A propósito do artigo de Maria de Fátima Bonifácio, que fez
deflagrar tanta pesporrência adversa à professora, que se atreveu,
democraticamente, a exprimir uma opinião pessoal, de sensatez de observação, num
tema “quente”, porque devidamente acarinhado pelos actuais fazedores de
opinião, da afeição governativa, Vasco
Pulido Valente também vem à liça defender a pessoa de quem se diz
amiga, condenando-a, contudo, no “erro histórico” por ela cometido, a respeito
da inclusão de ciganos e muitos dos africanos na cristandade, esquecida do
ecumenismo que ao que parece o cristianismo pressupõe, embora os maometanos,
também parece não se incluírem nela, pois até já andámos à trolha com eles, na
chamada “reconquista cristã”, além de que outros de seitas parecidas, mas
islamistas, têm cometido ultimamente desacatos horripilantes, na intenção, ao
que parece, de difundirem as luzes da sua seita lá pela Europa. VPV deseja saber a opinião do advogado Francisco Teixeira da Mota sobre a viabilidade de uma condenação da sua amiga. Por
esse motivo, coloco também um texto de FTM , saído no Público,
mas FTM parece não ter opinião própria, limita-se a citar várias decisões
do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
(TEDH), afastando prudentemente a sua responsabilidade
decisora, mas dando a entender que Maria de Fátima Bonifácio não escapa
da condenação que a tanta gente nossa, da bondade unilateral, apetece. É por
isso que volto a transcrever parte do texto de Alberto
Gonçalves, que não alinha nas mesmas pusilanimidades nem nas
mesmas perfídias, dos nossos moralistas de trazer por casa.
Da
Crónica Alberto Gonçalves Notícias da Inquisição Portuguesa /Premium:
«Veja-se o que aconteceu esta semana a
propósito de Maria de Fátima Bonifácio. Em
artigo no “Público”, a historiadora escreveu umas linhas sobre “raças”, incluindo
a crítica às quotas e certas generalizações esquisitas. Admito que a
senhora seja racista, não sei. Sei que a turba furiosa que exige a dilapidação,
às vezes literal, da dra. Bonifácio é coisa pior. Nenhum ou quase nenhum
dos furiosos, esmagadoramente brancos, está de facto preocupado com o alegado
racismo. Em circunstâncias similares, também não estariam preocupados com a
xenofobia, a “masculinidade tóxica” (pausa para alívio cómico), a homofobia e
demais calamidades da época. A indiferença desses virtuosos às calamidades em
si prova-se nos momentos em que eles próprios as cometem. Os virtuosos não se
manifestaram quando o capataz da CGTP chamou “escurinho” a um representante da
“troika”, ou quando meio mundo queria enxotar os brasileiros que votaram
Bolsonaro, ou quando o revolucionário Otelo exibiu famílias paralelas, ou
quando o dr. Louçã produziu uma observação canalha para atingir um adversário
político. A preocupação dessa gente, que de resto enxovalha com
jovialidade os homens, os brancos, os heterossexuais, os “ricos”, os cristãos
ou os judeus, não são as calamidades, mas as liberdades. E o objectivo dessa
gente não é acabar com as primeiras, mas abolir as segundas.
É
por isso que as “ofensas” em que a actualidade é pródiga não inspiram aos
“ofendidos” um esboço de contraditório, e sim uma vontade imensa de calar e
punir o “ofensor”. Ao suposto “ódio” respondem com ódio inequívoco e, se
possível, consequente. Mamadou
Ba, chefe de uma metástase do Bloco de Esquerda intitulada SOS Racismo,
esclareceu: não basta que a dra. Bonifácio peça desculpa, tem de pagar pelo que
disse. O sr. Ba não informou se o pagamento
ideal seria através de coima, pena de prisão ou fogueira na praça. À cautela,
apresentou queixa ao Ministério Público contra a dra. Bonifácio, no que foi
imitado por inquisidores de calibre semelhante. Há promessas de “boicote” dos
jornais que publiquem a dra. Bonifácio (já suficientemente boicotados pelo
mercado). Há rumores de pressões dentro da universidade. Há ameaças veladas e
explícitas. E há, em suma, o desejo ardente de destruir alguém que, com maior
ou menor acerto, se limitou a emitir uma opinião, hoje elevada a crime.»
I - CRÓNICA
Diário
Conheço a Fátima [Bonifácio] há quase
cinquenta anos. Nunca dei por que ela fosse xenófoba ou racista. Defeito meu,
com certeza.
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 13 de Julho de 2019
6 de Julho: Parece que a Fátima Bonifácio provocou uma caçada
às bruxas nas redes sociais. Desta vez, a bruxa é ela.
7 de Julho: Conheço a Fátima há quase cinquenta anos. Nunca dei
por que ela fosse xenófoba ou racista. Defeito meu, com certeza.
8 de Julho: A pretexto da Fátima, um artigo de Rui Tavares com o
título de “O neo-reaccionarismo e como
combatê-lo”. A segunda parte merece comentário. É um truque
estalinista muito conhecido. Rui Tavares faz uma “amálgama” de todas as
partes e tendências da direita e baptiza o resultado com o nome
“neo-reaccionarismo”. O que, no fundo, ele gostava de ter dito era: “fascismo”.
O
anti-fascismo serviu aos estalinistas desde a guerra de Espanha, para esconder
a sua verdadeira face e condenar por grosso os seus inimigos. O
“neo-reaccionarismo” pretende servir os mesmos fins. Quem quer ser “neo-reaccionário”? Qualquer pessoa
prefere estar do lado do progresso e contra a reacção. A manobra é
perfeita. Só tem dois defeitos.
Primeiro,
revela o tiranete que dorme em cada apologista dos direitos do homem e dos
“valores da Europa”. Segundo, “neo-reaccionário” não é uma palavra tão boa e
tão simples como “fascista”.
9 de Julho: João Miguel Tavares, como quem se preza, também apanhou
a boleia da Fátima para mostrar a sua limpeza de alma. Já o colega das 2ª,
4ª e 6ª tinha aproveitado a deixa, na primeira parte do seu artigo de ontem.
Hoje, João Miguel Tavares entrou na
corrida em nome da Cristandade.
Com
muitas vénias e arrecuos, acusa a Fátima de não incluir os ciganos e os negros
na Cristandade; e fala de Pedro e Paulo.
Falta de preparação: o que dividia Pedro e Paulo nada tem a ver com o
racismo e a xenofobia de agora. Nem a universalidade de Paulo era mais do que a
vocação ecuménica da sua pequena seita no mundo romano. E, de resto, a
Fátima só usa a palavra “Cristandade” uma vez e no sentido cultural do termo.
Ela
não acha, mas cristãos somos nós todos, até os ateus, quanto mais os ciganos e
os negros. Basta-nos respirar. Os
argumentos teológicos são um despropósito.
Talvez
João Miguel Tavares soubesse isso perfeitamente e fingisse que não, para poder
desalfandegar um pouco da sua carga direitista, provando assim como a ameaça,
mesmo latente, de “neo-reaccionarismo” funciona bem.
10 de Julho: Ultimamente têm aparecido muitos intérpretes da
personalidade de Rui Rio que, para quem está de fora, parece um erro da
história política portuguesa. Mas não é. Rui Rio
faz parte da grande tradição do pequeno déspota de província que acede a um
cargo nacional. Não vejo
grande diferença entre ele e o homem do Vimieiro, que servia cabrito assado com
batata nova aos seus ministros.
11 de Julho: O SOS Racismo e
um grupo de indivíduos indignados apresentaram queixa-crime
contra a Fátima Bonifácio. Cada um faz o que quer e o que lhe apetece nesta
nossa terrinha. Mas gostava de saber o que diz disto tudo o Francisco Teixeira da Mota.
Colunista
COMENTÁRIOS
j sousa, Portugal: O infeliz texto de MFB e a algazarra que se lhe
seguiu, teve pelo menos o condão de confirmar uma tendência que nós
Portugueses, parece estarmos a adoptar neste séc. XXI: convencidos e
litigantes.
ana cristina, Lisboa et Orbi: defensores dos direitos do homem? todos uns tiranetes
em potência. Excluir africanos e ciganos da Cristandade? sendo "só uma vez
e no sentido cultural", está perdoada, a amiga Fátima. .....assim não dá,
Vasco.
Ceratioidei, Oceanos 09:31: “Conheço a Fátima há quase cinquenta anos. Nunca dei
por que ela fosse xenófoba ou racista. Defeito meu, com certeza.“ Tipicamente elite portuguesa: não saber
separar o trabalho do Cognac. É meu amigo, isso é prova suficiente da sua
idoneidade. Ou seja: eu sou indiscutível, a bitola da razão, o fiel da balança.
O meu amigo é idóneo porque é meu amigo. Não, não é defeito. É feitio.
AndradeQB, Porto: A histeria à volta do texto de Fátima Bonifácio
resulta da mesma confusão e medos que levou o país, aqui há um par de anos, a
defender até ao endeusamento os dois bezerros que fugiram durante o transporte
para uma feira no Minho. Também nessa onda de amores e ódios, me pareceu que, a
dada altura, já ninguém sabia se eram bezerros, se touros, ou cabras. Qualquer
desculpa é boa para desviar a discussão dos problemas que o instinto sabe
existirem e se receia enfrentar para discussões laterais. Há quem vá ao
futebol.
Visitante da Noite, En un lugar de La
Mancha, ou por aí perto: Estávamos
mesmo à espera da sua reacção, caro VPV. É preciso de facto ser Valente para
vir defender o indefensável. O seu principal argumento é que não foi bem aquilo
que a autora queria escrever, então resta-nos sobreinterpretar cada uma das
suas palavras. A Cristandade não se caracteriza pela uniformidade cultural,
isso é uma falácia, existem povos cristãos dos confins da Sibéria à Cidade do
Cabo. O problema de fundo do texto da FB, independentemente das ideias que
defende, é que é francamente mau: factualmente errado e mal escrito e
argumentado. A Africana Francisca Van Dunem veio nestas mesmas páginas
dar uma lição de bom português e bom senso. Por norma discordo do ponto de
vista do VPV, mas leio-o com interesse porque escreve bem e suscita reflexão. O
texto da FB deu-me vergonha alheia.
II - OPINIÃO
O Tribunal
Europeu e o discurso de ódio
A
recusa de protecção desse tipo de discurso, na prática, pode resultar de o Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos (TEDH) considerar que o mesmo constitui um abuso de direito
em relação à liberdade de expressão, o que é proibido pela Convenção que
determina que nenhuma das suas disposições se pode interpretar no sentido de
haver um direito a praticar actos com vista à destruição dos direitos ou
liberdades consagrados na própria Convenção.
Mas
o TEDH também pode recusar, em concreto, a protecção da liberdade de
expressão ao discurso de ódio ou de discriminação racial, não porque entende
que coloca em causa os direitos e valores fundamentais sobre os quais assenta a
CEDH mas porque entende que se justificam restrições à liberdade de expressão
em nome da defesa da segurança pública ou da ordem pública e a prevenção
criminal, bem como a protecção da honra ou dos direitos de outrem.
Em
27 de Junho de 2017, por exemplo, o TEDH apreciou a queixa, por violação da
liberdade de expressão, de Belkacem, um cidadão belgamuçulmano que
tinha sido condenado na pena, suspensa, de 18 meses de prisão e numa multa de
550 euros por incitamento à discriminação, à violência e ao ódio. No
Youtube, Belkacem pedia aos seus apaniguados que dominassem as pessoas
não-muçulmanas, lhes ensinassem uma lição e lutassem contra elas. O TEDH
considerou que as declarações de Belkacem tinham um conteúdo que promovia o
ódio, a discriminação e a violência contra todos os que não fossem muçulmanos.
Para o TEDH, um ataque tão generalizado e veemente contradizia os valores de
tolerância, paz social e não-discriminação que fundamentam a Convenção pelo que
considerou que Belkacem pretendia usar o seu direito à liberdade de
expressão para fins claramente contrários ao espírito da Convenção, concluindo
que, tendo em conta a proibição do abuso de direito, Belkacem não
beneficiava da protecção da liberdade de expressão.
Noutro
caso, em 4 de Dezembro de 2003, o TEDH debruçou-se sobre a condenação do
cidadão turco Gunduz a uma pena de dois anos de prisão e ao pagamento de uma
multa no valor de 600 000 liras turcas por, num debate televisivo, ter
expressado as suas ideias radicais, nomeadamente quanto à democracia e à
necessidade de imposição da lei sharia, o que fora considerado pelos
tribunais turcos como discurso de ódio. O TEDH, pelo seu lado, considerou
que Gunduz participara activamente de uma animada discussão pública
representando as ideias extremistas de sua seita e que este debate pluralista
procurara apresentar a seita e suas ideias não convencionais, nomeadamente a
incompatibilidade de sua concepção do Islão com os valores democráticos, um
tema, sem dúvida, de interesse geral. Para o TEDH, as afirmações
de Gunduz não incitavam à violência ou ao ódio com base na intolerância
religiosa. O mero facto de Gunduz defender a sharia, sem exigir o seu
estabelecimento através da violência, não poderia ser considerado um discurso
de ódio. E a Turquia foi condenada por ter violado a liberdade de expressão
de Gunduz.
Já
no caso Féret contra a Bélgica, decidido em 16 de Julho de 2009, o TEDH
considerou que a Bélgica não violara a liberdade de expressão consagrada na Convenção ao
condenar Féret, dirigente do Partido Nacional, a uma pena de prestação de
serviços comunitários de 250 horas e de ineligibilidade para cargos públicos
por 10 anos, por incitamento à discriminação racial.
Féret
defendia publicamente, entre outras coisas, o repatriamento dos imigrantes e
pretendia “opor-se à islamização da Bélgica”, “parar a política de
pseudo-integração”, “reservar para os belgas e europeus, a prioridade na
assistência social “,” deixar de engordar as associações socioculturais de
assistência à integração de imigrantes” e “reservar o direito de asilo (...) a
pessoas de origem europeia realmente perseguidas por razões políticas”.
Para
o TEDH, as afirmações de Féret incitavam claramente à descriminação e ódio
racial pelo que sua condenação pelos tribunais belgas estava justificada pela
necessidade de proteger a ordem pública e os direitos de terceiros numa
sociedade democrática.
Comentário:
Ceratioidei, Oceanos 12.07.2019: Caro Francisco Teixeira da Mota, não encontro palavras
que exprimam o que senti ao ler o seu texto. Encheu-me as medidas, transbordou
e provocou um sentimento de bem-estar inexplicável. Obrigado. Bem haja.
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