Demonstrada, por Rui Ramos, com imensa clareza: a consciência da fraqueza transformada em arma de poder, de insistência numa luta que sabe de antemão perdida. Ver para crer, e que fosse para breve o desfecho da sua derrota. Mas a figura perversa e falsa de homem habituado a desfazer-se dos inimigos à sorrelfa, ainda tem muito a demonstrar, pois as munições da sua impiedade parecem continuar bem firmes. Mas seja de força ou de fraqueza, o certo é que ele não desiste, ogre tenebroso pronto a papar criaturas, no maquiavelismo dos seus movimentos e falas contidas de falso beato que oxalá acabasse como o conhecido da “Receita para se fazer um herói» - anti-herói, no caso concreto - de Reinaldo Ferreira:
«Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.»
O certo é que ele não esmorece, e quem parece
ter os dias contados é Zelensky, com as bombas aproximando-se do seu
gabinete, segundo notícia acabada de ler.
É a fraqueza, não é a força, que faz o
ditador russo perigoso: foi isso que o levou a arriscar a invasão da Ucrânia, e
é também isso que pode fazer a China arriscar uma invasão de Taiwan.
RUI RAMOS, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 07 out
2022, 00:2045
As carcaças despedaçadas dos tanques
russos nas estradas da Ucrânia puseram toda a gente a falar do “erro” de Putin. Enganou-se, quando julgou que tinha força para ocupar
a Ucrânia. A esse
respeito, há que fazer duas observações. A primeira é que
não foi só Putin que se enganou. Já se esqueceram? Pois então eu lembro: quantas pessoas, em Fevereiro deste ano,
previram que a Ucrânia resistiria? Mais: quantas pessoas previram que o
Ocidente ajudaria a Ucrânia, como tem ajudado? Alguns até entenderam a invasão
como mais um capítulo na história da regressão das democracias ocidentais, num
mundo destinado a ser dirigido pelas autocracias chinesa e russa. Sim, Putin talvez não contasse com a determinação
dos ucranianos em lutar, nem com a disponibilidade do Ocidente para os ajudar,
nem ainda com a qualidade decisiva do armamento, da logística e dos serviços de
informação ocidentais. Mas não foi só o ditador russo que se enganou. Foi toda
a gente. Julgámos todos, a Ocidente, que éramos mais fracos do que somos.
Foi
então apenas um “erro” que levou Putin à Ucrânia? Sobrestimou ele as suas
forças? Não fazia ele ideia de que lhe faltariam tropas, de que teria
dificuldades de abastecimento, e de que o seu armamento provaria nem sempre ser
da melhor qualidade? Talvez, e talvez não. Esta é a segunda
observação que
importa fazer, para melhor percebermos o que se passou e o que se passa: talvez
Putin estivesse ciente das suas limitações, e talvez essa percepção tenha sido
uma razão, não para desistir da invasão da Ucrânia, mas para a precipitar. Não,
não é uma hipótese tão paradoxal como parece. A consciência da fraqueza é,
muitas vezes, o motivo das jogadas mais arriscadas. Temos, a esse respeito, de
rever o que, nos últimos vinte anos, julgámos ter ficado a saber sobre o mundo.
A
Rússia, ao contrário do que sugerem os mapas, não é um colosso. Tem uma
economia mais pequena do que a da Coreia do Sul, e uma população que é metade
da dos EUA, e que está a envelhecer e a diminuir. É
verdade: dispõe de armas nucleares, mas vive da exportação de energia fóssil, num mundo que tem como objectivo
transitar para energias renováveis. É uma potência, mas em declínio. A
ditadura de Putin assenta, aliás, na noção dessa crise. O seu objectivo é recuperar a grandeza
geopolítica perdida. É daí que tira a sua legitimidade. Uma Ucrânia democrática, próspera, e
integrada no Ocidente, na medida em que ficaria assim fora do alcance da
Rússia, seria a prova de que a restauração do império era impossível, o que
abalaria fatalmente o poder de Putin. Daí, a necessidade de destruir a
Ucrânia. Mesmo que Putin tenha reconhecido o risco da
operação, teria de o correr.
Putin
deve saber que o tempo não corre a seu favor. A Rússia não está a ficar mais
forte, mas mais fraca. Já foi essa percepção, por exemplo, a razão principal
para na primeira metade do século passado a Alemanha ter arriscado repetidos
confrontos militares. Sim, a Alemanha tinha uma grande economia; mas nunca
pareceu aos seus líderes que tivesse o “espaço vital” para ser uma grande
potência mundial, como desejavam. Em 1914, os governantes alemães temiam a
ascensão da Rússia aliada à França; em 1939, Hitler estava obcecado com o poder
crescente dos EUA, como demonstrou o historiador
Brendan Simms. É
quase sempre a potência que se sente a enfraquecer que aposta na guerra como
uma última oportunidade, esperando que a sorte das armas compense as suas
fraquezas.
Foi
isso que tornou Putin perigoso, e é isso que também pode tornar perigosa a
China comunista. Durante os
últimos vinte anos, esperou-se que a China pudesse rivalizar com os EUA ou
substituí-los como grande potência mundial. Depois do “fim da
história” dos anos 1990, acreditámos no “fim do Ocidente”. Foram, num caso e no outro, anúncios muito
exagerados. Entretanto, descobriu-se que a população da China começa a
diminuir, tal como o ritmo de crescimento da sua economia. É provável que a
ascendência americana permaneça durante este século. Também se falou muito, há
uns anos, das vantagens do autoritarismo e da direcção estatal da
economia. O facto é que a maior e a mais próspera economia do mundo assenta
numa democracia com um mercado livre. Eis uma razão para as potências
autocráticas, que aspiram a uma revisão da ordem mundial, correrem riscos, uma
vez que não podem esperar que a correlação de forças mude de outra maneira. Foi
por isso que Putin arriscou na Ucrânia e é por isso que Xi Jinping pode
arriscar em Taiwan. O mundo não
está a ficar mais perigoso por eles estarem mais fortes, mas por eles estarem
mais fracos.
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO VLADIMIR
PUTIN RÚSSIA
COMENTÁRIOS
Por fim, na
senda do mesmo erro, Putin convoca uma mobilização interna ao mesmo tempo que
diz que pode usar armas nucleares. Estão a ver os soldados a marchar com
confiança para uma zona que o líder diz poder tornar radioactiva? Do outro
lado, a Ucrânia evitou cometer o erro que lhe seria fatal. Nunca atacou
território russo, a não ser episodicamente e de interesse logístico militar. A
posição defensiva cria moral.
Vitor Batista: E
por eles estarem mais fracos acabaram por fortalecer o ocidente,e qualquer
população do mundo, prefere as democracias aos regimes comuna-fascistas
autoritários.
Luis Freitas: há
mais de 22 anos que ando a dizer que o ocidente pôs a corda no pescoço quando
deslocalizou as fábricas para a China e outros países com ditaduras e por
último a grande loucura de a Alemanha ter encerrado as centrais nucleares para
ficarem dependentes da Rússia, um país que sempre foi inimigo das democracias
ocidentais e sempre quis refazer o império perdido na extinção da URRS. Estamos
em plena desglobalização e vai ser caro essa desglobalização principalmente
para a Europa que foi quem mais se globalizou e mais erros cometeu, chegando ao
cumulo de destruir a sua economia para "salvar" o planeta Terra do
aquecimento global quando a Europa a nível de população mundial é muito pequena
nem sequer representa 9% da população mundial. Eduardo Cunha: mais um excelente artigo. João Eduardo Gata: Tal
como a Rússia, a China é também um gigante de pés de barro. A China é um poço
de contradições, em que o sistema político e o sistema económico não estão
sintonizados, criando enormes tensões. Acrescente-se a isso as violações
sistemáticas dos direitos humanos, as disfuncionalidades e incompetências
próprias dos regimes comunistas, a repressão de minorias, da liberdade de
pensamento e de expressão, e a fragilidade do contrato implícito entre regime
comunista e a população, que obriga a um crescimento económico anual
significativo, crescimento esse que já está a abrandar. Ao contrário do que
o criminoso Putin costuma dizer, o Liberalismo Ocidental está longe de estar
esgotado e vai conhecer em breve novo renascimento, para desespero de muitos
aqui em Portugal, desde o PCP a Boaventura Sousa Santos, passando por Miguel
Sousa Tavares.
José Paulo C Castro: Sun Tzu diz, na arte da guerra, que a primeira condição
para se avançar e ganhar a guerra é conquistar a superioridade moral da causa
perante todos os povos e vizinhos. Nenhum exército combate bem se não perceber
que tem uma razão tão profunda que vale a pena morrer por ela. Quando vi a mobilização geral dos ucranianos para
defender a sua terra, assistidos pelo movimento da propaganda ocidental que
conseguiu punir a Rússia como pária, percebi que a guerra moral estava ganha.
Era uma questão de tempo até essa superioridade derrotar o exército que não
sabe o que está ali a fazer. Putin deve
conhecer Sun Tzu. O
erro foi achar que as zonas russófilas o iam receber de braços abertos. Eu
disse logo, quando isso não aconteceu, que Putin tinha uma derrota em mãos. No
longo prazo, de certeza. O ataque a toda a Ucrânia, não apenas ao Donbass, e a
mentira interna de que 'isto não é uma guerra' retiraram qualquer ideia de
superioridade moral a Putin. Perdido isso, era uma questão de tempo até a
verdade provocar uma desmoralização maciça. Penso que a China, como pensamento não tem nada que ver
com o pensamento de Putin, possivelmente no início do conflito poderá ter
pensado assim, mas a proverbial ponderação chinesa e depois de ver o que se
passa na Ucrânia levá-los há a recuar nessas intenções, superioridade militar
americana e união do Ocidente devem ser suficientes para os fazer pensar duas
vezes…
Cipião Numantino: Concordo com a tese do nosso
estimado RR. Mas acrescentaria que a fraqueza do Putin se aliou à fraqueza dos
demais. Ou seja, juntou-se a fome à
vontade de comer. Os
sinais que chegavam persistentemente a Putin eram música para os seus ouvidos.
O politicamente correcto corroendo as sociedades ocidentais e o Bidé a fugir do
Afeganistão tal qual garoto depois de meter a mão num pote dos rebuçados. Os sinais estavam dados. E a fraqueza daí resultante
acicata as feras que reagem instintivamente ao movimento de fuga. A nova Roma (leia-se EUA) estava a dar o flanco e como é sabido a antiga Roma
resistiu muito mal quando batia em retirada e abria as portas aos bárbaros de
antanho. Roma era também um conceito. Qualquer um que mictasse
fora do penico, sabia que as legiões ficariam desde logo em movimento para
condignamente castigar o infractor. A tal pax romana, lembram-se? Não é por acaso que por aqui bastas vezes deduzo que o
mundo corre um perigo colossal sem a forte presença de uma qualquer Roma. E o
regabofe das médias potências de que as duas Grandes Guerras são competente
exemplo, aí está para o provar. Ora
foi justamente isso que o Putin apreendeu. E tratou de invadir a Ucrânia
julgando acobertar-se a um crime sem castigo. Por aqui escrevi desde o primeiro momento o que iria
suceder nesta guerra. E do céu do Asterix que iria desabar sobre a tropa
fandanga russa. Chegado
aqui, onde toda esta tramonta nos situa? Pois, como dizia o outro ou se é civil
ou se vai para a tropa! As feras predadoras de tipo Putin reagem, perante o
medo que deverá estar sentindo, inevitavelmente a duas situações. Ou atacam com
toda a sanha destruidora e assassina ou abandonam de repente a refrega emitindo
os latidos de dor dos lobos ou das hienas. E,
claro, sempre existirá a terceira via que é um dos membros da alcateia querer
chegar a macho-alfa e tratar, ele próprio, de lhe partir os dentes. Quanto
a mim só existe uma forma de se tratar com Putin. E como exemplo vou aventar,
por analogia, um episódio de que tenho conhecimento numa aldeia do
Trás-os-Montes profundo. Um
certo manjerico, já quando vivia na zona de Lisboa era o terror da vizinhança.
Implicava com tudo e com todos e chegava a travar à pedrada quando alguns
vizinhos saíam de casa, remetendo-os para o remanso dos seus quintais. Por questões que para o caso em apreço não interessam,
acabou por desaguar numa pequena aldeia transmontana onde nasceu e tratou
imediatamente de infernizar a vida dos vizinhos, mictando-lhes para cima quando
passavam sob a sua varanda e espantando-lhes os gados sempre que passavam na
sua rua. Enfim, um marmelo, que salivava de gozo por incomodar terceiros e
provocar o sofrimento alheio, justamente na forma e conceito com que o Putin
incomoda os seus vizinhos. Mas
(há sempre um mas) tal como Putin se esqueceu, existe sempre gente mais
atrevida do que nós próprios. Vai
daí, as queixas apresentadas à GNR nunca deram, pois claro, em nada. O gajo
tinha fama e atitudes de doido varrido e nada se podia fazer. Até que um dia alguém se lembrou e descobriu a solução.
O gajo, tinha também por costume de mostrar a "artilharia genital" às
mulheres que passavam. E foi por aqui que lhe pegaram! Um belo dia, o povo, em
segredo, combinou armar-lhe uma artimanha. Mandam uma rapariga mais jovem à
frente quando o viram na rua e, claro, o manjerico tratou logo de se meter com
ela. Conforme combinado, segundo me parece, esta desatou a gritar que queriam
abusar dela e o povo aparece de supetão tipo manada de búfalos para terminar a
refrega. Escusado
será relatar em pormenor o que se passou a seguir. Mas o gajo levou uma
tareia de tal monta que acabou por ficar abandonado, com alguns convencidos que
iria acabar por morrer! Conclusão?
Remédio santo! Nunca mais o dito cujo se meteu com mais ninguém e esteve muito
tempo sem sequer sair de casa. Hoje, ao que me foi transmitido, regressou a
Lisboa para a casa de um dos seus familiares, remetido ao recato de um
comportamento irrepreensível. Não
é preciso dizer mais nada, pois não? Quanto
ao tratamento que se deve dar a Putin, por favor, "read my
lips"!...
João Floriano: Excelente
análise. Penso que a China não atacará Taiwan porque economicamente seria
desastroso. A loucura de Putin está a destruir a Rússia. Mesmo que o desespero
o leve a utilizar armas nucleares, a resposta do ocidente será arrasadora.
Putin perdeu a guerra. A reconstrução da Ucrânia vai movimentar milhões e
milhões de dólares e euros. A China vai querer fazer parte do festim. A derrota
de Putin, que muitos dizem que levará à desintegração da federação russa, serve
e muito os interesses chineses. Então qual o interesse para já num futuro
mais ou menos próximo em atacar Taiwan? Paulo Sousa: Interessante ponto de vista. Provavelmente certeiro. luis doria: Texto luminoso! Fernando Cascais: Que me desculpe o Rui Ramos, mas eu acho que é
precisamente o contrário. A URSS quando invadiu o Afeganistão não foi porque se
encontrava em situação de fraqueza, nem tão pouco os States quando também para
lá foram. Foram invadir o Afeganistão porque tinham força para o fazer... assim
pensavam eles. Putin, segundo a maioria dos analistas, andava a preparar isto
há muito tempo. A carreira no KGB e o saudosismo da URSS sobejamente conhecido
moldaram a sua personalidade. Utilizei o exemplo do Afeganistão porque a
comparação com a Ucrânia tem algumas semelhanças na minha opinião. A URSS foi
para o Afeganistão de peito cheio assim como Putin foi para a Ucrânia com a
vitória cantada. Levaram no lombo no Afeganistão e estão a levar no lombo na
Ucrânia. Em ambos os casos os States fizeram e fazem parte da equação. Se a
NATO e a UE não ajudassem os ucranianos nesta guerra, a Rússia, muito
provavelmente, já teria vergado a Ucrânia. Putin leu o guião muito mal e
pensou que eram favas contadas. Passou ao "mundo da guerra" uma
imagem de grande incompetência, que o diga o agora Coronel-General Ramzan
Kadyrov que não pára de lhe mandar bocas. Pensava que Putin ia mandar calá-lo
de vez, afinal promoveu-o. Terá que ser a NATO a fechar-lhe a boca. A grande
fraqueza de Putin foi a sua gabarolice e confiança desmensurada. O grande
perigo agora é a sua derrota. O gabarola que ia de pau feito para encavar os
uraniamos, está agora a fugir de lá com o rabiosque a arder, e, em desespero,
sabe-se lá, se não pensa, que perdido por cem, perdido por mil. Na minha
opinião o nuclear está na cabeça de Putin, o Derrotado!
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