Mais uma crónica de um cidadão às
direitas – e não quero exprimir, com a afirmação, que é cidadão “de direita”, pois desconheço a filiação
partidária de Salles da Fonseca. Gosto de António Damásio, no pouco que dele conheço, de livros
que o meu marido teve a saudável ideia de adquirir, de que pouco mais li que as
referências das contra-capas, todas elogiosas, tanto em “O Erro de Descartes”, como em “O Sentimento de si”. Universalmente
reconhecido, pois, cito a resenha final deste último livro, pese embora a
bonita máxima cartesiana que tanto nos enobrecia, o tal “Je pense, donc je suis” que, através da razão, a todos nós,
humanos, valorizava e distinguia da restante fauna terráquea:
“Neste
novo livro, que tem sido recebido por cientistas e artistas com as críticas
mais calorosas e elogiosas, o neurologista e humanista António Damásio
confronta o mistério da consciência. Como é que chegamos ao saber? Como é
que a mente desenvolve o sentido do si? Depois de ler “O Erro de
Descartes”, hoje traduzido em mais de vinte
línguas, Jonas Salk escreveu: “Nunca mais conseguiremos olhar para nós ou
para o outro sem nos interrogarmos sobre o que se passa por detrás dos olhos
que assim se encontram”. Em “O Sentimento de Si” Damásio avança no mesmo
caminho de descoberta e mostra como “a consciência é a chave para uma vida
examinada”-
Não, não tive coragem, nem tempo senão
para um folhear curioso que logo esmoreceu, desejo reactivado hoje, não fora o andar
perdida no labirinto das interpretações geniais da alma feminina – e masculina
por inerência – num livro de empréstimo, por mão amiga, - “O princípio da incerteza” – “Os espaços em
branco”, de Agustina
Bessa Luís, um monumento também, neste caso, de rebuscamento interior
que me parece arreigado de um certo pedantismo aristocrático, bastante
farfalhudo e fantasioso, a lembrar a “Mrs
Dalloway” da
Virginia Wolf, e que é pouco credível, por cá, mas o meu
conhecimento do nosso mundo literato e snob é perfeitamente nulo, bem posso
estar enganada.
Não consegui aceder ao vídeo com a
entrevista citada por Salles da
Fonseca, os escaninhos da minha consciência tecnológica perfeitamente
traumatizantes, mas naturalmente que concordo com aquele, pese embora a
consciência de quanta imbecilidade nociva pode alastrar neste mundo da era
digital, de alarde do ego, e ainda por cima complicado, entre nós, por
carências ortográficas e semânticas de uma perversão irracional e mesquinha (talvez
menos perceptíveis, contudo, em outros países mais favorecidos da tal
racionalidade distintiva, acompanhada com a literacia q.b. que a nós foi
sonegada em termos de percentagem.
É impossível discordar dos argumentos de
Salles da Fonseca sobre as
queixas de António Damásio a respeito
dos perigos que as redes sociais trazem à democracia. mas o que talvez esteja
errado na asserção seja a palavra democracia. Não é a democracia que está em
causa, é a razão humana. Tanto é, por vezes, o esbanjamento da sem-razão em
vários níveis, nessas tais redes, que nos perguntamos se não seria melhor dantes,
no tempo da iliteracia muda, em termos de escrita, pelo menos. É certo que há
sempre a liberdade de se ler ou não. E cada um colhe o que quer. Porque a par
do dislate, também se colhem autênticas maravilhas de um pensamento mais formativo.
E este texto de SF assim o
comprova, na graça e no bom senso do pensamento racional, bem fora do âmbito
das tais redes sociais da mexeriquice empobrecedora da espécie humana que Damásio ataca e SF generosamente e democraticamente defende.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA A BEM DA NAÇÃO, 3/7/19
Chegou-me
há pouco um vídeo de uma entrevista concedida pelo Professor António Damásio à
RTP na qual o ilustre neurologista é conduzido pelo entrevistador a afirmar que
«as redes sociais são um perigo para a democracia».
Mas é claro que uma pessoa do
gabarito do Professor Damásio, não se deixa influenciar por opiniões alheias e
só afirma o que efectivamente quer afirmar.
Ou
seja, o Professor Damásio acha que as redes sociais são um perigo para a
democracia. E justifica essa opinião pelo facto de aparecerem muitas opiniões
«rápidas, não ponderadas», que facilmente entram em conflito com outras
opiniões igualmente imponderadas criando climas de crispação que não existiriam
caso as opiniões fossem menos espontâneas, ou seja, mais pensadas.
Confesso
que não esperava este tipo de argumentação. Esta, sim, parece-me excessivamente
rápida e pouco sólida para quem nos habituou a uma assíntota na escala racional
muito mais alta do que a do comum dos mortais. Esperava eu que o Professor nos
dissesse algo do género de que o excesso de intensidade e de duração da
actividade cerebral pudesse pôr em causa a saúde dos contendores ou «coisa»
equivalente do seu foro científico; não esperava que se introduzisse pelo campo
da técnica da retórica, matéria acessível a espíritos muito menos dotados do
que o do ilustre entrevistado.
À
falta, pois, de argumentos cientificamente oportunos nesta circunstância,
permito-me discordar do Professor Damásio uma vez que me sinto absolutamente
tranquilo para «discutir» com ele em matéria profana, acessível aos banais. Então, eis a antítese:
- As
redes sociais não põem a democracia em causa e são mesmo um novo expoente da
democracia.
Dando
voz directa ao cidadão comum na praça pública, as redes sociais permitem a
ultrapassagem dos políticos profissionais, dos «opinion makers» mais ou menos
encartados, à comunicação social como ela se habituou a existir controlando
«rebanhos dóceis» de leitores, ouvintes e telespectadores.
De
facto, em momentos de stress, foram já várias as vezes em que nas redes sociais
se geraram movimentos não controlados por centrais sindicais, Partidos
políticos, jornais, rádios ou televisões e em momentos menos stressantes,
opiniões houve (e continua a haver) que vingaram e fizeram com que o
establishment se sentisse ultrapassado.
Identificada
a «corporação estabelecida» ou a «established corporation», que assim se sente
em «maus lençóis», passemos à questão do populismo.
Aí
vai então o establishment a correr a bradar que é o populismo a ganhar força. Então,
a questão é a de saber se o que eles, os do establishment, fazem não é
populismo. É claro que sim! Os políticos para ganharem votos, os jornalistas
para ganharem audiências e, daí, publicidade, os opinion makers para ganharem
avenças dos órgãos de comunicação ou lobbies a quem facturam, ou para ganharem
ego se forem apenas vaidosos, todos querem ser ouvidos pelo maior número possível
de leitores, ouvintes, espectadores… E isso, o que é a não ser populismo? Falam
apenas para ilustres membros de Academias? Falam apenas para os «camarotes» ou
falam sobretudo para os «galinheiros»?
Dir-me-ão
que os do establishment não querem derrubar a democracia e que os populistas
sim, pretendem usufruir da liberdade que a democracia proporciona para a
derrubarem. Ao que respondo que isso não passa duma falácia ou de um sofisma
pois qualquer sistema democrático tem a obrigação de possuir um quadro legal
que lhe permita defender-se desse tipo de ataques não fazendo sentido adjectivar
de populista todo aquele que se expressa fora dos canais mais tradicionais,
nomeadamente nas redes sociais.
Portanto,
as redes sociais, por si próprias, não põem em causa a democracia e, pelo
contrário, dando voz directa ao cidadão comum na «praça pública», são um
expoente da democracia directa, a que não carece de intermediários. E esse é o
problema de quem está habituado a dirigir a opinião pública pois sente que o
tapete lhe foge de baixo dos pés.
E
mais: ainda havemos um dia destes de entrar na discussão mais melindrosa que é
a da representação parlamentar e estatuto do Deputado.
Para
concluir, uma pergunta (com resposta) e um pedido:
PERGUNTA
– Lá em casa, a faca serve para barrar o pão de manteiga ou para assassinar o
vizinho? (assim é o uso que se faz das redes sociais)
PEDIDO
– Senhor Professor António Damásio, apareça para nos ensinar nos temas em que é
exímio mas deixe a trivialidade para nós, os que não chegamos à assintota de
Vossa Excelência.
Julho
de 2019
Henrique
da Salles Fonseca
COMENTÁRIOS
Henrique Salles da Fonseca 03.07.2019: Caro Dr.
Salles da Fonseca, Não poderia estar mais de acordo. Mas deixaria António
Dâmaso em paz. Cada um é para o que nasce e ninguém, em seu perfeito juízo, lhe
entregaria uma torradeira para reparar, muito embora lhe confiasse o tratamento
de algum desarranjo mental. Abraço António
Palhinha Machado
Vasco van Zeller 03.07.2019: Em matéria de democracia estou contigo, embora os
respectivos praticantes nem saibam o que isso é!!Nem sequer lhes passa pela
cabeça que noutros tempos iriam directos para qualquer sítio obscuro (como
ainda hoje nos países comunistas e outras ditaduras),veja-se o caso
paradigmático de Hong-Kong, onde a malta depois de ter provado a democracia, não
está pelos ajustes com a mãe China. Quanto ao professor Damásio, a opinião
expressa no video (que não vi) comenta o assunto pelo lado do assassinato do
vizinho!!Se calhar não lhe deram tempo para contrapor com a manteiga! É um caso
típico de perguntas que se fazem para obter a resposta que se quer ouvir, penso
eu de que..
Henrique Salles da Fonseca 03.07.2019: Caro Henrique Salles da Fonseca: 1oo% de acordo
consigo com um abraço do JC
Gonçalves Viana
Adriano Lima, 04.07.2019: Antes
de comentar, achei conveniente ver a entrevista de António Damásio, o que fiz. Dum
modo geral, concordo com o ponto de vista aqui expresso pelo Dr. Salles da
Fonseca. Embora a democracia não seja o sistema tão perfeito quanto seria
possível idealizar, a verdade é que ela já provou ter meios para se
auto-preservar. Aliás, a história demonstra que ela só sucumbiu por via
revolucionária, ou seja, pela força das armas. E se sucumbiu não foi por falha
própria, mas por inaptidão ou impreparação cívica dos que a utilizaram como
sistema político.
Portanto, concordo que as redes sociais podem contribuir para a revitalização da democracia, em vez de a liquidar. E revitalizam-na medida em que permitam pôr em causa os vícios e a tendência acomodatícia dos aparelhos partidários. No entanto, não me parece que António Damásio tenha afirmado de forma peremptória que as redes sociais põem perigo a democracia. A menos que eu não tenha atentado bem, fiquei com a ideia de que o entrevistado focalizou mais o seu discurso na alienação da realidade envolvente a que está sujeito o utilizador da internet que procede com automatismos mentais impostos pela ferramenta internética, abdicando ou minimizando a avaliação crítica sobre as matérias e informações a que acede. Concluindo, de facto, o mal não está na ferramenta mas no uso inadequado que possa ter.
Portanto, concordo que as redes sociais podem contribuir para a revitalização da democracia, em vez de a liquidar. E revitalizam-na medida em que permitam pôr em causa os vícios e a tendência acomodatícia dos aparelhos partidários. No entanto, não me parece que António Damásio tenha afirmado de forma peremptória que as redes sociais põem perigo a democracia. A menos que eu não tenha atentado bem, fiquei com a ideia de que o entrevistado focalizou mais o seu discurso na alienação da realidade envolvente a que está sujeito o utilizador da internet que procede com automatismos mentais impostos pela ferramenta internética, abdicando ou minimizando a avaliação crítica sobre as matérias e informações a que acede. Concluindo, de facto, o mal não está na ferramenta mas no uso inadequado que possa ter.
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