quinta-feira, 11 de julho de 2019

Meias tintas



Gente incompatibilizada com o mundo, parece ser a história de Aleixo, que preferiu a via dos sem abrigo nos tempos idos. Gente ambiciosa de poder, tal foi o aparecimento de Alexis Tsipras que deu muito que falar, na Grécia, tal como o companheiro Varoufakis que abandonou a partida, em todo o caso, por não se identificar com o rigor imposto pela Europa, no cumprimento das normas financeiras. Alexis também fizera promessas aos gregos, mas teve que se curvar às exigências europeias, e lembro-me de o ter admirado, porque cumpriu, ao contrário dos nossos da esquerda que nunca se importaram de esbanjar dinheiro que não nos pertence e do qual não são responsáveis, só para ganharem eleições, incitando às greves e outras anomalias a que temos assistido por cá. Acho que Tsipras foi valente, porque assumiu encargos, numa nação que tem sofrido guerras e regimes políticos de diversa amplitude e instabilidade. Agora vem outro substituí-lo, outro com novas promessas, de um partido mais à direita. Mas será que vai vencer? Sempre se disse que os gregos estão mal habituados, mas a União Europeia não quer excluir a Grécia, que foi berço da Europa e se aproveita desse facto para ser exigente e má pagadora. Lembro-me de ter lido que a Europa lhe perdoou por duas vezes a dívida e o alívio que isso representou para quem se lembrou do poema de Pessoa, “O DOS CASTELOS” (in MENSAGEM):
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
Tsipras, coitado, teve que se curvar às exigências bancárias europeias, o que trouxe problemas internos, naturalmente. Mas será que Kyriakos Mytsotakis, o sucessor centrista, segundo leio, vai conseguir mudar o panorama económico grego?
Salles da Fonseca compara com o que se passa por cá, as meias tintas da governação de uma geringonça que tenta equilibrar-se na corda bamba das suas ligações aos Tsipras de cá, que ao contrário do de lá, não são chamados à responsabilidade. Por isso não cairão. António Costa também não, que sabe viver, num país de mansidão comprovada.
 
A MENTIRA NA POLÍTICA
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 10.07.19
Ficou conhecido por «Santo Aleixo de Roma» mas diz-se… diz-se tanta coisa que alguma há-de ser verdade…
… que Aleixo era filho único de rica família romana e que fugiu na véspera do casamento que lhe tinha sido arranjado. Disfarçado de mendigo, foi até Edessa – norte da Mesopotâmia, sudeste da Anatólia – por onde ficou esmoler e contemplativo. Até que foi apontado como «homem de Deus» e fugiu novamente, desta feita de regresso a Roma. Aí chegado, mantendo o anonimato, juntou-se aos mendigos que viviam sob as escadas da casa da sua própria família. Só terá sido identificado postumamente e… de nada há registos, tudo não passa de «diz-se, diz-se». E uma vez que até os milagres que alguém lhe atribuiu não foram suficientemente estudados para merecerem reconhecimento formal, Aleixo foi retirado do hagiológio romano. Tudo a cheirar a peta, portanto. E porquê “Aleixo de Roma” se foi em Edessa que lhe elogiaram a contemplação e em Roma que o apearam dos altares?
Mas a Igreja Ortodoxa mantém-lhe o culto enquanto nós, em Portugal, mantemos-lhe apenas alguma toponímia e fazemos bonecos com o seu nome, os «bonecos de Santo Aleixo». Tudo profano, nada de muito sério. 
* * *
E assim chagamos ao Alexis Tsipras agora apeado do mando em Atenas onde chegara por descrédito dos antecessores e por ter mentido com quantos dentes tinha. A diferença entre este Alexis e o seu onomástico do hagiológio ortodoxo está em que o «Santo» não mentiu, apenas se limitou a fugir das ribaltas que lhe preparavam enquanto o dito Tsipras baseou toda a sua acção na mentira contínua fazendo por esquecer que nem na política se pode mentir por muito tempo e a muita gente em simultâneo.
E que mentiras ferrou ele e a quem?
Ao contrário do Dr. Costa que mente cá dentro levando os «geringonciados» ao engano com orçamentos bem folclóricos logo regados com cascatas de cativações, Tsipras mentiu sempre para fora fazendo orçamentos todos aperaltadinhos com a vontade dos credores internacionais e, virando-se para dentro da Praça Syntagma, dizendo aos seus que o regabofe podia continuar. Mas era claro que não podia continuar e foi só a Alemanha encontrar soluções para os seus próprios problemas (Deutsche Bank, zum beispiel) e a mentira grega teria que cair. Ou seja, Tsipras teve que entrar pela austeridade e… caiu.
A mentira é viciosa e auto-multiplicativa pelo que é absurdo alguém dela se servir como base estratégica duma qualquer política.
Alexis Tsipras, um mentiroso, já caiu.
Quem é o mentiroso que se segue?
A questão portuguesa é tão simples como isto:
- O Governo tenta manter a «geringonça» e leva o país direitinho de regresso à bancarrota;
- O Governo tenta resolver o problema do país e fica sem «geringonça».
Ou será que a democracia deixou de ser compatível com a verdade? É que se essa hipótese se colocar, esse, sim, será um problema muito grave pois a alternativa será entre democracia e demagogia. E é historicamente sabido que as sociedades entram em convulsão quando a demagogia impera e alguém decide pôr-lhe fim.
E de nada vale invocar Santo Aleixo já que esse, sabemos nós, tem muito quem minta por ele.
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS
Anónimo, 10.07.2019 : Bom texto e bom aviso!
Henrique Salles da Fonseca  10.07.2019  - Caro Dr. Salles da Fonseca, Folgo por saber que está a melhorar. As férias e o Algarve fazem milagres. Dois pequenos comentários:
1) Para mim, Santo Aleixo é o Poeta António Aleixo. Aquilo, sim, é inspiração divina.
2) É sempre bom não rezar missas por alma de quem ainda não foi enterrado. É o caso de Tsipras, que já mostrou ter quase tantos foles quanto um gato.
Continuação das melhoras. Abraço António Palhinha Machado
Francisco G. de Amorim  10.07.2019: É uma pena, mas tudo me leva à mesma conclusão: a democracia agoniza! Mantém eleições - é bonito - nalguns países pode comentar-se à vontade, mas em poucos, e os eleitos não estão minimamente preocupados com o povo, com o país. Se isto é democracia, uma abóbora é uma azeitona... pequena.


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