quarta-feira, 3 de julho de 2019

“Só sei que nada sei”



Mais uma crónica de um cidadão às direitas – e não quero exprimir, com a afirmação, que é cidadão “de direita”, pois desconheço a filiação partidária de Salles da Fonseca. Gosto de António Damásio, no pouco que dele conheço, de livros que o meu marido teve a saudável ideia de adquirir, de que pouco mais li que as referências das contra-capas, todas elogiosas, tanto em “O Erro de Descartes”, como em “O Sentimento de si”. Universalmente reconhecido, pois, cito a resenha final deste último livro, pese embora a bonita máxima cartesiana que tanto nos enobrecia, o tal “Je pense, donc je suis” que, através da razão, a todos nós, humanos, valorizava e distinguia da restante fauna terráquea:
“Neste novo livro, que tem sido recebido por cientistas e artistas com as críticas mais calorosas e elogiosas, o neurologista e humanista António Damásio confronta o mistério da consciência. Como é que chegamos ao saber? Como é que a mente desenvolve o sentido do si? Depois de ler “O Erro de Descartes”, hoje traduzido em mais de vinte línguas, Jonas Salk escreveu: “Nunca mais conseguiremos olhar para nós ou para o outro sem nos interrogarmos sobre o que se passa por detrás dos olhos que assim se encontram”. Em “O Sentimento de Si” Damásio avança no mesmo caminho de descoberta e mostra como “a consciência é a chave para uma vida examinada”-
Não, não tive coragem, nem tempo senão para um folhear curioso que logo esmoreceu, desejo reactivado hoje, não fora o andar perdida no labirinto das interpretações geniais da alma feminina – e masculina por inerência – num livro de empréstimo, por mão amiga, - O princípio da incerteza” – “Os espaços em branco”, de Agustina Bessa Luís, um monumento também, neste caso, de rebuscamento interior que me parece arreigado de um certo pedantismo aristocrático, bastante farfalhudo e fantasioso, a lembrar a “Mrs Dallowayda Virginia Wolf, e que é pouco credível, por cá, mas o meu conhecimento do nosso mundo literato e snob é perfeitamente nulo, bem posso estar enganada.


Não consegui aceder ao vídeo com a entrevista citada por Salles da Fonseca, os escaninhos da minha consciência tecnológica perfeitamente traumatizantes, mas naturalmente que concordo com aquele, pese embora a consciência de quanta imbecilidade nociva pode alastrar neste mundo da era digital, de alarde do ego, e ainda por cima complicado, entre nós, por carências ortográficas e semânticas de uma perversão irracional e mesquinha (talvez menos perceptíveis, contudo, em outros países mais favorecidos da tal racionalidade distintiva, acompanhada com a literacia q.b. que a nós foi sonegada em termos de percentagem.
É impossível discordar dos argumentos de Salles da Fonseca sobre as queixas de António Damásio a respeito dos perigos que as redes sociais trazem à democracia. mas o que talvez esteja errado na asserção seja a palavra democracia. Não é a democracia que está em causa, é a razão humana. Tanto é, por vezes, o esbanjamento da sem-razão em vários níveis, nessas tais redes, que nos perguntamos se não seria melhor dantes, no tempo da iliteracia muda, em termos de escrita, pelo menos. É certo que há sempre a liberdade de se ler ou não. E cada um colhe o que quer. Porque a par do dislate, também se colhem autênticas maravilhas de um pensamento mais formativo. E este texto de SF assim o comprova, na graça e no bom senso do pensamento racional, bem fora do âmbito das tais redes sociais da mexeriquice empobrecedora da espécie humana que Damásio ataca e SF generosamente e democraticamente defende.


HENRIQUE SALLES DA FONSECA   A BEM DA NAÇÃO, 3/7/19
Chegou-me há pouco um vídeo de uma entrevista concedida pelo Professor António Damásio à RTP na qual o ilustre neurologista é conduzido pelo entrevistador a afirmar que «as redes sociais são um perigo para a democracia».
Mas é claro que uma pessoa do gabarito do Professor Damásio, não se deixa influenciar por opiniões alheias e só afirma o que efectivamente quer afirmar.
Ou seja, o Professor Damásio acha que as redes sociais são um perigo para a democracia. E justifica essa opinião pelo facto de aparecerem muitas opiniões «rápidas, não ponderadas», que facilmente entram em conflito com outras opiniões igualmente imponderadas criando climas de crispação que não existiriam caso as opiniões fossem menos espontâneas, ou seja, mais pensadas.
Confesso que não esperava este tipo de argumentação. Esta, sim, parece-me excessivamente rápida e pouco sólida para quem nos habituou a uma assíntota na escala racional muito mais alta do que a do comum dos mortais. Esperava eu que o Professor nos dissesse algo do género de que o excesso de intensidade e de duração da actividade cerebral pudesse pôr em causa a saúde dos contendores ou «coisa» equivalente do seu foro científico; não esperava que se introduzisse pelo campo da técnica da retórica, matéria acessível a espíritos muito menos dotados do que o do ilustre entrevistado.
À falta, pois, de argumentos cientificamente oportunos nesta circunstância, permito-me discordar do Professor Damásio uma vez que me sinto absolutamente tranquilo para «discutir» com ele em matéria profana, acessível aos banais. Então, eis a antítese:
- As redes sociais não põem a democracia em causa e são mesmo um novo expoente da democracia.
Dando voz directa ao cidadão comum na praça pública, as redes sociais permitem a ultrapassagem dos políticos profissionais, dos «opinion makers» mais ou menos encartados, à comunicação social como ela se habituou a existir controlando «rebanhos dóceis» de leitores, ouvintes e telespectadores.
De facto, em momentos de stress, foram já várias as vezes em que nas redes sociais se geraram movimentos não controlados por centrais sindicais, Partidos políticos, jornais, rádios ou televisões e em momentos menos stressantes, opiniões houve (e continua a haver) que vingaram e fizeram com que o establishment se sentisse ultrapassado.
Identificada a «corporação estabelecida» ou a «established corporation», que assim se sente em «maus lençóis», passemos à questão do populismo.
Aí vai então o establishment a correr a bradar que é o populismo a ganhar força. Então, a questão é a de saber se o que eles, os do establishment, fazem não é populismo. É claro que sim! Os políticos para ganharem votos, os jornalistas para ganharem audiências e, daí, publicidade, os opinion makers para ganharem avenças dos órgãos de comunicação ou lobbies a quem facturam, ou para ganharem ego se forem apenas vaidosos, todos querem ser ouvidos pelo maior número possível de leitores, ouvintes, espectadores… E isso, o que é a não ser populismo? Falam apenas para ilustres membros de Academias? Falam apenas para os «camarotes» ou falam sobretudo para os «galinheiros»?
Dir-me-ão que os do establishment não querem derrubar a democracia e que os populistas sim, pretendem usufruir da liberdade que a democracia proporciona para a derrubarem. Ao que respondo que isso não passa duma falácia ou de um sofisma pois qualquer sistema democrático tem a obrigação de possuir um quadro legal que lhe permita defender-se desse tipo de ataques não fazendo sentido adjectivar de populista todo aquele que se expressa fora dos canais mais tradicionais, nomeadamente nas redes sociais.
Portanto, as redes sociais, por si próprias, não põem em causa a democracia e, pelo contrário, dando voz directa ao cidadão comum na «praça pública», são um expoente da democracia directa, a que não carece de intermediários. E esse é o problema de quem está habituado a dirigir a opinião pública pois sente que o tapete lhe foge de baixo dos pés.
E mais: ainda havemos um dia destes de entrar na discussão mais melindrosa que é a da representação parlamentar e estatuto do Deputado.
Para concluir, uma pergunta (com resposta) e um pedido:
PERGUNTA – Lá em casa, a faca serve para barrar o pão de manteiga ou para assassinar o vizinho? (assim é o uso que se faz das redes sociais)
PEDIDO – Senhor Professor António Damásio, apareça para nos ensinar nos temas em que é exímio mas deixe a trivialidade para nós, os que não chegamos à assintota de Vossa Excelência.
Julho de 2019
Henrique da Salles Fonseca
COMENTÁRIOS
 Henrique Salles da Fonseca  03.07.2019: Caro Dr. Salles da Fonseca, Não poderia estar mais de acordo. Mas deixaria António Dâmaso em paz. Cada um é para o que nasce e ninguém, em seu perfeito juízo, lhe entregaria uma torradeira para reparar, muito embora lhe confiasse o tratamento de algum desarranjo mental. Abraço António Palhinha Machado
Vasco van Zeller  03.07.2019: Em matéria de democracia estou contigo, embora os respectivos praticantes nem saibam o que isso é!!Nem sequer lhes passa pela cabeça que noutros tempos iriam directos para qualquer sítio obscuro (como ainda hoje nos países comunistas e outras ditaduras),veja-se o caso paradigmático de Hong-Kong, onde a malta depois de ter provado a democracia, não está pelos ajustes com a mãe China. Quanto ao professor Damásio, a opinião expressa no video (que não vi) comenta o assunto pelo lado do assassinato do vizinho!!Se calhar não lhe deram tempo para contrapor com a manteiga! É um caso típico de perguntas que se fazem para obter a resposta que se quer ouvir, penso eu de que..
 Henrique Salles da Fonseca  03.07.2019: Caro Henrique Salles da Fonseca: 1oo% de acordo consigo com um abraço do JC Gonçalves Viana

Adriano Lima, 04.07.2019: Antes de comentar, achei conveniente ver a entrevista de António Damásio, o que fiz. Dum modo geral, concordo com o ponto de vista aqui expresso pelo Dr. Salles da Fonseca. Embora a democracia não seja o sistema tão perfeito quanto seria possível idealizar, a verdade é que ela já provou ter meios para se auto-preservar. Aliás, a história demonstra que ela só sucumbiu por via revolucionária, ou seja, pela força das armas. E se sucumbiu não foi por falha própria, mas por inaptidão ou impreparação cívica dos que a utilizaram como sistema político.
Portanto, concordo que as redes sociais podem contribuir para a revitalização da democracia, em vez de a liquidar. E revitalizam-na medida em que permitam pôr em causa os vícios e a tendência acomodatícia dos aparelhos partidários. No entanto, não me parece que António Damásio tenha afirmado de forma peremptória que as redes sociais põem perigo a democracia. A menos que eu não tenha atentado bem, fiquei com a ideia de que o entrevistado focalizou mais o seu discurso na alienação da realidade envolvente a que está sujeito o utilizador da internet que procede com automatismos mentais impostos pela ferramenta internética, abdicando ou minimizando a avaliação crítica sobre as matérias e informações a que acede.  Concluindo, de facto, o mal não está na ferramenta mas no uso inadequado que possa ter.
Henrique Salles da Fonseca, 04.07.2019: DE ACORDO Jorge Gaspar de Barros


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