«- Quantos males te esperam, oh desgraçado! Antes ficasses para toda a imortalidade, na minha ilha perfeita, entre os meus braços perfeitos… Ulisses recuou, com um brado magnífico: – Oh deusa, o irreparável e supremo mal está na tua perfeição! E, através da vaga, fugiu, trepou sofregamente à jangada, soltou a vela, fendeu o mar, partiu para os trabalhos, para as tormentas, para as misérias – para a delícia das coisas imperfeitas!»
É a parte final do Conto de Eça “A
Perfeição”, com Ulisses fugindo da ninfa Calipso e da sua ilha
perfeita, para os trabalhos e lutas que o regresso a Ítaca lhe proporcionará,
junto da intermitente tecedeira Penélope, sua esposa devotada. Não, não julgo
que Ulisses pensasse em inflações ou bancarrotas quando fugiu de Ogígia. Provavelmente
partiria na mesma, habituado à guerra e aos artifícios para a vencer, qual corajoso Zelensky destes tempos, para
mais governante de um povo trabalhador e heróico, a servir de exemplo.
Nós por cá vamos lutando pela côdea, tant bien que mal… Talvez preferíssemos
Ogígia, da nossa gula e prazer, ralaços que somos…
«...E VÓS,
TÁGIDES MINHAS...» - 10
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 30.10.22
ou
O MUNDO VISTO DA MINHA VARANDA
ou ainda
«HOC TEMPUS VINDICTA» que é como vulgarmente se diz «esta é a
hora da vingança».
Vingança de quem contra quem?
De quem, já lá vamos, mas seguramente
contra Mário Draghi e os «seus» juros negativos, da política desculpadora
dos países sulistas, os perdulários, em desfavor dos nortistas, os frugais, do
apadrinhamento dos devedores da banca em desfavor dos credores, os titulares
dos capitais. Por
palavras maledicentes, esta é a hora da vingança dos aforradores de direita
contra a demagogia protectora dos «coitadinhos», os consumidores.
Pior dizendo… não digo; da mão invisível do «big brother» contra o «peão da
brega». A Porta de Brandeburgo contra a Praça Sintagma.
Tudo o resto vem por acaso e
muito a despropósito. E o que é esse resto?
É «só» o Putin e os seus complexos imperialistas, a destruição
física do maior fornecedor de cereais à Europa (obrigando-nos a virarmo-nos para Marrocos e para a imprescindível
irrigação do Sahara), a busca de
fontes energéticas alternativas (não nos esqueçamos de que não foi por
falta de pedras que acabou a Idade da Pedra), a tomada (finalmente!) de
consciência de que o «colonialismo XX»
eufemisticamente chamado «globalização» estava a mostrar-se mais inconveniente
do que proveitoso – feitiço vs feiticeiro.
Tudo, ao mesmo tempo, dá esta
confusão em que nos encontramos:
Os juros só deixarão de subir
quando a remuneração líquida dos capitais for confortavelmente positiva;
A «fronteira» dos US$
70,00/barril de petróleo sendo confirmada como aquela abaixo da qual há um
determinado número de poços exploráveis (definindo um nível determinado de
oferta mundial) e acima da qual a viabilização da exploração sobe para quase
o dobro do número de poços (aumentando significativamente a oferta mundial e
puxando a cotação de novo para baixo), até que consolidemos a substituição dos
fornecimentos russos ou os «petroleiros» russos substituam Putin;
Algo não muito diferente para o gás natural com os nossos amigos
moçambicanos prestes a entrar na oferta mundial.
Concluindo, estamos sujeitos a uma vaga de aumento de preços (vulgar
e erradamente chamada inflação) com duas origens – interna e externa – e duas
causas fundamentais: 1) A necessidade de repor a remuneração líquida positiva
dos capitais; 2) A especulação desenfreada que se mede pela chamada «inflação
subjacente» que é a que nada tem a ver com as questões acima referidas e que em
Portugal ascendeu a mais de 7% neste final de Outubro de 2022 calculada sobre o
período homólogo - esta, sim, a merecer atenção no curto prazo pois que mais
não é do que a vingança dos mercados opacos sobre o consumidor inocente e
indefeso. 30 de Outubro
de 2022
COMENTÁRIOS:
Anónimo 30.10.2022 16:02:
Henrique, recordo que há
largos meses, num comentário, referi que tendo o BCE o objectivo de assegurar
uma taxa de inflação de cerca de 2% (por lapso, escrevi 3%), faria os possíveis
para que tal acontecesse. Isto foi escrito, salvo erro, antes da Guerra da
Ucrânia, quando os preços começaram a subir por a oferta, saída do confinamento
do COVID, não estar a corresponder às solicitações crescentes e abruptas da
procura. Viu-se agora que o BCE reagiu tarde e não me sinto
capacitado para afirmar que, atento o conhecimento de então, ele deveria ter
reagido mais cedo. Mas a dúvida
fica. A sua Presidente afirmou esta semana que tudo faria para baixar a
inflação para os tais 2%. Não fixei exactamente a expressão em inglês, mas
foi curta, utilizando o verbo “to do”, a fazer lembrar a afirmação de Draghi,
em Londres, em 26/7/2012, salvadora do Euro – “whatever it takes”. Esperemos que a
afirmação da Senhora Lagarde, com “to do”, tenha o mesmo efeito, desta vez em
relação à inflação, apesar de críticas ou de alertas de alguns dirigentes
políticos a tantos incrementos das taxas de juro. É o BCE a afirmar a sua independência em relação aos vários
poderes políticos. Aprendemos nas primeiras aulas universitárias que a inflação
é o pior dos impostos, pois é altamente regressivo, penalizando mais as camadas
populacionais economicamente mais débeis e que têm, consequentemente, maior
propensão para o consumo, assim como os que têm rendimentos fixos. Então
tudo deve ser feito para a evitar. Assistimos aos alertas para que o “doente”
não morra da “cura”, isto é, que a taxa de juro não suba tanto e tão
rapidamente que possa provocar uma recessão. Não sei se a provocará, mas
seguramente que arrefecerá a economia, pois é esse o objectivo. E como
apontas, a inflação subjacente (excluindo
produtos alimentares não transformados e energéticos) continua a subir e já vai
nos 7,1%. E quando a raiz do problema não for tratada (infelizmente,
ainda é cedo para isso), esperemos que a política monetária do BCE,
conjugada com políticas nacionais, possa atenuar a inflação e os seus efeitos
perversos. Depois, Henrique, abordas a dicotomia norte/sul,
frugais/perdulários, Porta Brandeburgo/ Praça Sintagma. Terão de passar algumas
gerações para que essa dualidade não esteja presente em políticas europeias e
no sentimento dos povos dos vários países europeus. Curiosamente, não notei
que no coro dos alertas mencionados acima estivesse algum grego, mas em
contrapartida está um francês. Admirado? Talvez não. Será que a situação
social e económica francesa cria entropia ao funcionamento do eixo
Paris-Berlim? Intelectualmente, vai ser também interessante
acompanhar o que Berlim e Frankfurt
irão fazer. Estarão alinhados? Os efeitos da política monetária do BCE em que
medida se repercutirão nos dois tipos de países que descreves? Que são os mais
endividados que serão penalizados, não há dúvida. Mas será que haverá medidas
complementares que atenuem essa penalização? Será que, a existirem, elas terão
também de passar pelo Tribunal Constitucional alemão? Um livro agora saído
“Diplomacia em tempo
de Troika”, do nosso embaixador em Berlim nesses tempos, Luís de
Almeida Sampaio, descreve, com algum pormenor, o sentimento político alemão
em relação aos resgates de Portugal e da Grécia. Como o autor é diplomata
não reproduz frases análogas ao que Barack Obama ouviu dos frugais em relação
aos gregos, numa cimeira do G8: “Eles não pensam como nós” (pág, 596 de “Uma
Terra Prometida”). Vejamos que panorama económico e social, bem como
eventuais fracturas europeias o futuro nos reserva. Grande abraço. Carlos Traguelho
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