer. O populismo nasce é da falta de democracia da União Europeia que favorece quem tem recursos para actuar nos bastidores, longe do escrutínio público.
Visitante da Noite. En un lugar de La Mancha, ou por aí perto 21.07.2019: A UE não é uma democracia. E não há mais democracia na UE porque os malévolos representantes dos estados-membros preferem urdir conspirações durante as quais são eleitos os dirigentes dos órgãos da UE. Mas ainda bem. E também não há uma cidadania europeia. Mas é melhor assim. Mas cuidado que a Europa vai mal. Mas é melhor estar dentro do que fora porque apesar de tudo não é assim tão mau. O autor teve um surto de esquizofrenia e escreveu isto ou é incapaz de exprimir claramente o seu ponto de vista?
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 21.07.2019: Eu tb acho que o "apesar de ser uma ditadura é melhor dentro do que fora" reflecte tv não esquizofrenia mas certamente um síndroma de Estocolmo. Estas patologias resolvem-se com referendos a assinar o artigo 50: seria a opção democrática.
EuQuixote, Olhão 21.07.2019 Uma visão realista com análise um pouco pessimista dos meandros da UE. Dá-me a ideia de que é assim como o AB entende, desde sempre. Sim, é pena que não melhore, mas nos tempos que correm, se a UE se mantiver como tem sido, deveremos dar graças. A Europa, no cúmulo da liberdade, da democracia, dos direitos e da qualidade de vida, não se lembra de tanto tempo sem guerras, sem déspotas e sem miséria! O querer sempre mais e melhor é normal, eventualmente instintivo, não devemos no entanto esquecer o passado e temer o regresso ao mesmo, já que isso só nos trará desgraça.
Alforreca Passista 2, Anti-€uro Fascistas21.07.2019: "Não existe uma democracia europeia, muito menos uma cidadania europeia." ---- E não é que o subsidiado do Pingo Doce tem razão!!!
Jose, 21.07.2019: O homem é um Conservador e até já foi mesmo reaccionário, mas nunca foi destituído, excepto no pouco tempo em que por deslumbramento se convenceu que era revolucionário, Caro Alforreca Passista 2.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 21.07.2019: AB tem sem dúvida razão! Tv a solidez da sua formação académica e experiência como investigador do Instituto de Pesquisas das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social ajude a explicar a clareza com que vê para lá das aparências e conveniências das elites políticas europeistas. É assim que nos anos 80 ele regressa à Universidade de Genebra para se doutorar em Sociologia.
Mendonça, Kiribati 21.07.2019 14:45
Um texto completamente malévolo. Ou escrito pela ignorância mais facciosa, ou propositadamente para enganar ignorantes. Exigir uma performatividade democrática perfeita a um projecto ainda em construção, sensível como é a UE quando quer Unir Nações livres, democráticas, com uma pluralidade de visões politicas próprias e interesses muito específicos, é de um facciosismo quase alucinado. Esta gente birrenta lembra aqueles pequenotes irredutíveis em negação - mas a opinião é livre e até é bom que surjam aqui e ali estas coisas para lembrar que isto não deve ser tomado por adquirido. E que aos inimigos reais se podem sempre juntar as birras destes pequenotes.
TP, Leiria 21.07.2019: Não é novidade nenhuma que AB defende uma Europa de Nações a la Salvini! Nem que para isso ele tem que inventar umas mentiras sobre a UE
Fowler Fowler, 21.07.2019 Exactissimamente! Barreto, António, o disco riscado, (de)lyrics, 3ª ed., United Kingdom, 1979.
TP Leiria 21.07.2019: Gostava de saber o que acha o Jonas da diminuição da liberdade de imprensa no RU por causa do Brexit. Ontem uma carta foi enviada ao Governo por um consórcio de jornalistas e defensores da liberdade que têm sido constantemente ameaçados com processos por criticarem o Brexit e por defenderem a UE. Arron Banks, um dos maiores financiadores do Brexit ameacou agora a Netflix por esta ter emitido um documentário sobre o papel da Cambridge Analitics no Brexit. O Jonas que é tão defensor do Brexit devia explicar o porquê do Brexit estar na verdade a tornar o UK um pais mais ditador e menos democrático.
Choninhas Chanfrado, New Iorque | Professor Catedrático com um currículo impressionante . 21.07.2019: Acho muito bem. Não se pode pôr em causa valores maiores como a libertação do UK das amarras do euro por causa duns fala-barato que gostam de escrever tudo o que lhes vem à cabeça minando o interesse maior do UK.
Jose, 21.07.2019: António Barreto reafirma o que diz, há muito, sobre a UE. Que não é democrática no método de construção dos poderes. Que os poderes negociados podem pouco. Que não existe "cidadania europeia". Que a imposição dos poderes fáticos instalados geram e alimentam os nacionalismos e a desagregação. A tudo isso, que está certo, acrescento que a irrelevância dos países europeus no mundo ficará a dever-se a esta aventura castrante. Cada Estado que mergulha nessa submissão deixa de fazer por si e para si o que só ele pode fazer. Todos ficam à espera que a "Europa" faça por eles. Essa ratoeira é fatal. Os países dessa UE perderam a iniciativa, deixaram de ser inovadores, inventivos, não criam o novo, não possuem nenhum salto inventivo que os faça ser competitivos na economia global. Em 2050 não há UE.
Carlos Brígida, Alges 21.07.2019: O António Barreto tem escrito artigos excelentes, ao longo desta 'nova série' de artigos semanais. Na minha opinião, sobre os assuntos abordados, o melhor que tem sido escrito na imprensa portuguesa (e como seria de esperar, sem continuidade por outros, nos media ou nos meios institucionais). Já sobre a Europa, discordo e acho que são artigos fracos, para justificar uma atitude estabelecida a priori. Como este, em que se faz tábua-raza da história milenar da Europa (que obviamente AB conhece muito bem): da Guerra dos Cem Anos à 2ª Guerra Mundial, passando por infinitas outras. Sem a Europa, os países europeus auto-destroem-se.
TP Leiria 21.07.2019: Mas a União é uma Instituição? Que eu saiba não!
Joao Portugal 21.07.2019: Boa caricatura que ilustra na perfeição a tramóia de interesses a que nós andamos a reboque.
TP Leiria 21.07.2019: Então e andar a reboque nao é bom?
Joao, Portugal 21.07.2019: Caro TP, esta é mais uma diferença das nossas opiniões. Não, eu, ao contrário, gosto de saber, analisar, ajuizar e definir o meu futuro.
Jonas Almeida Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 21.07.2019: Não, andar a reboque nunca é bom: acaba-se a navegação na doca seca onde o reboque nos quer levar para o abate.
TP Leiria 21.07.2019: E você sabe, analisa, ajuíza e define o seu futuro. Até parece que o Jonas não gosta de ir para o abate. Afinal é para lá que você leva a sua suposta 'sabedoria' sobre a UE.

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