domingo, 7 de julho de 2019

“Elementar, meu caro Watson”



Vivemos uma época de dedução. Policial, sobretudo, que temos pano para mangas. Às vezes as deduções precedem as investigações, e essas comprovam o excelente estado das células cinzentas detectivescas, como é o caso dos populares Sherlock Holmes, Hercule Poirot e Miss Marple, as únicas personagens do meu alcance celular em termos de leituras policiais, que outras formas literárias de maior impacto em exigência intelectual ocuparam por vezes o tempo precioso da diversão. Mas é desta forma que apreciamos a capacidade analítica dos comportamentos humanos reais que tantos articulistas hoje demonstram, a propósito das tramas políticas do nosso mundo de necessidades básicas em barda, a exigir respostas, e onde tantas respeitáveis (embora nem sempre respeitadoras - da ética, pelo menos) ambições de arrogância ou timidez - conforme as origens dos ambiciosos - se manifestam a cada passo. Assim, na questão das eleições para o PE, eu própria também me apercebi das manobras sorridentes de A. Costa de sugestão para se embarcar, por lá, numa governação de geringonça, como por cá também há. Pela leitura dos textos de João Marques Almeida e José Pinto, que não se abstêm de ironizar, vemos que o propósito falhou, mas a intriga é complicada, com tantos cordelinhos a desatar. E o que importa é que o bom senso domine, afinal. Será?
A habilidade de Costa não passa de Badajoz /premium
OBSERVADOR, 3/7/2019
Costa aceitou uma decisão de um directório de países, grandes e ricos, e onde estava a Espanha. Seguiu-os até ao ponto onde já não havia ninguém para seguir. Um verdadeiro desastre de política externa.
António Costa aproveitou a escolha dos lugares cimeiros na União Europeia para fazer propaganda política a pensar nas eleições de Outubro. Começou por aparecer como o grande promotor de uma espécie de geringonça europeia para derrotar o PPE em Bruxelas. Seria uma espécie de repetição do que aconteceu em Portugal em 2015. Deu a entender que teria sido convidado para um dos lugares cimeiros, quando nunca foi considerado. E acabou, de um modo deselegante – que aliás o caracteriza — a atacar Donald Tusk, tentando responsabilizá-lo pelo seu (de Costa) fracasso europeu. Pelo meio, portou-se como um líder socialista, e não como PM português, prejudicando os interesses nacionais e atraiçoando princípios fundamentais da política europeia de Portugal.
O que aconteceu entre Osaka e Bruxelas na última semana? Antes de mais, uma coligação entre Macron e os socialistas acabou com as hipóteses do candidato oficial do PPE, Manfred Weber, chegar a Presidente da Comissão Europeia. Os partidos de direita foram os culpados porque escolheram um candidato sem as qualificações mínimas para o lugar. Não é possível, nem desejável, chegar ao topo da Comissão sem qualquer experiência executiva. Obviamente, Merkel e o PPE não podiam deixar cair Weber sem lutar, e foi isso que fizeram.
A estratégia do PPE foi um exemplo de realpolitik bem sucedido. Depois de deixarem cair Weber, decidiram acabar com as esperanças de Frans Timmermans, o candidato socialista, com uma estratégia que confundiu quase todos. Enquanto, aparentemente, Merkel apoiava Timmermans, o resto do PPE opôs-se ao socialista holandês. Com a sua experiência política, Merkel percebeu que a melhor maneira de travar Timmermans seria simular o apoio. Merkel conhece demasiado bem a política europeia para saber que uma solução como a de Osaka nunca poderia ser aceite pelo Conselho Europeu. Uma espécie de directório europeu reuniu-se nas margens da Cimeira do G20, regressou a Bruxelas e tentou forçar os restantes governos a validarem a escolha dos ‘grandes’. Como foi possível que tanta gente, sobretudo em Portugal, julgasse que isto poderia funcionar? Não aprenderam nada com o que se passou em 2004?
Em 2004, os então Presidente francês, Jacques Chirac, e o Chanceler alemão, Gerard Schroeder, tentaram impor aos outros países Guy Verhofstadt como Presidente da Comissão. Obviamente, os restantes países não aceitaram e, liderados por Blair e Berlusconi, escolheram Durão Barroso para a Comissão. Quem não se esqueceu do que aconteceu há uma década e meia foi Merkel. Na altura, era líder da CDU na oposição e desempenhou um papel central para a escolha de Durão Barroso. Criticou o Chanceler do seu país por tentar obrigar os outros a aceitarem uma solução franco-alemã e insistiu que o Presidente da Comissão deveria ser do grupo mais votado no Parlamento, o PPE, tal como agora.
Passados quinze anos, quando regressava do Japão, Merkel sabia que a maioria dos Estados membros nunca aceitariam a solução de Osaka. A União Europeia não funciona com directórios que decidem em encontros fora da Europa e depois forçam todos os outros a obedecerem em Bruxelas. Na noite de domingo passado a maioria dos Estados membros acabou com a candidatura de Timmermans sem que Merkel fizesse alguma coisa para o impedir. Depois foi uma questão de tempo até os outros membros do grupo de Osaka aceitarem o inevitável.
Macron deixou cair Timmermans para ter Christine Lagarde no BCE. Aliás, ao mesmo tempo que defendia Timmermans, o Presidente francês discutia outras soluções com os alemães, como Lagarde na Comissão e Weidmann no BCE ou, a que acabou por prevalecer, Ursula von der Leyen em Bruxelas e Lagarde em Frankfurt. O PM holandês, Mark Rutte, deixou cair Timmermans para ter um liberal no Conselho Europeu, Charles Michel. E Pedro Sanchez deixou cair o camarada Timmermans para enviar o seu MNE, Josep Borrell, para Bruxelas como Alto Representante. Só António Costa, completamente enamorado da ideia de ser o pai de uma geringonça europeia e apenas preocupado com as eleições de Outubro, é que não percebeu o que se ia passando e ficou no final de tudo abandonado por todos. Todos ganharam alguma coisa, menos Costa. Até Sanchez conseguiu um lugar cimeiro para a Espanha.
Nada disto seria preocupante se Costa não fosse o PM português. A sua função é defender os interesses nacionais e não os desejos dos socialistas. Costa colocou-se completamente contra a Alemanha – veremos agora o preço a pagar quando a nova Presidente da Comissão atribuir a pasta ao Comissário português – juntou-se a Macron e a Sanchez, que o abandonaram quando já não precisaram dele.
Para terminar, resolveu atacar Donald Tusk. Tal como Merkel, e até coordenado com a Chanceler alemã, o Presidente do Conselho Europeu sabia que a solução de Osaka nunca poderia ser aceite pelos restantes países da União Europeia. Mais, Tusk achava que não seria desejável que tal acontecesse, e esteve muito bem. Além disso, Costa deveria saber tudo o que Tusk fez em Julho de 2015 para impedir que a Grécia saísse do Euro. Naquela longa noite do Verão de 2015, foram Tusk e Merkel que ajudaram Tsipras para impedir a saída da Grécia. Mais, Costa sabe o papel positivo e construtivo que Tusk tem desempenhado no processo do Brexit, ajudando a manter a unidade da UE e evitando a radicalização de posições entre Bruxelas e Londres.
Mas o pior de tudo foi a traição de Costa a um princípio elementar da diplomacia portuguesa: a oposição aos directórios dos grandes ou dos ricos. Costa aceitou uma decisão de um pequeno directório de países, grandes e ricos, e onde estava a Espanha. Seguiu-os até ao ponto em que já não havia ninguém para seguir. É o que se chama um desastre de política externa. António Costa não consegue ser mais do que um líder partidário. Nunca será um estadista.
COMENTÁRIO
Antonio Cerveira Pinto: Já tinha comentado que uma geringonça europeia, só como anedota seria aceite em Bruxelas. Mas João Marques de Almeida espeta o cutelo até ao osso oportunista de António Costa, que boa parte da indigente imprensa indígena apoia, já sem um mínimo de vergonha:,“O pior de tudo foi a traição de Costa a um princípio elementar da diplomacia portuguesa: a oposição aos directórios dos grandes ou dos ricos. Costa aceitou uma decisão de um pequeno directório de países, grandes e ricos, e onde estava a Espanha. Seguiu-os até ao ponto em que já não havia ninguém para seguir. É o que se chama um desastre de política externa. António Costa não consegue ser mais do que um líder partidário. Nunca será um estadista.

António Costa: da desilusão à ambição desconsolada
OBSERVADOR, 7/7/2019
Como se percebe, a maratona negocial europeia está longe de ter terminado. Os próximos dias vão ser exigentes para o Governo de António Costa. Transformar a desilusão em ambição não é tarefa fácil.
As decisões resultantes da maratona negocial visando a indicação das personalidades que irão ocupar os postos cimeiros da União Europeia não corresponderam à esperança com que António Costa saiu de Lisboa. De facto, o condutor da geringonça interna alimentava a ideia de que o modelo podia ser replicável a nível comunitário.
Enganou-se rotundamente, uma vez que o grupo da sua família política apenas conseguiu a indicação do alto representante para as relações externas, Josep Borrel, e do primeiro vice-Presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans. Por isso, Costa deu conta da sua desilusão. A regra da vida habitual sempre que as decisões não vão ao encontro dos cenários por si traçados como ideais.
Desta vez, a nível comunitário, não foi possível ao líder do PS transformar a derrota em vitória. Pelo menos no que diz respeito à indicação das personalidades para os cargos, uma vez que, no que se refere a Ursula von der Leyen, ainda há cartuchos para gastar. A sua indicação está longe de consensual, mesmo entre os membros do grupo do Partido Popular Europeu (PPE) a começar pelo ainda Presidente, Jean Claude Juncker, que se juntou às vozes discordantes ao falar em falta de transparência.
Um processo a acompanhar, embora sejam ténues ou nulas as esperanças socialistas de reverterem a decisão que entregou ao PPE a indicação da Presidente da Comissão Europeia. Por isso, os olhos de António Costa já se viraram noutra direção. Ou melhor, reposicionaram-se de forma a acautelarem o futuro próximo. Aquele que importa garantir. Chegou o tempo do plano B, a letra inicial da palavra «Bom».
Assim, a luta virou baterias para a distribuição dos pelouros na futura Comissão Europeia. Há que apostar na obtenção de uma pasta susceptível de agradar a Portugal e, obviamente, ao Governo do PS. O nome do Comissário não é coisa de grande monta. Não falta quem esteja disposto a seguir as recomendações costistas. O posto é suficientemente atractivo. A questão fulcral prende-se com o pelouro.
Não parece abusivo dizer que o Governo já elaborou a sua lista de prioridades. A circunstância de não haver nomes portugueses na liderança dos principais órgãos comunitários pode contribuir para aumentar o capital reivindicativo de Lisboa. Por isso, a pasta da Política Regional seria bem recebida. Afinal, é ela que controla os Fundos Estruturais e quando se fala de Fundos os milhões provocam sorrisos esperançosos. A ideia de que os Fundos representam uma espécie de poço sem fundo volta a iluminar não apenas o Governo. Os grupos de interesse e de pressão já esfregam as mãos de contentamento.
Actores que também não ficariam desiludidos se Portugal passasse a chefiar a pasta do Ambiente, das Pescas e dos Assuntos Marítimos. Como os resultados eleitorais provaram, o Ambiente tornou-se num tema incontornável. Deixou de se circunscrever às manifestações esporádico-folclóricas de grupos ambientalistas. Tornou-se uma questão global. Um sorvedouro ou um mealheiro de votos. Além disso, tudo o que se prende com o Mar e com a economia marítima é fundamental para Portugal, apesar da tradicional política de vistas curtas que transforma em quase pedinte o dono do tesouro.
Pena que, a nível comunitário, não vigore o modelo português que fez de Assunção Cristas a titular do ministério da Agricultura e do Mar. Seria, malgrado o desconforto do PAN, «matar dois coelhos com uma cajadada». Por falar em Agricultura, António Costa também não enjeitaria o pelouro da Agricultura e Desenvolvimento Rural. Uma daquelas pastas onde a retórica e os fundos gastos não encontram tradução num real desenvolvimento. Por isso, em Portugal, os dados mostram um alarmante recuo demográfico no mundo rural.
Como se percebe, a maratona negocial está longe de ter terminado. Os próximos dias vão ser exigentes para o Governo de António Costa. Transformar a desilusão em ambição não é tarefa fácil. Até porque carrega uma mágoa profunda. Gostaria de mais manifestações de afecto dos portugueses. Assim, tipo Professor Marcelo.
Não percebe essa ausência depois de ter assumido que tinha sido convidado para um cargo de topo da União Europeia, mas que o patriotismo tinha falado mais alto. Recusou-se a desertar de Portugal e os portugueses não lhe agradecem o sacrifício.
Querem ver que os ingratos estavam desejosos de o ver pelas costas?! Ainda bem que o apelido é no singular. Tipo Costa do Castelo. Coisa para consumo interno.

COMENTÁRIO:
Mosava Ickx: Deliciosa ironia, adorei... O desenvolvimento regional nas mãos de uma criatura desse PS seria um pesadelo!

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