segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Uma tese curiosa

 

Demonstrada, por Rui Ramos, com imensa clareza: a consciência da fraqueza transformada em arma de poder, de insistência numa luta que sabe de antemão perdida. Ver para crer, e que fosse para breve o desfecho da sua derrota. Mas a figura perversa e falsa de homem habituado a desfazer-se dos inimigos à sorrelfa, ainda tem muito a demonstrar, pois as munições da sua impiedade parecem continuar bem firmes. Mas seja de força ou de fraqueza, o certo é que ele não desiste, ogre tenebroso pronto a papar criaturas, no maquiavelismo dos seus movimentos e falas contidas de falso beato que oxalá acabasse como o conhecido da “Receita para se fazer um herói»  - anti-herói, no caso concreto  - de Reinaldo Ferreira:

«Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.

Serve-se morto.»

O certo é que ele não esmorece, e quem parece ter os dias contados é Zelensky, com as bombas aproximando-se do seu gabinete, segundo notícia acabada de ler.

 Porque é que Putin é perigoso?

É a fraqueza, não é a força, que faz o ditador russo perigoso: foi isso que o levou a arriscar a invasão da Ucrânia, e é também isso que pode fazer a China arriscar uma invasão de Taiwan.

RUI RAMOS, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 07 out 2022, 00:2045

As carcaças despedaçadas dos tanques russos nas estradas da Ucrânia puseram toda a gente a falar do “erro” de Putin. Enganou-se, quando julgou que tinha força para ocupar a Ucrânia. A esse respeito, há que fazer duas observações. A primeira é que não foi só Putin que se enganou. Já se esqueceram? Pois então eu lembro: quantas pessoas, em Fevereiro deste ano, previram que a Ucrânia resistiria? Mais: quantas pessoas previram que o Ocidente ajudaria a Ucrânia, como tem ajudado? Alguns até entenderam a invasão como mais um capítulo na história da regressão das democracias ocidentais, num mundo destinado a ser dirigido pelas autocracias chinesa e russa. Sim, Putin talvez não contasse com a determinação dos ucranianos em lutar, nem com a disponibilidade do Ocidente para os ajudar, nem ainda com a qualidade decisiva do armamento, da logística e dos serviços de informação ocidentais. Mas não foi só o ditador russo que se enganou. Foi toda a gente. Julgámos todos, a Ocidente, que éramos mais fracos do que somos.

Foi então apenas um “erro” que levou Putin à Ucrânia? Sobrestimou ele as suas forças? Não fazia ele ideia de que lhe faltariam tropas, de que teria dificuldades de abastecimento, e de que o seu armamento provaria nem sempre ser da melhor qualidade? Talvez, e talvez não. Esta é a segunda observação que importa fazer, para melhor percebermos o que se passou e o que se passa: talvez Putin estivesse ciente das suas limitações, e talvez essa percepção tenha sido uma razão, não para desistir da invasão da Ucrânia, mas para a precipitar. Não, não é uma hipótese tão paradoxal como parece. A consciência da fraqueza é, muitas vezes, o motivo das jogadas mais arriscadas. Temos, a esse respeito, de rever o que, nos últimos vinte anos, julgámos ter ficado a saber sobre o mundo.

A Rússia, ao contrário do que sugerem os mapas, não é um colosso. Tem uma economia mais pequena do que a da Coreia do Sul, e uma população que é metade da dos EUA, e que está a envelhecer e a diminuir. É verdade: dispõe de armas nucleares, mas vive da exportação de energia fóssil, num mundo que tem como objectivo transitar para energias renováveis. É uma potência, mas em declínio. A ditadura de Putin assenta, aliás, na noção dessa crise. O seu objectivo é recuperar a grandeza geopolítica perdida. É daí que tira a sua legitimidade. Uma Ucrânia democrática, próspera, e integrada no Ocidente, na medida em que ficaria assim fora do alcance da Rússia, seria a prova de que a restauração do império era impossível, o que abalaria fatalmente o poder de Putin. Daí, a necessidade de destruir a Ucrânia. Mesmo que Putin tenha reconhecido o risco da operação, teria de o correr.

Putin deve saber que o tempo não corre a seu favor. A Rússia não está a ficar mais forte, mas mais fraca. Já foi essa percepção, por exemplo, a razão principal para na primeira metade do século passado a Alemanha ter arriscado repetidos confrontos militares. Sim, a Alemanha tinha uma grande economia; mas nunca pareceu aos seus líderes que tivesse o “espaço vital” para ser uma grande potência mundial, como desejavam. Em 1914, os governantes alemães temiam a ascensão da Rússia aliada à França; em 1939, Hitler estava obcecado com o poder crescente dos EUA, como demonstrou o historiador Brendan Simms. É quase sempre a potência que se sente a enfraquecer que aposta na guerra como uma última oportunidade, esperando que a sorte das armas compense as suas fraquezas.

Foi isso que tornou Putin perigoso, e é isso que também pode tornar perigosa a China comunista. Durante os últimos vinte anos, esperou-se que a China pudesse rivalizar com os EUA ou substituí-los como grande potência mundial. Depois do “fim da história” dos anos 1990, acreditámos no “fim do Ocidente”. Foram, num caso e no outro, anúncios muito exagerados. Entretanto, descobriu-se que a população da China começa a diminuir, tal como o ritmo de crescimento da sua economia. É provável que a ascendência americana permaneça durante este século. Também se falou muito, há uns  anos, das vantagens do autoritarismo e da direcção estatal da economia. O facto é que a maior e a mais próspera economia do mundo assenta numa democracia com um mercado livre. Eis uma razão para as potências autocráticas, que aspiram a uma revisão da ordem mundial, correrem riscos, uma vez que não podem esperar que a correlação de forças mude de outra maneira. Foi por isso que Putin arriscou na Ucrânia e é por isso que Xi Jinping pode arriscar em Taiwan. O mundo não está a ficar mais perigoso por eles estarem mais fortes, mas por eles estarem mais fracos.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   MUNDO   VLADIMIR PUTIN   RÚSSIA

COMENTÁRIOS

Por fim, na senda do mesmo erro, Putin convoca uma mobilização interna ao mesmo tempo que diz que pode usar armas nucleares. Estão a ver os soldados a marchar com confiança para uma zona que o líder diz poder tornar radioactiva? Do outro lado, a Ucrânia evitou cometer o erro que lhe seria fatal. Nunca atacou território russo, a não ser episodicamente e de interesse logístico militar. A posição defensiva cria moral.

 

Vitor Batista: E por eles estarem mais fracos acabaram por fortalecer o ocidente,e qualquer população do mundo, prefere as democracias aos regimes comuna-fascistas autoritários.              Luis Freitas: há mais de 22 anos que ando a dizer que o ocidente pôs a corda no pescoço quando deslocalizou as fábricas para a China e outros países com ditaduras e por último a grande loucura de a Alemanha ter encerrado as centrais nucleares para ficarem dependentes da Rússia, um país que sempre foi inimigo das democracias ocidentais e sempre quis refazer o império perdido na extinção da URRS. Estamos em plena desglobalização e vai ser caro essa desglobalização principalmente para a Europa que foi quem mais se globalizou e mais erros cometeu, chegando ao cumulo de destruir a sua economia para "salvar" o planeta Terra do aquecimento global quando a Europa a nível de população mundial é muito pequena nem sequer representa 9% da população mundial.              Eduardo Cunha: mais um excelente artigo.               João Eduardo Gata: Tal como a Rússia, a China é também um gigante de pés de barro. A China é um poço de contradições, em que o sistema político e o sistema económico não estão sintonizados, criando enormes tensões. Acrescente-se a isso as violações sistemáticas dos direitos humanos, as disfuncionalidades e incompetências próprias dos regimes comunistas, a repressão de minorias, da liberdade de pensamento e de expressão, e a fragilidade do contrato implícito entre regime comunista e a população, que obriga a um crescimento económico anual significativo, crescimento esse que já está a abrandar. Ao contrário do que o criminoso Putin costuma dizer, o Liberalismo Ocidental está longe de estar esgotado e vai conhecer em breve novo renascimento, para desespero de muitos aqui em Portugal, desde o PCP a Boaventura Sousa Santos, passando por Miguel Sousa Tavares.               José Paulo C Castro: Sun Tzu diz, na arte da guerra, que a primeira condição para se avançar e ganhar a guerra é conquistar a superioridade moral da causa perante todos os povos e vizinhos. Nenhum exército combate bem se não perceber que tem uma razão tão profunda que vale a pena morrer por ela.  Quando vi a mobilização geral dos ucranianos para defender a sua terra, assistidos pelo movimento da propaganda ocidental que conseguiu punir a Rússia como pária, percebi que a guerra moral estava ganha. Era uma questão de tempo até essa superioridade derrotar o exército que não sabe o que está ali a fazer Putin deve conhecer Sun Tzu. O erro foi achar que as zonas russófilas o iam receber de braços abertos. Eu disse logo, quando isso não aconteceu, que Putin tinha uma derrota em mãos. No longo prazo, de certeza. O ataque a toda a Ucrânia, não apenas ao Donbass, e a mentira interna de que 'isto não é uma guerra' retiraram qualquer ideia de superioridade moral a Putin. Perdido isso, era uma questão de tempo até a verdade provocar uma desmoralização maciça. Penso que a China, como pensamento não tem nada que ver com o pensamento de Putin, possivelmente no início do conflito poderá ter pensado assim, mas a proverbial ponderação chinesa e depois de ver o que se passa na Ucrânia levá-los há a recuar nessas intenções, superioridade militar americana e união do Ocidente devem ser suficientes para os fazer pensar duas vezes…             Cipião Numantino:  Concordo com a tese do nosso estimado RR. Mas acrescentaria que a fraqueza do Putin se aliou à fraqueza dos demais. Ou seja, juntou-se a fome à vontade de comer. Os sinais que chegavam persistentemente a Putin eram música para os seus ouvidos. O politicamente correcto corroendo as sociedades ocidentais e o Bidé a fugir do Afeganistão tal qual garoto depois de meter a mão num pote dos rebuçados. Os sinais estavam dados. E a fraqueza daí resultante acicata as feras que reagem instintivamente ao movimento de fuga. A nova Roma (leia-se EUA) estava a dar o flanco e como é sabido a antiga Roma resistiu muito mal quando batia em retirada e abria as portas aos bárbaros de antanho. Roma era também um conceito. Qualquer um que mictasse fora do penico, sabia que as legiões ficariam desde logo em movimento para condignamente castigar o infractor. A tal pax romana, lembram-se? Não é por acaso que por aqui bastas vezes deduzo que o mundo corre um perigo colossal sem a forte presença de uma qualquer Roma. E o regabofe das médias potências de que as duas Grandes Guerras são competente exemplo, aí está para o provar. Ora foi justamente isso que o Putin apreendeu. E tratou de invadir a Ucrânia julgando acobertar-se a um crime sem castigo. Por aqui escrevi desde o primeiro momento o que iria suceder nesta guerra. E do céu do Asterix que iria desabar sobre a tropa fandanga russa. Chegado aqui, onde toda esta tramonta nos situa? Pois, como dizia o outro ou se é civil ou se vai para a tropa! As feras predadoras de tipo Putin reagem, perante o medo que deverá estar sentindo, inevitavelmente a duas situações. Ou atacam com toda a sanha destruidora e assassina ou abandonam de repente a refrega emitindo os latidos de dor dos lobos ou das hienas. E, claro, sempre existirá a terceira via que é um dos membros da alcateia querer chegar a macho-alfa e tratar, ele próprio, de lhe partir os dentes. Quanto a mim só existe uma forma de se tratar com Putin. E como exemplo vou aventar, por analogia, um episódio de que tenho conhecimento numa aldeia do Trás-os-Montes profundo. Um certo manjerico, já quando vivia na zona de Lisboa era o terror da vizinhança. Implicava com tudo e com todos e chegava a travar à pedrada quando alguns vizinhos saíam de casa, remetendo-os para o remanso dos seus quintais. Por questões que para o caso em apreço não interessam, acabou por desaguar numa pequena aldeia transmontana onde nasceu e tratou imediatamente de infernizar a vida dos vizinhos, mictando-lhes para cima quando passavam sob a sua varanda e espantando-lhes os gados sempre que passavam na sua rua. Enfim, um marmelo, que salivava de gozo por incomodar terceiros e provocar o sofrimento alheio, justamente na forma e conceito com que o Putin incomoda os seus vizinhos. Mas (há sempre um mas) tal como Putin se esqueceu, existe sempre gente mais atrevida do que nós próprios. Vai daí, as queixas apresentadas à GNR nunca deram, pois claro, em nada. O gajo tinha fama e atitudes de doido varrido e nada se podia fazer. Até que um dia alguém se lembrou e descobriu a solução. O gajo, tinha também por costume de mostrar a "artilharia genital" às mulheres que passavam. E foi por aqui que lhe pegaram! Um belo dia, o povo, em segredo, combinou armar-lhe uma artimanha. Mandam uma rapariga mais jovem à frente quando o viram na rua e, claro, o manjerico tratou logo de se meter com ela. Conforme combinado, segundo me parece, esta desatou a gritar que queriam abusar dela e o povo aparece de supetão tipo manada de búfalos para terminar a refrega. Escusado será relatar em pormenor o que se passou  a seguir. Mas o gajo levou uma tareia de tal monta que acabou por ficar abandonado, com alguns convencidos que iria acabar por morrer! Conclusão? Remédio santo! Nunca mais o dito cujo se meteu com mais ninguém e esteve muito tempo sem sequer sair de casa. Hoje, ao que me foi transmitido, regressou a Lisboa para a casa de um dos seus familiares, remetido ao recato de um comportamento irrepreensível. Não é preciso dizer mais nada, pois não? Quanto ao tratamento que se deve dar a Putin, por favor, "read my lips"!...                 João Floriano: Excelente análise. Penso que a China não atacará Taiwan porque economicamente seria desastroso. A loucura de Putin está a destruir a Rússia. Mesmo que o desespero o leve a utilizar armas nucleares, a resposta do ocidente será arrasadora. Putin perdeu a guerra. A reconstrução da Ucrânia vai movimentar milhões e milhões de dólares e euros. A China vai querer fazer parte do festim. A derrota de Putin, que muitos dizem que levará à desintegração da federação russa, serve e muito  os interesses chineses. Então qual o interesse para já num futuro mais ou menos próximo em atacar Taiwan?                    Paulo Sousa: Interessante ponto de vista. Provavelmente certeiro.             luis doria: Texto luminoso!               Fernando Cascais: Que me desculpe o Rui Ramos, mas eu acho que é precisamente o contrário. A URSS quando invadiu o Afeganistão não foi porque se encontrava em situação de fraqueza, nem tão pouco os States quando também para lá foram. Foram invadir o Afeganistão porque tinham força para o fazer... assim pensavam eles. Putin, segundo a maioria dos analistas, andava a preparar isto há muito tempo. A carreira no KGB e o saudosismo da URSS sobejamente conhecido moldaram a sua personalidade. Utilizei o exemplo do Afeganistão porque a comparação com a Ucrânia tem algumas semelhanças na minha opinião. A URSS foi para o Afeganistão de peito cheio assim como Putin foi para a Ucrânia com a vitória cantada. Levaram no lombo no Afeganistão e estão a levar no lombo na Ucrânia. Em ambos os casos os States fizeram e fazem parte da equação. Se a NATO e a UE não ajudassem os ucranianos nesta guerra, a Rússia, muito provavelmente, já teria vergado a Ucrânia.  Putin leu o guião muito mal e pensou que eram favas contadas. Passou ao "mundo da guerra" uma imagem de grande incompetência, que o diga o agora Coronel-General Ramzan Kadyrov que não pára de lhe mandar bocas. Pensava que Putin ia mandar calá-lo de vez, afinal promoveu-o. Terá que ser a NATO a fechar-lhe a boca. A grande fraqueza de Putin foi a sua gabarolice e confiança desmensurada. O grande perigo agora é a sua derrota. O gabarola que ia de pau feito para encavar os uraniamos, está agora a fugir de lá com o rabiosque a arder, e, em desespero, sabe-se lá, se não pensa, que perdido por cem, perdido por mil. Na minha opinião o nuclear está na cabeça de Putin, o Derrotado!

 

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