Entalados e joguetes das forças que os apetecem. Nunca tinha lido nada da guerra – da História, afinal - que não fosse mais ou menos periférico. Jaime Nogueira Pinto deve continuar a ilustrar-nos. Pena que a História nas escolas não desenvolva mais os conhecimentos de História e Geografia, que as viagens, de resto, ajudariam a consolidar, aos que as podem fazer, … pesem embora os danos que a idade traz à memória. Estranhos, é o que somos e o que nos sentimos num mundo múltiplo e sofredor. Para colmatar a minha ignorância, comprei há muitos anos uma “Histoire Universelle” em 3 volumes, da “Encyclopédie de la Pléiade”, de que só li, de facto, breves excertos, mas nem da 2ª Guerra nos aclara sobre a participação da Europa Central, tão extensamente, como o fez o Dr. Jaime Nogueira Pinto neste seu breve e elucidativo texto que todos agradecemos, pedindo a continuação.
A tale
of two cities
Não se estranhe que a Polónia e a
Hungria, nações antigas como a nossa mas com uma estatalidade instável devido à
vizinhança de grandes impérios, resistam ao “suave jugo” do imperialismo de
Bruxelas.
JAIME NOGUEIRA
PINTO, Colunista do OBSERVADOR
OBSERVADOR, 15 out
2022, 00:2033
Com
um mês de diferença, entre Julho e Setembro, estive em Budapeste e em
Varsóvia. Embora não
seja um fanático das errâncias – até porque viajei e viajo muito, mais por
dever e trabalho que por prazer e turismo –, continuo a achar que respirar
os ares das terras nos ajuda a entendê-las melhor.
Assim,
faço o trabalho de casa – recapitulo a imaginação, a crónica e a história; e
depois gosto de me entregar e de me deixar agarrar pelo espírito dos lugares.
A batalha e destruição de Varsóvia
De Varsóvia sabia da história trágica
da nação polaca e da cidade mártir – um pouco a sorte de muitos destes povos e
cidades da MittellEuropa, no limes dos Impérios históricos,
civilizados ou bárbaros. A
Polónia – como a Hungria – teve a sorte, ou a má sorte, de estar na
encruzilhada da Prússia-Alemanha, da Rússia dos czares e dos bolcheviques e da
Áustria dos Habsburgo de Viena. E entre ocupações e partilhas múltiplas, pagou
o preço por ter sido a última fronteira cristã, católica, face a luteranos,
ortodoxos, pagãos e materialistas históricos.
Da
última dessas partilhas passaram há pouco 83 anos. Nos finais de Agosto de 1939, em
Moscovo, Ribbentrop e Molotov assinaram o pacto da divisão da Polónia. Dias
depois, a 1 de Setembro, as tropas de Hitler avançaram, testando na longa
planície polaca a Blitzkrieg. Os soviéticos invadiram pelo Oriente e, em
quatro semanas, a Polónia voltava a perder a independência.
Seguiu-se
um longo calvário. Varsóvia
teria, nesse tempo, um milhão e duzentos mil habitantes, dos quais cerca de um
terço eram judeus. Os
ocupantes alemães desenharam então um gueto preventivo, isolando os judeus numa
área da cidade e retirando daí os polacos não judeus. Em 1942, começaram a deportar os judeus do gueto
para campos de trabalho e extermínio, como Treblinka. Na Primavera de 1943, quando Himmler
determinou a sua remoção total, os judeus residentes no gueto não passariam de
cinquenta mil; Himmler enfrentou
alguma resistência armada, que esmagou, e os sobreviventes seguiram a fatídica
estrada dos campos de trabalho e extermínio.
No Verão de 1944, foi a vez dos polacos arianos se revoltarem: a
sorte da guerra dera a volta e as tropas de Hitler estavam em retirada para
Ocidente. A resistência polaca, organizada
militarmente no Exército Nacional Polaco – Armia Krajowa –, esperava que a
ofensiva soviética, empurrando os alemães para Ocidente, fosse debilitando os
ocupantes, e preparava um levantamento em várias cidades polacas: a Operação Tempestade.
Esta operação levava em conta a preocupação do Governo polaco no
exílio, em Londres, de que os soviéticos se quisessem substituir aos alemães,
eliminando qualquer veleidade de independência polaca. De resto, Estaline já
obtivera, em Teerão, em Novembro de 1943, largas concessões territoriais de
Churchill e Roosevelt.
Com isso, o “Czar Vermelho”
pretendia alargar o domínio soviético para Ocidente, aproveitando a
circunstancial cumplicidade interessada dos seus aliados capitalistas. Queria também garantir o aniquilamento de
qualquer força militar nacional que, sob a orientação do Governo polaco no
exílio, corporizasse a resistência à ocupação soviética, que iria usar como
instrumento os comunistas polacos.
Foi
o que veio a acontecer. Já no avanço para Ocidente, os soviéticos iam mostrar
discretamente a verdadeira natureza dos pactos com os comunistas: quando uma
força do Exército Nacional Polaco, comandada pelo general Krzyzanowski, tomou e libertou Wilno, os destacamentos da Secreta soviética armaram uma cilada aos
polacos, prendendo o General e os oficiais, matando centenas de soldados e
deportando uns milhares para Kaluga.
O mesmo aconteceu em Lvov.
Varsóvia
revoltou-se em 1 de Agosto de 1944, já com os soviéticos às portas da cidade.
Ali estavam e ali ficaram, sem se mexerem, sem dispararem um obus, parando o
avanço e permitindo que os alemães esmagassem a resistência.
Era
um plano maquiavélico, com a lógica e a estratégia de Estaline bem claras: os
alemães destruiriam a resistência armada polaca e assim, quando os
fantoches do Comité Polaco de Libertação Nacional, o Comité de Lublin, formado por comunistas e esquerdistas, avançassem com as tropas russas, ninguém
lhes oporia resistência.
Ao fim de dois meses, cerca de vinte mil combatentes polacos e talvez uns cento e
cinquenta mil civis tinham morrido. Churchill
e Roosevelt ainda insistiram com Estaline para que avançasse para libertar os
polacos, mas depois desistiram. Como represália, além da cidade arrasada
durante os combates, houve uma destruição sistemática de Varsóvia
ordenada por Hitler.
O cerco de Budapeste
Varsóvia foi reduzida a
escombros no Outono-Inverno de 1944-1945, com os patriotas polacos abandonados
pelos aliados da coligação anti-Eixo.
A Primeira Brigada Paraquedista Polaca, comandada pelo major general Stanislav
Sosabowski, cujos elementos queriam voar e saltar em apoio dos compatriotas,
foi impedida de intervir. (Seriam depois em parte sacrificados na malograda
operação de Setembro de 1944, Market Garden, com Sosabowski – que no
filme A Bridge too Far é encarnado por Gene Hackman – a avisar
Montgomery, desde o princípio, contra a estupidez do ataque sobre Arnhem.)
Estava
Varsóvia a acabar de ser arrasada e estavam os soviéticos – e os seus recém-aliados
romenos – a aproximar-se de Budapeste. A Hungria tornara-se independente com o
fim do império dos Habsburgo e sofrera uma das primeiras experiências de
ditadura comunista com Béla Kun, entre Março e Outubro de 1919. Vencidos os
comunistas, o almirante Miklos Horthy governou como Regente do reino da Hungria
que, nos anos 30, procurou reaver parte das regiões que o país tinha perdido a
seguir à Grande Guerra no tratado de Trianon — nada mais,
nada menos que 66% do seu território.
O
governo nacional-conservador e autoritário de Horthy manteve um parlamento e
uma oposição. Havia também na Hungria uma corrente radical, fascistizante e
anti-semita.
O
facto de ter sido um Estado maltratado pela guerra e pela paz aproximava a
Hungria dos poderes do Eixo, como a Alemanha, onde Hitler fora eleito graças ao
ressentimento popular contra Versalhes. Com esta aproximação e alguma
recuperação territorial à custa da Checoslováquia, da Roménia e, depois, da
Jugoslávia, veio a aliança com Berlim, e tropas húngaras participaram na
invasão da URSS, em Junho de 1941.
Mas apesar da introdução de alguma legislação anti-semita,
Horthy resistiu às medidas raciais mais radicais. Quando os soviéticos avançaram para Ocidente e perante a percepção de
que a Alemanha ia perder a guerra, o Almirante quis negociar um cessar-fogo
com os invasores russos. Os alemães anteciparam-se e puseram no poder Ferenc
Szálasi, líder do partido nazi Cruzes de Flecha. Horthy exilou-se e veio a morar em
Portugal em 1957.
É neste quadro político que se dá o
cerco e a destruição parcial de Budapeste, entre os últimos dias de 1944 e 13
de Fevereiro de 1945.
Os
invasores, comandados pelo marechal Malinovsky, eram muitas centenas de milhares e no dia 26 de
Dezembro fecharam o cerco à cidade, defendida por uma força germano-húngara
de setenta mil homens. E havia oitocentos mil civis na cidade.
O
cerco prolongou-se pelas primeiras semanas de Janeiro com os alemães –
forças de Exército e das Waffen SS – e os seus aliados húngaros a recusaram
qualquer rendição. Estaline reforçou os meios de ataque, os defensores
abandonaram Pest e destruíram as pontes sobre o Danúbio. Em Buda,
aproveitando as colinas, aguentaram mais algum tempo, com uma força das SS na
cidadela de Gellért Hill, que finalmente caiu a 11 de Fevereiro. Nessa
mesma noite, cerca de trinta mil soldados alemães e húngaros tentaram, a
partir da colina do Castelo, romper o cerco e escapar da cidade. Milhares de
civis tentaram a sorte com eles. A maioria foi morta pelos soviéticos. As
unidades do Exército e das SS – a Florian Geyer e a 22ª Divisão de voluntários
Maria Teresa –, bem como a maior parte dos combatentes húngaros, foram dizimados.
Os civis mortos nos combates e de fome foram quarenta mil, e os soviéticos
levaram cerca de seiscentos mil húngaros para os campos de trabalho na URSS.
Duzentos mil terão morrido por lá.
Também em Budapeste houve cenas de
violação sistemática de mulheres e raparigas, que depois se repetirão por toda
a Alemanha tomada pelos soviéticos.
No cerco de Budapeste, o número de
soldados comunistas mortos ficou entre os cem e os cento e sessenta mil.
Budapeste e Varsóvia foram
reconstruídas e são hoje duas belas cidades europeias, capitais de duas nações
orgulhosas e independentes, mas que continuam com a guerra à porta. Ontem era a
vizinhança da Alemanha e da URSS, hoje é vizinhança da Rússia de Putin.
Em Roma, num debate entre
nacionalistas de todas as nações da Europa, discutimos as experiências das
nossas pátrias, das nossas nações.
A consideração da história das nações polaca e húngara – uma
história de violência, opressão e ocupação pelos impérios da região, ora
Moscovo, ora Berlim, ora mesmo Viena –, nações tão antigas como a nossa, mas
com uma estatalidade difícil e trágica, devem ajudar-nos a perceber porque é que a Polónia e a Hungria resistem
ao “suave jugo” do imperialismo de Bruxelas. É que já passaram por outros.
A SEXTA
COLUNA CRÓNICA OBSERVADOR UNIÃO
EUROPEIA EUROPA MUNDO POLÓNIA HUNGRIA
COMENTÁRIOS: (de 33)
Lucas Corso: Excelente
texto como sempre são os de JNP. Só um comentário: a Hungria e a Polónia
aderiram livremente ao "imperialismo de Bruxelas". Quem não gosta
pode sair, como fez o Reino Unido. Mais difícil é querer manter-se resistente
enquanto se estende a mão aos fundos de Bruxelas.
Vitor Batista Soeiro: .....da rua Soeiro Pereira Gomes....
Nenhum comentário:
Postar um comentário