Apesar das Tágides, como ponto de partida dos escritos do Dr. Salles, bem longe estamos do espírito que procedeu à glorificação dos heróis nacionais, segundo a pena daquele que se dispôs a engrandecê-los, confrontando-os mesmo com os heróis fictícios da exaltação clássica, superiorizando-os em tamanho heróico, suponho que merecidamente. Vivemos hoje numa época de luxos e mimos, na senda de um constante assalto aos poderes que, por artimanhas dos tempos, fizeram de nós, para mais, dependentes sem orgulho, por bisonho que fosse, de outros povos que progrediram em valores próprios, de esforço orientado. Por cá, ultimamente, tem sido um ver se te avias de lutas pelos poderes do mando, na autoestrada desanuviada pela ajuda externa, e ante a pasmaceira dos que se mantêm nos degraus inferiores do escadote a que os mais espertos se alcandoraram, não com o “peito ilustre lusitano a quem Neptuno e Marte obedeceram” mas movidos dos jeitos fatídicos com que os descreve o Dr. Salles – “Orgulho bisonho, inveja venenosa, jactância vaidosa.” Daí que seja amargurada a invocação às Tágides, e não, como a de Camões, confiante do resultado final – que foi, afinal, a sua obra épica.
«...E VÓS,
TÁGIDES MINHAS...» - 8
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA
NAÇÃO, 21.10.22
ou
O MUNDO VISTO A PARTIR DA MINHA VARANDA
Orgulho bisonho, inveja venenosa, jactância vaidosa.
* * *
Eis três dos defeitos mais comuns de que a política
padece. E quem diz a política, diz a sociedade em geral.
E se com o mal dos outros podemos nós bem, reste-nos a consolação de que o
problema não é só nosso, mas também perturba outras sociedades que
se dizem mais evoluídas.
Orgulho é a recusa de reconhecer os erros
cometidos; bisonho porque teimoso e envergonhado. A desculpa esfarrapada de que «na circunstância, foi a decisão correcta». Ficam amiúde
por explicar as tais circunstâncias.
Inveja é, tendo ou não tendo o bom, querer que o outro o não tenha.
E se o activo invejado é a fama, até a calúnia serve para a iconoclasia. Um
veneno social que conduz ao aniquilamento dos méritos. Ao nivelamento por
baixo, à mediocridade.
Jactância é a gabarolice mais ou menos inflamada conforme a
clarividência ou a acefalia da audiência arrebanhada em comício. A
sublimação do peso na consciência pelos erros cometidos no passado, a
estratégia de apagamento dos adversários, a «fuga para a frente».
E se estas são realidades com que nos cruzamos com alguma frequência no
teatro da patologia social, tudo o que é vaidade, veneno e recalcamento,
parece ser atraído pela política e assentar nas extremas.
Que maçada!
Outubro de 2022
Henrique Salles da Fonseca
Tags: política
COMENTÁRIOS:
Anónimo 21.10.2022 17:08
Não me parece, Henrique, que as caraterísticas (chamemos
assim) atraídas pela Política (vaidade, veneno e recalcamento) assentem só nas
extremas. Estão também no miolo. A isto, juntas o orgulho bisonho, a inveja venenosa e
a jactância vaidosa, aspetos que atravessam, com maior ou menos profundidade,
as Sociedades e os Políticos, independentemente das coordenadas geográficas e
do Tempo. É comum ouvir-se que “Os
Lusíadas” terminam com a palavra “inveja”. Mas o apelo que Camões faz a D.
Sebastião para que este continue a glória dos Portugueses (“De sorte que
Alexandro em vós se veja, /Sem à dita de Aquiles ter inveja.”) sabemos a que
conduziu. Mesmo na Ilha dos Amores,
podemos encontrar (pasme-se!) uma deusa, a Deusa Giganteia que, além de
temerária, é jactante, mentirosa e verdadeira (canto IX, estrofe 44). Como
se vê, ela reúne as várias caraterísticas. Ninguém está a salvo – nem os homens
nem os deuses, sejam de que género for.
A problemática é muito profunda. Nós que
desejaríamos que o melhor da Sociedade estivesse na Política, sentimo-nos
desiludidos com o que se vê. Daí é fácil resvalarmos para um sentimento de
decepção que poderá ter contornos perigosos. A História ensina-nos sobre esses
perigos e não é preciso recuar para além do século XX. Procuro seguir a tua
correcta “linha editorial” de não particularizar nem entrar em temas
partidários. E fá-lo-ei, mas tenho que evocar um Partido que surgiu em
Portugal, no século passado, com a bandeira da superioridade Ética em relação
aos demais. A breve trecho, concluiu-se que, nesse âmbito, não se
diferenciava dos demais. Desapareceu tão rapidamente como apareceu. A Política melhora, quanto a mim, quando houver
condições para que os mais capazes, os mais conhecedores (um País europeu está, neste momento, a viver uma
situação delicada fruto da ignorância do responsável máximo governamental), os mais honestos possam ocupar
lugares políticos, que haja um escrutínio regular, profundo, atempado e
próximo, por órgãos próprios, que exista uma proximidade eleito/eleitor e que,
para além de se votar num Partido, se possa votar em pessoas individualizadas,
de forma a que o nosso voto não se perca numa qualquer lista de nomes. Mas
isso, Henrique, é pedir demasiado ao “establishment” partidário…É fundamental
que as promessas eleitorais sejam confrontadas com a sua realização. Ficou
clássica a promessa de Bush (pai) na campanha de 1988: “Read my lips. No new
taxes”. Claro que houve. Também tivemos, já neste século, a nossa versão. Aqui,
não só não baixaram os impostos, como prometido, com tiveram um enorme aumento,
com o argumento de que a realidade era pior do que o estimado. Assim,
vamos vivendo na doce ilusão, cada vez menos doce e, por vezes, até amarga, que
os problemas são resolvidos apenas com a inserção de um voto numa urna, de
tempos a tempos. Isso é muito importante, é imprescindível, é necessário,
(ainda bem que o podemos fazer em liberdade e sem condicionamentos) mas não é
suficiente. Se melhorarmos a qualidade da Democracia, da Educação,
do Civismos, se incutirmos determinados Valores na Sociedade de forma a que ela
elogie quem os segue e censure quem os desrespeite, as caraterísticas que
apontas tenderão a desaparecer ou a esbater-se na Sociedade e na Política. Forte abraço.
Carlos Traguelho
Adriano Miranda Lima 22.10.2022 14:52:
Sr. Dr. Salles da Fonseca, muito bem
visto e reflectido. Infelizmente, os males que aponta encontram na política o
campo propício para todo o seu esplendor. Isso acontece em toda a parte,
convenhamos, sendo que o regime democrático é onde têm o terreno mais propício
à sua infiltração e acomodação. A liberdade é o seu melhor fermento. Devia ser
precisamente o contrário, porém não é assim. Pois, a liberdade do espírito
devia servir para erradicar os males da natureza humana em vez de lhes dar
guarida. Nas autocracias e ditaduras, os mesmos males existem, mas os seus
efeitos ou são ocultados ou são disfarçados, conforme as conveniências do
poder, quando não são fertilizados em seu proveito.
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