segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Saudades de Ogígia?


«- Quantos males te esperam, oh desgraçado! Antes ficasses para toda a imortalidade, na minha ilha perfeita, entre os meus braços perfeitos… Ulisses recuou, com um brado magnífico:  – Oh deusa, o irreparável e supremo mal está na tua perfeição! E, através da vaga, fugiu, trepou sofregamente à jangada, soltou a vela, fendeu o mar, partiu para os trabalhos, para as tormentas, para as misérias – para a delícia das coisas imperfeitas!»

É a parte final do Conto de Eça “A Perfeição”, com Ulisses fugindo da ninfa Calipso e da sua ilha perfeita, para os trabalhos e lutas que o regresso a Ítaca lhe proporcionará, junto da intermitente tecedeira Penélope, sua esposa devotada. Não, não julgo que Ulisses pensasse em inflações ou bancarrotas quando fugiu de Ogígia. Provavelmente partiria na mesma, habituado à guerra e aos artifícios para a vencer, qual  corajoso  Zelensky destes tempos, para mais governante de um povo trabalhador e heróico, a servir de exemplo.

Nós por cá vamos lutando pela côdea, tant bien que mal… Talvez preferíssemos Ogígia, da nossa gula e prazer, ralaços que somos…

«...E VÓS, TÁGIDES MINHAS...» - 10

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA               A BEM DA NAÇÃO,  30.10.22

ou

O MUNDO VISTO DA MINHA VARANDA

ou ainda

«HOC TEMPUS VINDICTA» que é como vulgarmente se diz «esta é a hora da vingança».

Vingança de quem contra quem?

De quem, já lá vamos, mas seguramente contra Mário Draghi e os «seus» juros negativos, da política desculpadora dos países sulistas, os perdulários, em desfavor dos nortistas, os frugais, do apadrinhamento dos devedores da banca em desfavor dos credores, os titulares dos capitais. Por palavras maledicentes, esta é a hora da vingança dos aforradores de direita contra a demagogia protectora dos «coitadinhos»,  os consumidores. Pior dizendo… não digo; da mão invisível do «big brother» contra o «peão da brega». A Porta de Brandeburgo contra a Praça Sintagma.

Tudo o resto vem por acaso e muito a despropósito.       E o que é esse resto?

É «só» o Putin e os seus complexos imperialistas, a destruição física do maior fornecedor de cereais à Europa (obrigando-nos a virarmo-nos para Marrocos e para a imprescindível irrigação do Sahara), a busca de fontes energéticas alternativas (não nos esqueçamos de que não foi por falta de pedras que acabou a Idade da Pedra), a tomada (finalmente!) de consciência de que o «colonialismo XX» eufemisticamente chamado «globalização» estava a mostrar-se mais inconveniente do que proveitoso – feitiço vs feiticeiro.

Tudo, ao mesmo tempo, dá esta confusão em que nos encontramos:

Os juros só deixarão de subir quando a remuneração líquida dos capitais for confortavelmente positiva;

A «fronteira» dos US$ 70,00/barril de petróleo sendo confirmada como aquela abaixo da qual há um determinado número de poços exploráveis (definindo um nível determinado de oferta mundial) e acima da qual a viabilização da exploração sobe para quase o dobro do número de poços (aumentando significativamente a oferta mundial e puxando a cotação de novo para baixo), até que consolidemos a substituição dos fornecimentos russos ou os «petroleiros» russos substituam Putin;

Algo não muito diferente para o gás natural com os nossos amigos moçambicanos prestes a entrar na oferta mundial.

Concluindo, estamos sujeitos a uma vaga de aumento de preços (vulgar e erradamente chamada inflação) com duas origens – interna e externa – e duas causas fundamentais: 1) A necessidade de repor a remuneração líquida positiva dos capitais; 2) A especulação desenfreada que se mede pela chamada «inflação subjacente» que é a que nada tem a ver com as questões acima referidas e que em Portugal ascendeu a mais de 7% neste final de Outubro de 2022 calculada sobre o período homólogo - esta, sim, a merecer atenção no curto prazo pois que mais não é do que a vingança dos mercados opacos sobre o consumidor inocente e indefeso.            30 de Outubro de 2022

COMENTÁRIOS:

 Anónimo  30.10.2022  16:02: Henrique, recordo que há largos meses, num comentário, referi que tendo o BCE o objectivo de assegurar uma taxa de inflação de cerca de 2% (por lapso, escrevi 3%), faria os possíveis para que tal acontecesse. Isto foi escrito, salvo erro, antes da Guerra da Ucrânia, quando os preços começaram a subir por a oferta, saída do confinamento do COVID, não estar a corresponder às solicitações crescentes e abruptas da procura. Viu-se agora que o BCE reagiu tarde e não me sinto capacitado para afirmar que, atento o conhecimento de então, ele deveria ter reagido mais cedo. Mas a dúvida fica. A sua Presidente afirmou esta semana que tudo faria para baixar a inflação para os tais 2%. Não fixei exactamente a expressão em inglês, mas foi curta, utilizando o verbo “to do”, a fazer lembrar a afirmação de Draghi, em Londres, em 26/7/2012, salvadora do Euro – “whatever it takes”. Esperemos que a afirmação da Senhora Lagarde, com “to do”, tenha o mesmo efeito, desta vez em relação à inflação, apesar de críticas ou de alertas de alguns dirigentes políticos a tantos incrementos das taxas de juro. É o BCE a afirmar a sua independência em relação aos vários poderes políticos. Aprendemos nas primeiras aulas universitárias que a inflação é o pior dos impostos, pois é altamente regressivo, penalizando mais as camadas populacionais economicamente mais débeis e que têm, consequentemente, maior propensão para o consumo, assim como os que têm rendimentos fixos. Então tudo deve ser feito para a evitar. Assistimos aos alertas para que o “doente” não morra da “cura”, isto é, que a taxa de juro não suba tanto e tão rapidamente que possa provocar uma recessão. Não sei se a provocará, mas seguramente que arrefecerá a economia, pois é esse o objectivo. E como apontas, a inflação subjacente (excluindo produtos alimentares não transformados e energéticos) continua a subir e já vai nos 7,1%. E quando a raiz do problema não for tratada (infelizmente, ainda é cedo para isso), esperemos que a política monetária do BCE, conjugada com políticas nacionais, possa atenuar a inflação e os seus efeitos perversos. Depois, Henrique, abordas a dicotomia norte/sul, frugais/perdulários, Porta Brandeburgo/ Praça Sintagma. Terão de passar algumas gerações para que essa dualidade não esteja presente em políticas europeias e no sentimento dos povos dos vários países europeus. Curiosamente, não notei que no coro dos alertas mencionados acima estivesse algum grego, mas em contrapartida está um francês. Admirado? Talvez não. Será que a situação social e económica francesa cria entropia ao funcionamento do eixo Paris-Berlim? Intelectualmente, vai ser também interessante acompanhar o que Berlim e Frankfurt irão fazer. Estarão alinhados? Os efeitos da política monetária do BCE em que medida se repercutirão nos dois tipos de países que descreves? Que são os mais endividados que serão penalizados, não há dúvida. Mas será que haverá medidas complementares que atenuem essa penalização? Será que, a existirem, elas terão também de passar pelo Tribunal Constitucional alemão? Um livro agora saído “Diplomacia em tempo de Troika”, do nosso embaixador em Berlim nesses tempos, Luís de Almeida Sampaio, descreve, com algum pormenor, o sentimento político alemão em relação aos resgates de Portugal e da Grécia. Como o autor é diplomata não reproduz frases análogas ao que Barack Obama ouviu dos frugais em relação aos gregos, numa cimeira do G8: “Eles não pensam como nós” (pág, 596 de “Uma Terra Prometida”). Vejamos que panorama económico e social, bem como eventuais fracturas europeias o futuro nos reserva. Grande abraço.  Carlos Traguelho


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