Em matéria de avisos, eu também avisei, em
tempos, embora por motivos diferentes, mas que descambaram no mesmo cenário de
retorno às origens, do provocado pelo actual “desmembramento” ecológico. Foi no
final de uma peça teatral – “Exercício Escolar” (“Cravos Roxos” - 1981) a
respeito dos cenários catastrofistas – na altura mais particularizados, e
ditados por iras pessoais perfeitamente banais. Hoje as tendências críticas são
de maior amplitude catastrofista, pois que generalizada ao mundo inteiro. Mas reponho
aqui os avisos do final de “Exercício Escolar”, de percepção redutora similar à
dos avisos de JOSÉ DIOGO QUINTELA:
“CORO DO PARTIDO:
«Neste
país transformado
Por
revolução de flores
Que
aniquilou prepotências
E
irmanou ricos e pobres
Trabalhadores
e gestores
Num
ideal renovado
De
comum realização
Só
se escuta o martelar
Dos
malhos dos ferradores
Dos
maços dos calceteiros
E os
gritos dos operários
E os
olés dos boieiros
E o
chocalhar das ovelhas
E os
protestos dos doutores
E os
risos dos proletários
E os
discursos partidários
E o
gorjear dos cantores.
Pelas
ruas transformadas
Em
caminhos pedregosos
Onde
as flores são espontâneas
E os
frutos tão saborosos,
Brotam
as almas mais cândidas
E os
sentimentos mais soltos.
Eis
a mensagem, senhores,
Da nossa
festa das flores. (Assim fenece a farsa).
Mas a tragédia é para continuar.
Não queria dizer “eu avisei”
Os sacrifícios que nos impõem são
luxuosas sinalizações de virtude sem influência no clima, são mais penitência
pública do que acção concreta.
JOSÉ DIOGO QUINTELA Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 25
out 2022, 00:192
Mas
eu avisei. Agora que o Inverno se aproxima e começa-se a sentir o aumento dos
preços da energia, é tempo de recordar que, logo em 2012, numa crónica
engraçadamente chamada “O Fim do Mundo em Sunga”, escrevi isto: “Duvido que a
humanidade tenha capacidade de destruir um planeta que já passou por tanto. Não
duvido é da capacidade de se autodestruir. Basta conseguir, como deseja quem
esteve no Rio de Janeiro, que a comida, a energia e os transportes encareçam
absurdamente, condenando milhões a viverem pior do que hoje vivem. Os efeitos
das alterações climáticas não são tão maus para as pessoas quanto os efeitos
deste empobrecimento forçado”.
Já
em 2015, numa crónica engraçadamente chamada “Isto é um suponhamos”, a
propósito de cataclismos naturais, tinha escrito: “Considerando isto tudo, não
será melhor, quando a Protecção Civil ordenar: «Metam-se nos carros e fujam
para a montanha!», não termos de responder: «Como, se a gasolina está a 6 mil
euros o litro, pá?»”
Ainda
nesse ano, sobre a Conferência de Paris, numa crónica engraçadamente chamada “A
instauração do Climafado”: “Mas admitamos que o Co2 é o culpado e que o corte
das emissões é aplicado por todos os países da União Europeia. Reduzir as
emissões até 2030 e mantê-las assim até 2100 teria um impacto de 0,017°C no
aumento de 2°C que está previsto caso não se faça nada. Contextualizando: no
montanhismo, por cada 100 metros de escalada, a temperatura desce 1°C. Logo,
0,017°C equivale a 1,70m. Ou seja, 0,017°C é a diferença de temperatura entre a
minha cabeça e os meus pés. Portanto, se a Europa acabar com energia,
transportes e comida baratos, enfim, aquilo que continua a tirar milhões da
pobreza, o impacto na temperatura é o equivalente a eu despir as peúgas”.
Dois
anos mais tarde, numa crónica engraçadamente chamada “Não há petróleo? Usem eólica!”, afirmei: “Não é o aquecimento global que é perigoso,
é o aquecimento das casas. No nosso país, só em Janeiro, morreram 8 pessoas a
aquecerem-se. Por causa do preço da energia, há quem use lareiras mesmo por
necessidade e não como cenário do Instagram. Em Portugal ainda se falece por
intoxicação com fumo ou por incêndio. A reacção entre carbono e oxigénio que
mata não é a que cria o dióxido de carbono, é a do monóxido de carbono.
Em
África, onde a energia é ainda mais escassa e mais cara, milhões dependem de fogueiras para aquecimento e para
cozinhar. Se bem que, às vezes, mais valia não cozinhar nada: sem
electricidade para ter um frigorífico, a comida costuma estar estragada.
Com
as restrições ao uso de combustíveis fósseis, essas pessoas sofrem privações
energéticas que nós, que ficamos angustiados quando a bateria do telemóvel está
a menos de 20%, nem imaginamos. Tudo porque há quem ache que a humanidade deve
uma penitência à Mãe Gaia, pelo seu estilo de vida ofensivo (também conhecido
por ‘escapar à pobreza’). O Ocidente, já de barriga cheia, é a Maria Antonieta
da energia. Não há petróleo? Usem eólica!”
Também
em 2017, numa crónica engraçadamente chamada “O sagrado e o propano”,
notei: “Se calhar, ouviu falar do que se passou recentemente na Austrália do
Sul, onde houve várias interrupções no fornecimento de electricidade. Sucede
que isso se passou no meio de uma onda de calor. Sucede, também, que a
Austrália do Sul se orgulha da sua política energética, toda ela à base de
eólica. Sucede, por fim, que, durante a onda de calor, não houve vento durante
as horas de maior canícula. Portanto, quando as pessoas mais desejavam ligar o
ar condicionado, faltava electricidade.
A
energia renovável tem essa maçada de ser intermitente e não se aguentar sozinha. É sempre preciso uma fonte alternativa que possa
suprir as falhas. E a Austrália do Sul não só desdenhava da sua central a gás,
como tinha acabado de fechar a sua última central a carvão. Sem um backup,
normalmente à base de combustíveis fósseis, as renováveis falham. É como uma
bicicleta com rodinhas. Os australianos resolveram tirar as rodinhas antes de
terem a certeza de que sabem pedalar. Espatifaram-se.
Uma das razões do blackout foi o
vento não ter soprado tanto quanto se previa. Ou seja: querem-nos fazer usar
uma fonte de energia que depende de previsões meteorológicas de curto prazo em
que não conseguem acertar, por causa de previsões meteorológicas de longo prazo
em que não têm dúvidas que acertaram.
(…)
Quando
se resolver a questão da intermitência e armazenamento das renováveis, tudo
bem, acabe-se com o resto. Até lá, não faz sentido prescindir de energia
acessível e barata. Era como se, um dia depois de Gutenberg inventar a imprensa,
acabassem com os gansos, porque nunca mais se iria escrever com penas.
Há
4 anos, numa crónica engraçadamente chamada “O último relatório apaga a luz”,
declarei: “O IPCC quer reduzir drasticamente as emissões de CO2 e propõe que se
encareça os combustíveis fósseis até se tornarem incomportáveis. Assim, da
próxima vez que um vendaval destruir uma casa, o dono já não fica aborrecido
por não conseguir acender a luz. A electricidade vai estar tão cara que ele vai
preferir avaliar os estragos andando às apalpadelas pelos escombros. A não ser
que tenha tido sorte e o telhado tenha voado: nesse caso, tem luz natural.
(…)
Além
de que isto de querer acabar com a electricidade barata e acessível como forma
de, numa próxima tempestade, não ficar sem electricidade barata e acessível, é
esquisito. No fundo, está-se a propor uma maçada permanente como solução para
acabar com uma maçada temporária. É a mesma coisa que amputar a mão para acabar
com a chatice de ter de cortar as unhas.”
Chegamos
a 2019. Em Fevereiro escrevi isto numa crónica engraçadamente chamada “O termóstato humano”: “Basta aplicar o Acordo de Paris que, através de
um encarecimento brutal da energia, limitará a 1,5°C o aumento da temperatura
desde o fim do séc. XIX.
A
questão é: para quê? É melhor ter apenas 1,5°C a mais, mas não ter dinheiro
para ligar uma ventoinha? Ou é preferível que temperatura suba mais um bocado,
mas haja ar condicionado em casa e nos transportes, frigoríficos, carros para
nos levar à praia e computadores com Internet, para podermos ir ao Twitter
insultar quem não acredita que o aquecimento global é culpa da humanidade?
É
que a descarbonização exigida pelo Acordo de Paris vai acabar com a energia
acessível e abundante. Energia essa que nos protege, justamente, dos
cataclismos que, dizem, o aquecimento global já está a provocar. A diferença
entre a aplicação ou não do Acordo é a mesma diferença entre os efeitos de um
furacão na Florida e de um ciclone no Bangladesh: em ambos as populações
põem-se em fuga, mas a forma como conseguem fugir é que é distinta. Na Florida
é de carro em auto-estradas de 5 faixas; no Bangladesh é a pé por caminhos de
lama. Quando não
falecem nestas condições miseráveis (mas ecológicas), os bengalis vivem com um
gasto energético virtuoso, próximo do que os proponentes do Acordo de Paris
consideram ser o adequado para nós. Daí que, quando sai uma notícia a dizer
que Portugal é o 5º país da Europa onde é mais difícil aquecer a casa, na
realidade quer dizer que somos o 5º país da Europa que melhor descarboniza.
Parabéns a nós.
(…)
Sempre
houve cheias, tornados, secas e outros fenómenos climáticos extremos. E vai
continuar a haver. A diferença é que agora temos mais e melhores meios para nos
defendermos. Pelo menos enquanto não acabarem com eles: parece que a estratégia
para nos protegermos dos cataclismos é deixar de usar o que nos protege de
cataclismos. É como se Noé reunisse a família e anunciasse:
–
Malta, falei agora com Deus. Parece que a Humanidade está a ser parva, de
maneira que Ele vai mandar uma borrasca e disse para construirmos uma arca e
meter lá os bichos todos.
–
Vou buscar o serrote! – diz um dos filhos de Noé.
– E
eu o martelo e pregos! – diz o outro.
–
Nada disso – diz Noé. – Vamos cortar a madeira com golpes de karaté e colá-la
com saliva.
–
Isso é estúpido – dizem os filhos.
–
Não, isso é transição energética – diz Noé.
–
Vou ensinar os animais a nadar – diz a mulher de Noé.”
Nesse
Março, numa crónica engraçadamente chamada “Leva um agasalho que estão alterações climáticas,
filho!”, insisti: “É má ideia substituir à bruta uma energia barata e acessível
por outra que, por enquanto, não dá garantias de conseguir alimentar o consumo
energético necessário para continuar a tirar e manter pessoas fora da pobreza.
As energias renováveis serão o futuro, mas, por agora, por ainda serem
intermitentes e pouco fiáveis, não dão segurança. Seja a eólica, a solar ou
outra que surja entretanto, como o aproveitamento da potência gerada pelo grupo
de indignados das redes sociais quando martelam vigorosamente no teclado.
(Calma, não comecem já. Essa tecnologia ainda não foi inventada).”
E,
em Agosto, numa crónica engraçadamente chamada “Alterações de Gretas suecas”,
voltei à carga: “Quando entrar na baía de Nova Iorque, a primeira coisa que
Greta verá vai ser a Estátua da Liberdade, tal como tantos emigrantes antes
dela. Na altura, vinham em barcos lotados, fugindo à pobreza, à fome e à falta
de recursos. Justamente as condições de vida que, num iate de luxo, Greta vem
agora propor.
Durante
mais de 100 anos, a Estátua saudou quem chegava, erguendo alto a sua tocha.
Para os emigrantes pobres, a tocha representava um ideal, a liberdade. Para
esta activista rica, a tocha também representa um ideal, o de um mundo
iluminado pelo fogo, em vez de pela electricidade. Sorte tem o Frank Sinatra,
que já morreu. Se Greta conseguir apagar as luzes, Nova Iorque vai deixar de
ser a cidade que nunca dorme e a canção deixará de fazer sentido.”
Um
mês depois, numa crónica engraçadamente chamada “Independência (excepto para
gestão florestal) ou morte!”, assinalei: “São estas pessoas que desejam
energias renováveis, mas não admitem que se extraia o lítio necessário para as
baterias que vão, lá está, renovar a energia. Esta campanha contra o lítio é
ainda mais bizarra por ser também um medicamento usado no tratamento do
transtorno bipolar e estes activistas tanto estarem excitados com a transição
energética, como deprimidos com o que é preciso para a fazer.”
Ainda
antes do fim desse ano, numa crónica engraçadamente chamada “Greta entre os doutores”,
disse: “Tudo o que Greta Thunberg deseja que se faça para combater as
alterações climáticas redunda no empobrecimento dos países em vias de
desenvolvimento, a quem querem limitar o acesso à energia barata e abundante
com que Greta foi criada, mas que agora não lhes quer dar. É o novo
colonialismo. Antigamente, o Ocidente queria impor aos selvagens o seu modo de
vida à bruta, porque era o melhor. Agora, o Ocidente quer impedir que os
selvagens tenham o seu modo de vida, também à bruta, porque é o pior.”
No
ano seguinte, numa crónica engraçadamente chamada “Living la IVA loca”, quis
que ficasse registado que: “Deixar o IVA como está não é ser só contra a
iluminação, é ser contra o iluminismo. Usar menos electricidade por causa do
clima é superstição, uma espécie de sacrifício para aplacar os elementos. Só
não é o equivalente a auto-flagelação, porque a auto-flagelação ao menos
aquece.
(…)
A
única ocasião em que dificultar o acesso à electricidade faz bem à saúde é
quando a pessoa em questão é um condenado à cadeira eléctrica. De resto, a
electricidade dá muito jeito, principalmente num país em que, apesar do clima
ameno, se morre de frio com bastante frequência. Por causa da pobreza. Ou, como
se diz agora, eficiência energética. Há pouca gente mais eficiente
energeticamente do que uma pessoa com frio, que até respira mais devagar e por
isso emite menos CO2. E não há mesmo ninguém carbonicamente mais neutro do que
um defunto”.
Chegado
a 2021, numa crónica engraçadamente chamada “Quando até a Cimeira do Clima é
anticlimática”, expus: “Se, no final do século XIX, tivéssemos abdicado à
partida da energia abundante, acessível e barata, não estaríamos nesta
situação. Não teríamos carros, aviões, cargueiros e comboios. Nem vacinas. Nem
os antibióticos e medicamentos que salvam crianças. Não teríamos fertilizantes
sintéticos que alimentam milhões. Não teríamos levado um homem à Lua. Não o
teríamos trazido de volta. Não teríamos Internet, televisão, cinema ou
telemóveis. Não teríamos electrodomésticos. Não teríamos luz a qualquer hora.
Não teríamos aquecimento e refrigeração instantâneas.
E
ainda bem. Porque é por termos estas coisas que nos reproduzimos em excesso e
não morremos tão facilmente, contribuindo para a sobrepopulação do planeta.
Egoisticamente, optámos pelo aumento da produção alimentar, pela saúde, pela
baixa mortalidade infantil (era 40% em 1880, agora é 3,4%, no mundo inteiro),
pela longevidade (esperança de vida era 42 anos em 1880, agora é 72), pela
riqueza (o PIB per capita era de 1498 dólares em 1870, em 2016 eram 15.212
dólares) pelo bem-estar de cada vez mais de pessoas. Mas não valeu a pena, pois
perdemos a temperatura média perfeita.”
E
há poucos meses, numa crónica engraçadamente chamada “Ainda gás de cá vir!”,
conclui: “Exortados por jeremiadas como as do beato Guterres, os fanáticos
religiosos estão dispostos a embarcar em vários tipos de exageros para evitar
um suposto apocalipse. Criando, com esses exageros, uma situação bem pior que o
suposto apocalipse. Que é o que vai acontecer já este Inverno, com pobreza
energética a causar piores consequências do que as do aquecimento global. Já
para não falar das consequências do aquecimento global que deixamos de
conseguir combater por faltar energia para ares condicionados durante ondas de
calor, aquecimento durante vagas de frio, bombas de água durante cheias ou
depósitos de carros para fugir de incêndios.”
Eu
não avisei? Nos últimos anos, padecendo de uma monomania muito maçadora para
leitores, editores, colegas, familiares e amigos – sobretudo em
confraternizações que metem álcool, quando pareço um disco riscado de anedotas
ordinárias sobre meteorologia – tenho vindo a repetir que as respostas
suscitadas pela preocupação paranóica com as alterações climáticas (com a
proibição das energias fiáveis, baratas e acessíveis) acabariam num
encarecimento brutal da energia, justamente numa altura em que precisamos dela
para mitigar os efeitos das alterações climáticas.
Porque
elenco aqui estas crónicas todas em que, ao longo dos últimos anos, tenho vindo
a dizer que a junção de histerismo climático com ludismo e com malthusianismo e
com fervor religioso vai tornar-nos a todos mais pobres? E que os sacrifícios
que nos impõem são luxuosas sinalizações de virtude sem influência no clima,
são mais penitência pública do que acção concreta? Não é para mostrar que sou
uma Cassandra que inventa títulos com trocadilhos bem esgalhados. Quer dizer,
não é só para isso.
É
porque, mesmo sabendo que não devia ser motivo de orgulho, não consigo deixar
de sentir uma certa vaidade por ter acertado em cheio. É uma vaidade que dá um
quentinho por dentro. E, agora que os dias começam a ficar frios, esse é o
único quentinho barato a que tenho acesso. Vou aproveitar.
ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS CLIMA AMBIENTE CIÊNCIA
COMENTÁRIOS:
S. Belo: il verso e il rovescio" ! Mudar este velho mundo à força sem contar com a reação? Bom trabalho, José Diogo Quintela. Parabéns.
Ausenda
Rodrigues 👏👏👏: Sempre
lúcido e a utilizar uma ferramenta já antiga chamada, ai, nem me lembro do
nome...ah sim " bom senso". Obrigada.
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