Vivemos uma época de dedução. Policial,
sobretudo, que temos pano para mangas. Às vezes as deduções precedem as investigações,
e essas comprovam o excelente estado das células cinzentas detectivescas, como
é o caso dos populares Sherlock Holmes,
Hercule Poirot e Miss Marple, as
únicas personagens do meu alcance celular em termos de leituras policiais, que outras
formas literárias de maior impacto em exigência intelectual ocuparam por vezes o
tempo precioso da diversão. Mas é desta forma que apreciamos a capacidade
analítica dos comportamentos humanos reais que tantos articulistas hoje
demonstram, a propósito das tramas políticas do nosso mundo de necessidades
básicas em barda, a exigir respostas, e onde tantas respeitáveis (embora nem
sempre respeitadoras - da ética, pelo menos) ambições de arrogância ou timidez
- conforme as origens dos ambiciosos - se manifestam a cada passo. Assim, na questão
das eleições para o PE, eu própria
também me apercebi das manobras sorridentes de A. Costa de sugestão para se
embarcar, por lá, numa governação de geringonça, como por cá também há. Pela
leitura dos textos de João Marques
Almeida e José Pinto, que não se
abstêm de ironizar, vemos que o propósito falhou, mas a intriga é complicada,
com tantos cordelinhos a desatar. E o que importa é que o bom senso domine,
afinal. Será?
I - UNIÃO
EUROPEIA
A habilidade de Costa não passa de
Badajoz /premium
OBSERVADOR, 3/7/2019
Costa aceitou uma decisão de um
directório de países, grandes e ricos, e onde estava a Espanha. Seguiu-os até
ao ponto onde já não havia ninguém para seguir. Um verdadeiro desastre de
política externa.
António
Costa aproveitou a escolha dos lugares cimeiros na União Europeia para fazer
propaganda política a pensar nas eleições de Outubro. Começou por aparecer como
o grande promotor de uma espécie de geringonça europeia para derrotar o PPE em
Bruxelas. Seria uma espécie de repetição do que aconteceu em Portugal em 2015.
Deu a entender que teria sido convidado para um dos lugares cimeiros, quando
nunca foi considerado. E acabou, de um modo deselegante – que aliás o
caracteriza — a atacar Donald Tusk, tentando responsabilizá-lo pelo seu (de
Costa) fracasso europeu. Pelo meio, portou-se como um líder socialista, e não
como PM português, prejudicando os interesses nacionais e atraiçoando
princípios fundamentais da política europeia de Portugal.
O que aconteceu entre Osaka e Bruxelas
na última semana? Antes de
mais, uma coligação entre Macron e os socialistas acabou com as hipóteses do
candidato oficial do PPE, Manfred Weber, chegar a Presidente da Comissão
Europeia. Os partidos de direita foram os culpados porque escolheram um
candidato sem as qualificações mínimas para o lugar. Não é possível, nem
desejável, chegar ao topo da Comissão sem qualquer experiência executiva.
Obviamente, Merkel e o PPE não podiam deixar cair Weber sem lutar, e foi isso
que fizeram.
A
estratégia do PPE foi um exemplo de realpolitik bem sucedido. Depois
de deixarem cair Weber, decidiram acabar com as esperanças de Frans Timmermans,
o candidato socialista, com uma estratégia que confundiu quase todos. Enquanto,
aparentemente, Merkel apoiava Timmermans, o resto do PPE opôs-se ao socialista
holandês. Com a sua experiência política, Merkel percebeu que a melhor maneira
de travar Timmermans seria simular o apoio. Merkel conhece demasiado bem a
política europeia para saber que uma solução como a de Osaka nunca poderia ser
aceite pelo Conselho Europeu. Uma espécie de directório europeu reuniu-se nas
margens da Cimeira do G20, regressou a Bruxelas e tentou forçar os restantes
governos a validarem a escolha dos ‘grandes’. Como foi possível que tanta
gente, sobretudo em Portugal, julgasse que isto poderia funcionar? Não
aprenderam nada com o que se passou em 2004?
Em
2004, os então Presidente francês, Jacques Chirac, e o Chanceler alemão, Gerard
Schroeder, tentaram impor aos outros países Guy Verhofstadt como Presidente da
Comissão. Obviamente, os restantes países não aceitaram e, liderados por Blair
e Berlusconi, escolheram Durão Barroso para a Comissão. Quem não se esqueceu do
que aconteceu há uma década e meia foi Merkel. Na altura, era líder da CDU na
oposição e desempenhou um papel central para a escolha de Durão Barroso.
Criticou o Chanceler do seu país por tentar obrigar os outros a aceitarem uma
solução franco-alemã e insistiu que o Presidente da Comissão deveria ser do grupo
mais votado no Parlamento, o PPE, tal como agora.
Passados
quinze anos, quando regressava do Japão, Merkel sabia que a maioria dos Estados
membros nunca aceitariam a solução de Osaka. A União Europeia não funciona com
directórios que decidem em encontros fora da Europa e depois forçam todos os
outros a obedecerem em Bruxelas. Na noite de domingo passado a maioria dos
Estados membros acabou com a candidatura de Timmermans sem que Merkel fizesse
alguma coisa para o impedir. Depois foi uma questão de tempo até os outros
membros do grupo de Osaka aceitarem o inevitável.
Macron
deixou cair Timmermans para ter Christine Lagarde no BCE. Aliás, ao mesmo tempo que defendia Timmermans, o
Presidente francês discutia outras soluções com os alemães, como Lagarde na Comissão
e Weidmann no BCE ou, a que acabou por prevalecer, Ursula von der Leyen em
Bruxelas e Lagarde em Frankfurt. O PM holandês, Mark Rutte, deixou cair
Timmermans para ter um liberal no Conselho Europeu, Charles Michel. E
Pedro Sanchez deixou cair o camarada Timmermans para enviar o seu MNE, Josep
Borrell, para Bruxelas como Alto Representante. Só António
Costa, completamente enamorado da ideia de ser o pai de uma geringonça europeia
e apenas preocupado com as eleições de Outubro, é que não percebeu o que se ia
passando e ficou no final de tudo abandonado por todos. Todos ganharam alguma coisa, menos Costa. Até
Sanchez conseguiu um lugar cimeiro para a Espanha.
Nada
disto seria preocupante se Costa não fosse o PM português. A sua função é
defender os interesses nacionais e não os desejos dos socialistas. Costa
colocou-se completamente contra a Alemanha – veremos agora o preço a pagar
quando a nova Presidente da Comissão atribuir a pasta ao Comissário português –
juntou-se a Macron e a Sanchez, que o abandonaram quando já não precisaram
dele.
Para
terminar, resolveu atacar Donald Tusk. Tal como Merkel, e até coordenado com a
Chanceler alemã, o Presidente do Conselho Europeu sabia que a solução de Osaka
nunca poderia ser aceite pelos restantes países da União Europeia. Mais, Tusk
achava que não seria desejável que tal acontecesse, e esteve muito bem. Além
disso, Costa deveria saber tudo o que Tusk fez em Julho de 2015 para impedir
que a Grécia saísse do Euro. Naquela longa noite do Verão de 2015, foram Tusk e
Merkel que ajudaram Tsipras para impedir a saída da Grécia. Mais, Costa sabe o
papel positivo e construtivo que Tusk tem desempenhado no processo do Brexit,
ajudando a manter a unidade da UE e evitando a radicalização de posições entre
Bruxelas e Londres.
Mas
o pior de tudo foi a traição de Costa a um princípio elementar da diplomacia
portuguesa: a oposição aos directórios dos grandes ou dos ricos. Costa aceitou
uma decisão de um pequeno directório de países, grandes e ricos, e onde estava
a Espanha. Seguiu-os até ao ponto em que já não havia ninguém para seguir. É o
que se chama um desastre de política externa. António Costa não consegue ser
mais do que um líder partidário. Nunca será um estadista.
COMENTÁRIO
Antonio Cerveira Pinto: Já tinha
comentado que uma geringonça europeia, só como anedota seria aceite em
Bruxelas. Mas João Marques de Almeida espeta o cutelo até ao osso oportunista
de António Costa, que boa parte da indigente imprensa indígena apoia, já sem um
mínimo de vergonha:,“O pior de tudo foi a traição de Costa a um princípio
elementar da diplomacia portuguesa: a oposição aos directórios dos grandes ou
dos ricos. Costa aceitou uma decisão de um pequeno directório de países,
grandes e ricos, e onde estava a Espanha. Seguiu-os até ao ponto em que já não
havia ninguém para seguir. É o que se chama um desastre de política externa.
António Costa não consegue ser mais do que um líder partidário. Nunca será um
estadista.
II -UNIÃO EUROPEIA
António Costa: da desilusão à ambição desconsolada
OBSERVADOR, 7/7/2019
Como
se percebe, a maratona negocial europeia está longe de ter terminado. Os
próximos dias vão ser exigentes para o Governo de António Costa. Transformar a
desilusão em ambição não é tarefa fácil.
As decisões resultantes da maratona
negocial visando a indicação das personalidades que irão ocupar os postos
cimeiros da União Europeia não corresponderam à esperança com que António Costa
saiu de Lisboa. De facto, o condutor da geringonça interna alimentava a ideia
de que o modelo podia ser replicável a nível comunitário.
Enganou-se
rotundamente, uma vez que o grupo da sua família política apenas conseguiu a
indicação do alto representante para as relações externas, Josep Borrel, e do
primeiro vice-Presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans. Por isso, Costa deu conta da sua desilusão. A regra
da vida habitual sempre que as decisões não vão ao encontro dos cenários por si
traçados como ideais.
Desta
vez, a nível comunitário, não foi possível ao líder do PS transformar a derrota
em vitória. Pelo menos no que diz respeito à indicação das personalidades para
os cargos, uma vez que, no que se refere a Ursula von der Leyen, ainda há
cartuchos para gastar. A sua indicação está longe de consensual, mesmo entre os
membros do grupo do Partido Popular Europeu (PPE) a começar pelo ainda
Presidente, Jean Claude Juncker, que se juntou às vozes discordantes ao falar
em falta de transparência.
Um
processo a acompanhar, embora sejam ténues ou nulas as esperanças socialistas
de reverterem a decisão que entregou ao PPE a indicação da Presidente da
Comissão Europeia. Por isso, os olhos de António Costa já se viraram noutra
direção. Ou melhor, reposicionaram-se de forma a acautelarem o futuro próximo.
Aquele que importa garantir. Chegou o tempo do plano B, a letra inicial da
palavra «Bom».
Assim, a luta virou baterias para a
distribuição dos pelouros na futura Comissão Europeia. Há que apostar na
obtenção de uma pasta susceptível de agradar a Portugal e, obviamente, ao
Governo do PS. O nome do Comissário não é coisa de grande monta. Não falta quem
esteja disposto a seguir as recomendações costistas. O posto é suficientemente
atractivo. A questão fulcral prende-se com o pelouro.
Não
parece abusivo dizer que o Governo já elaborou a sua lista de prioridades. A
circunstância de não haver nomes portugueses na liderança dos principais órgãos
comunitários pode contribuir para aumentar o capital reivindicativo de Lisboa. Por
isso, a pasta da Política Regional seria bem recebida. Afinal, é ela que
controla os Fundos Estruturais e quando se fala de Fundos os milhões provocam sorrisos
esperançosos. A ideia de que os Fundos representam uma espécie de poço sem
fundo volta a iluminar não apenas o Governo. Os grupos de interesse e de
pressão já esfregam as mãos de contentamento.
Actores
que também não ficariam desiludidos se Portugal passasse a chefiar a pasta do
Ambiente, das Pescas e dos Assuntos Marítimos. Como os resultados eleitorais
provaram, o Ambiente tornou-se num tema incontornável. Deixou de se
circunscrever às manifestações esporádico-folclóricas de grupos ambientalistas.
Tornou-se uma questão global. Um sorvedouro ou um mealheiro de votos.
Além disso, tudo o que se prende com o Mar e com a economia marítima é
fundamental para Portugal, apesar da tradicional política de vistas curtas que
transforma em quase pedinte o dono do tesouro.
Pena
que, a nível comunitário, não vigore o modelo português que fez de Assunção
Cristas a titular do ministério da Agricultura e do Mar. Seria, malgrado o
desconforto do PAN, «matar dois coelhos com uma cajadada». Por falar em
Agricultura, António Costa também não enjeitaria o pelouro da Agricultura e
Desenvolvimento Rural. Uma daquelas pastas onde a retórica e
os fundos gastos não encontram tradução num real desenvolvimento. Por isso, em
Portugal, os dados mostram um alarmante recuo demográfico no mundo rural.
Como
se percebe, a maratona negocial está longe de ter terminado. Os próximos dias
vão ser exigentes para o Governo de António Costa. Transformar a desilusão em
ambição não é tarefa fácil. Até porque carrega uma mágoa profunda. Gostaria de
mais manifestações de afecto dos portugueses. Assim, tipo Professor Marcelo.
Não
percebe essa ausência depois de ter assumido que tinha sido convidado para um
cargo de topo da União Europeia, mas que o patriotismo tinha falado mais alto.
Recusou-se a desertar de Portugal e os portugueses não lhe agradecem o
sacrifício.
Querem
ver que os ingratos estavam desejosos de o ver pelas costas?! Ainda bem que o
apelido é no singular. Tipo Costa do Castelo. Coisa para consumo interno.
COMENTÁRIO:
Mosava Ickx: Deliciosa
ironia, adorei... O desenvolvimento regional nas mãos de uma criatura desse PS
seria um pesadelo!
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