Dos três comentários que a magnífica crónica
de António Francisco Pascoal mereceu – prova
da parca influência do assunto, no país do “tanto
faz como fez”, e naturalmente “como tanto
fará” – os princípios da Ciência – “linguística”, neste caso, mas da Lógica
também, - não constituindo prioridades a não ser em termos de subserviência a
um país “irmão”, mais poderoso economicamente, que, todavia, parece desprezar a
indignidade, seguido pelos outros povos da CPLP, o Português
de Portugal e das Ilhas sendo
único a exibir a sua pobreza espiritual de matreirice sem repercussão, pois que
menosprezado o tal AO90 pelos tais – dos três comentários,
repito, só coloco dois no sítio reservado aos comentários, pela sua seriedade
de critério, o de um anónimo “Animação e
descanso”, 16.07.2019, merecendo o destaque da sua
transcrição a seguir, “ipsis verbis”,
como prova da idoneidade cultural e moral do seu “produtor”:
«Nao ha paciencia para estes velhos do restelo! Mas
nao têm nada para fazer?! Escrever um testamento deste tamanho contra o AO?
Claro que a lingua escrita deve seguir a fonetica o mais possivel! Se é pra
revogar entao revoge tudo, voltamos á pharmácia!? Ou mias atras ainda? O que é
o “Portuguez” afinal? Celtibério? Romano?»
Um mimo de panfleto, visivelmente nem romano nem celtibério, apenas de um anónimo em regime comprovado de “animação e descanso”, no seu “requinte”
de autenticidade na bastardia.
Quanto ao excelente trabalho de António
Jacinto Pascoal, direi que é apenas mais um para a gaveta do nosso “requinte”
desprezador e tosco, também autêntico, que emparelha com o do dito “Animação e descanso”, da nossa penúria.
OPINIÃO: Acordo
ortográfico? Revogar, claro!
Em vez de homogeneizar, o actual acordo
ortográfico estabeleceu uma série incontável de divergências lexicais. Ou seja,
falhou. Falhou em toda a linha.
ANTÓNIO JACINTO PASCOAL
PÚBLICO, 16 de Julho de 2019
Muito
recentemente, em defesa do actual acordo ortográfico (AO90), Lúcia Vaz Pedro
(LVP) deu uma pálida ideia da sustentação às alterações gráficas para a
língua portuguesa. Para que conste, emaranhou-se numa teia de contradições,
optando por um efeito de vitimização que não evitou o espectáculo menor de quem
defende a todo o custo e sem qualquer brilho uma das piores opções tomadas ao
nível da cultura portuguesa, na última década. O debate ocorreu na Feira do
Livro de Lisboa, no decorrer da apresentação da obra Por Amor à
Língua (editora Objectiva), de Manuel Matos Monteiro (autor de um notável
trabalho de vigilância da Portuguesa língua), contando ainda com a participação
do jornalista Nuno Pacheco, do PÚBLICO – a moderação ficou a cargo de Ana
Daniela Soares.
A
vulnerabilidade deste acordo – que, na verdade, não o é ainda,
uma vez que a sociedade científica brasileira não o ratificou até hoje –
decorre da ideia simplista de que um sistema gráfico é a tradução de um sistema
linguístico oral, conducente a um esquema de reprodução económica e simplificada
da verbalização oral. Ora, basta pensar em como os ingleses convivem com dois
sistemas que, como se sabe, muito pouco têm de comum, considerando a
transcrição fonética.
Um
dos momentos protagonizados por LVP (para além do neologismo “analfabetização”
e de uma farta dose de auto-elogio) foi o de convocar uma menina da
plateia e pedir-lhe que escrevesse uma palavra: tratava-se do vocábulo
“óptimo”, que a menina grafou como entretanto lhe ensinaram –
“ótimo"; de seguida, encaminhou a menina, fazendo-a ler aquela palavra,
com articulação do “p”. E conseguiu. Isto significa apenas que a geração
mais recente de alunos não foi treinada para uma leitura pela qual se tomasse
consciência da não articulação de certas consoantes.
Lembremos
que o AO90 entrou em vigor no sistema de ensino Português no ano lectivo de
2011/12. Nada de estranhar, portanto. Impor-se-ia, num cúmulo de perversão,
pedir-se a um aluno mais velho que escrevesse a mesma palavra, de acordo com
aquilo que lhe foi ensinado e que estava em vigor antes de 2011. Provavelmente,
entraria em cena a consoante “p”.
Baseada
na falsa ideia de que uma escrita “fonológica” é mais natural, LVP quis criar o
maior obstáculo a que uma reversão do AO90 pudesse (e possa) ter lugar,
liquidando-a de vez. E como? Partindo do pressuposto de que uma reversão
seria um atentado e uma irresponsabilidade perante uma quantidade inaudita de
alunos que fazem parte do sistema vigente, de pais a quem não seria fácil
justificar alterações e de professores acostumados a ameaçar novidades. E, por
isso, num processo argumentativo falacioso (ad misericordiam), usou (o exemplo
d)a menina, que melhor desencoraja a transgressão e reversão, e de forma mais
célere impõe a cultura da acomodação: a sociedade precisa (de) que os seus
filhos se sintam seguros no mundo do pragmatismo, mesmo quando esquecem as
origens. Mas “a menina de LVP”, longe de qualquer disputa linguística, e caso
fosse acordado, escreveria “conosco” se assim lho doutrinassem, ou “oje” e “umanidade”,
fosse a regra da não articulação oral levada ao seu limite e ensinada nas
escolas. Os alunos aprendem o que lhes ensinam – nada de novo, mais uma vez.
O
que este acordo pretendia, se pudesse ser acordo (pelo que presumo não ser
senão reforma), era, em especial, homogeneizar (uniformizar) a grafia do
Português de Portugal e do Brasil (o que se depreende da nota introdutória
ao Novo Acordo Ortográfico de João Malaca Casteleiro), sem desprimor pelos
outros países lusófonos e lusógrafos (passo o neologismo): tarefa impossível e
inglória. Nessa matéria, os falantes brasileiros arriscam-se a ser mais
oralmente etimológicos do que os falantes portugueses (entenda-se, nascidos e
versados na variante linguística de Portugal), uma vez que poucas serão as consoantes
ditas “mudas” que lhes escapam – dirão, para mal do AO90, “recepção” ou
“acepção”. Resultado: em vez de homogeneizar, o AO90 estabeleceu uma série
incontável de divergências lexicais. Ou seja, falhou.
E
também falhou porque estabeleceu um sem número de arbitrariedades, nos casos
das sequências consonânticas, em favor das regras facultativas de pronúncia
(os casos de caracterização/caraterização ou sumptuoso/suntuoso);
e falhou, porque preteriu as pronúncias cultas, ainda que
circunscritas, aos vulgarismos orais (ceptro/cetro); e falhou, porque fez tábua
rasa da etimologia nas palavras cognatas (egiptólogo/ egípcio/egito); e
falhou, porque lançou a aporia pelo fenómeno da redução vocálica (recepção/receção/[receção],
com o som articulatório do segundo “e” no valor fonético de “e” mudo, ou vogal
fechada), decorrente do efeito da leitura. E falhou por minudências, como a da
rasura do acento na paroxítona de excepção “pára”, que converge para a
preposição homónima, ou com o adjectivo “óptico”, transposto a “ótico”,
confundível com o que é relativo ao ouvido. E falhou, porque se quis afirmar
por decreto, desacoplando-se da génese linguística, de raiz maioritariamente
latina. Falhou em toda a linha.
A
degradação e a vulgaridade da língua é um fenómeno que este AO90 veio acentuar.
Ao contrário do que pensa LVP, a língua não é o que dela fazem os falantes, mas
o que os falantes se permitem fazer, em consonância com uma série de regras,
plasmadas no sistema gráfico – e, a errar, que o façamos dentro de uma ordem
estabelecida. Caso contrário, o “idioma” das sms e de outros sistemas
de escrita para comunicação rápida e espontânea passará a deter o estatuto de
competência técnica e linguística. Só que isso seria contribuir para a mortal
iliteracia a que agora ficámos um pouco mais expostos.
Procurarei,
futuramente, comprovar como este AO90 criou já debilidades ao nível da leitura
e como, com boa probabilidade, contribuirá para alterar a fonética do Português
europeu, no plano da erosão vocálica. Perante a quantidade de imprecisões e,
sejamos francos, de falhas, é tempo de confessar que nos enganámos e que o que
é inadmissível deve poder ter um retorno: o do regresso à Cultura. A língua
não é uma noite fechada, sobre a qual interesses de alguns linguistas se
determinam, mas uma aurora e um começo, sempre um começo renovado em sua
legítima defesa, enquanto organismo perseguido e francamente fustigado pela
indigência de muitos usuários.
COMENTÁRIOS
Antonio Leitao, Coimbra: O processo do AO não tem qualquer lógica a nível
linguístico e foi fundamentado sempre por razões políticas/identitárias...
Ficou uma porcaria sem defesa possível.
Manuel Maria de Melo Alte da Veiga, Aveiro:
Quanto mais estudo o caso, mais verifico
que o voo AO90 foi mesmo trágico para a cultura portuguesa. Contra muitos
comentários, o «Velho do Restelo» não gostaria de ter o trabalho de investigar
seriamente o que é uma Língua nacional e como assegurar o melhor nível cultural
possível para o futuro. Lamento que o Público não publique a jogada obscura e
interesseirista para certos lobbies. E a legitimidade do parecer na Assembleia.
E os muitos gastos que provocou para ganho de alguém. E sobretudo o perigo de
avançar com pretensos fundamentos, contra a própria psico-pedagogia e contra a
evolução dos estudos linguísticos. Gostaria tanto de ver o Público, com tantos
colaboradores competentes na matéria, a ter a iniciativa de seminários de
discussão!
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