sexta-feira, 12 de julho de 2019

Até ver


À análise teórica de Francisco Assis sobre o empobrecimento discursivo do debate público, com a perda de intelectualidade ideológica, a subjectividade ou o exibicionismo balofo substituto das ideias, responde o comentador Jose com expressivo texto de dados objectivos preponderantes referentes aos tempos de Salazar e a condução mesquinhamente atrofiada então, da economia nacional. Quanto à pobreza no debate de ideias, eu nunca pude esquecer um confronto televisivo entre Mário Soares e Felipe González, pelos anos 80, em tempos da solidificação de democracias na Península Ibérica, a inépcia palreira do nosso PM, orgulhoso do seu pioneirismo socialista, e o discurso preciso do ministro espanhol, pleno de informação objectiva e esclarecedora em várias frentes. É natural que tanto empobrecimento cultural, aliado a diversos factores de instabilidade e penúria no ensino, reduzam paulatinamente a qualidade desses nossos debates, feitos de ataque e defesa ou auto-elogio de pouco rigor analítico. Francisco Assis parece acreditar, todavia, em “crescimento económico” perpetrado pelo actual governo e isso poderia trazer-nos esperança numa evolução positiva na questão da intelectualidade nos debates. O texto de Jose retira-nos a esperança de que poderemos mudar algum dia. Somos assim, gente de arado, antigamente, hoje a gostar de bons espadas que o estrangeiro fornece, gente que o Estado-Providência vai protegendo, até ver.

OPINIÃO: O perigo do anti-intelectualismo
Mesmo que nos devamos regozijar pelo facto de estarmos a crescer acima da média europeia não nos podemos resignar a ver acentuar-se, ano após ano, a nossa divergência em relação a Espanha.
FRANCISCO ASSIS
PÚBLICO, 11 de Julho de 2019
1. No final da semana passada participei num curso de Verão promovido pela Fundação Yuste. Este curso decorreu no mosteiro com o mesmo nome, localizado na província espanhola da Estremadura, e no qual Carlos V passou os últimos meses da sua vida numa atitude de recolhimento interior. Agora acolhe a sede de uma Fundação dedicada à promoção da reflexão, do estudo e da discussão dos temas ligados à União Europeia e à América Latina. Num ambiente de profunda liberdade foi possível debater as questões que presentemente se colocam com maior acuidade nestes espaços geográficos e políticos. Impressionou-me o espírito de abertura mental prevalecente. Houve, porém, um momento de tensão, que terá passado quase despercebido à generalidade dos participantes, mas que me despertou para a reflexão sobre uma das mais inquietantes características do tempo que vivemos.
A dada altura um interveniente numa mesa redonda lembrou-se de questionar o interesse daquilo que designou como uma excessiva propensão académica para a teorização da realidade, contrapondo a necessidade da obtenção de soluções imediatas e concretas para os problemas em análise. Imagino os aplausos que tal imprecação não teria deixado de suscitar numa reunião partidária ou num encontro de potenciais regeneradores das nossas democracias. Ali mereceu uma veemente resposta dada por uma socióloga argentina que enunciou com uma impressionante clareza os perigos do anti-intelectualismo, hoje tão disseminado. A desvalorização da reflexão crítica e a recusa da complexidade conduzem directamente ao surgimento de fenómenos políticos como aqueles que o sucesso de Trump ou de Bolsonaro configuram. Infelizmente esse discurso anti-intelectualista não se confina a esse reduto político e tem vindo a ser inesperadamente adoptado por representantes de quase todas as correntes de opinião. Contrariamente ao que se tornou vulgar dizer, nem todos os movimentos etiquetados de populistas cultivam esta atitude. Será bom, a este propósito, não esquecer que há uma tradição populista assente numa elaboração teórica assinalável e que tem no pensamento de Ernesto Laclau a sua manifestação contemporânea mais sofisticada.
O anti-intelectualismo como atitude ancorada na exaltação de um simplismo obreirista tem vindo a conquistar terreno de modo muito preocupante. Um dos seus efeitos consiste na supressão de um espaço público qualificado e aberto à troca de argumentos racionais. Na ausência desse espaço público proliferam as lógicas tribais no plano da adesão doutrinária e a mentalidade de alcateia no domínio da discussão social. Tudo isto tem tido tradução visível no empobrecimento da linguagem, na polarização emocional da retórica e na progressiva desvalorização do outro enquanto sujeito portador de um pensamento e de um discurso respeitáveis. Basta seguir uma tarde de debate parlamentar para perceber tudo isto de forma impressiva. Dispenso-me do penoso exercício da apresentação de casos concretos. Só este inusitado avanço do anti-intelectualismo pode explicar o grau de facilitismo mental que está a atingir alguns sectores da chamada elite cultural portuguesa. Lêem-se e ouvem-se coisas que até há pouco tempo um certo pudor da inteligência teria condenado ao segredo de confabulações íntimas. Agora assiste-se a um exibicionismo da asneira como se isso constituísse prova da robustez das convicções
2. Na Assembleia da República decorreu ontem o debate sobre o estado da Nação. Como o fim da sessão legislativa coincide este ano com o término da legislatura este debate, em concreto, assumiu uma importância maior do que é habitual. Deter-me-ei exclusivamente num ponto específico que motivou acesa discussão e que é do maior relevo: a comparação do ritmo do crescimento económico português com o dos nossos parceiros europeus. O Governo apresentou como um dos seus principais sucessos o facto de a nossa economia ter crescido nos últimos anos acima da média europeia, algo que já não sucedia há bastante tempo. O PSD, não podendo desmentir tal facto, optou por salientar a circunstância de estarmos a crescer a um ritmo francamente inferior ao dos países que nos são mais próximos do ponto de vista da produção de riqueza e do desenvolvimento.
Se quisermos levar a cabo uma discussão pré-eleitoral séria este terá de ser um dos temas centrais do debate público. Na verdade, o país continua aparentemente condenado a um crescimento económico medíocre que não abre perspectivas de melhoria dos salários, que são reconhecidamente baixos, e que põe em causa a sustentação financeira de alguns sectores fundamentais do Estado Providência. Depois de tantos investimentos na educação, nas infra-estruturas físicas, na promoção das novas tecnologias, que factores continuam a impedir uma maior expansão da economia portuguesa? Já não é possível alegar, como o fazia grande da direita, que os principais factores de bloqueio residiam na rigidez da legislação laboral ou na excessiva burocracia do Estado; também já não é aceitável afirmar, como durante muito tempo o fez uma certa esquerda, que o país se não preocupava devidamente com a qualificação dos seus recursos humanos. Esta questão, para a qual não se espera uma resposta unívoca, deve constituir-se como o grande tema de debate nacional nos próximos tempos. Mesmo que nos devamos regozijar pelo facto de estarmos a crescer acima da média europeia não nos podemos resignar a ver acentuar-se, ano após ano, a nossa divergência em relação a Espanha.
COMENTÁRIOS
P Galvao, Lisboa: O problema português não é muito diferente do de tantos outros países que não possuem massa crítica para se desenvolverem, e por isso prolifera o corporativismo, a corrupção, mais as elites que não o são, e por fim o racismo social, ideológico e étnico. Tudo isto remata - se com uma justiça feita à medida dos interesses maiores apenas de alguns, como convém a esta sociedade de brandos costumes. A comunicação social não está isenta de culpas por este estado de coisas, como o Público recentemente veio provar.
Jose, 11.07.2019: Portugal viveu uma ditadura doentia de elogio à pobreza de controlo das empresas através do condicionamento industrial, de concentração da riqueza em 6 nomes que reuniam com o Ditador e eram eles próprios condicionados a não crescer. O Franquismo não foi tão tacanho. A economia portuguesa protegida abrindo apenas à UEFA e através dela dispunha de um dispositivo produtivo de baixa competitividade, uma agricultura que pouco mais evoluiu da do arado de pau para o de bico de ferro. Essa economia foi exposta do dia para a noite, sem reservas, à CEE. Consequência: faliu com salários em atraso e despedimentos. As empresas competitivas da CEE venderam para o mercado português gerando "bem-estar". Com o Euro a economia deixou de crescer e faliu em 2008 com empobrecimento, precariedade, perda do EP.
EP, Estado Providência, como lhe chamou é para ser o Estado a resolver o básico da vida das famílias que trabalhando toda a vida morrerão prematuramente sem assistência médica, os seus filhos não serão escolarizados, o final de vida será indigente por não lhe ser pago o trabalho pela economia real e financeira. É essa economia que mata que cresce pouco. Acresce que as empresas e negócios essenciais à vida já não são portuguesas. São da China, Angola, Brasil... esses países dessas civilizações diferentes da Ocidental não estão cá por causa dos portugueses e sua história, mas por causas deles. Portugal tem os seus capitalistas presos, acusados, indiciados, arguidos e gozados na praça pública. O investimento privado cinge-se às verbas europeias elegíveis. Isto não pode crescer, ao contrário.
A banca que opera em Portugal é predominantemente espanhola e o resto, designadamente a CGD tem uma gestão profissional cujos administradores são validados e controlados pelo BCE. As pessoas capacitadas emigraram empurradas umas e fugidias outras. As pessoas em idade fértil foram procriar para o estrangeiro. O povo português entrou em extinção há dez anos. Quem quer que queira recorrer a crédito para investir em Portugal tem de passar pelo crivo espanhol e ficar sujeito a ver o seu nome na praça pública como os outros. A dívida pública gerada para pagar a especulação financeira que o BCE não travou até essa dívida ser tal que o Estado meteu o pescoço no laço do enforcado cuja corda tem a ponta no BCE. Isto obriga o Estado fazer o empobrecimento, precariedade, degradação do Estado Social.
Bem sei que tem a esperança de que as reformas estruturais resolvem tudo. E as reformas estruturais são o quê? Seguros de saúde para quem tem dinheiro, cheques educação para pagar o ensino privado, plafonamento das reformas para reduzir as receitas da SS e baixar as reformas, acabar a reforma laboral eliminando os vínculos, liberalizado os despedimentos. Podem fazer tudo isso e a economia portuguesa não crescerá mesmo com mão de obra ao preço asiático, brasileiro ou africano. Não cresce por não haver Capital e por terem asfixiado o Trabalho.
Margarida Paredes, Lisboa 11.07.2019: O governo podia ter a coragem política de acabar com o vergonhoso Salário Minimo de 600 euros e seguir o exemplo da Espanha que o aumentou para 900 euros.
Ventura Melo Sampaio, Pêra Silves 11.07.2019: Existe um grande deficit de compreensão sobre o fenómeno do desenvolvimento, a começar pelos gestores das universidades e das instituições de I&D&D e também das que fazem a avalição dos resultados!


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