Um “Quase” do nosso genérico
Não foi, de facto, o Governo, que me mereceu
a evocação dos conhecidos versos de Mário de Sá Carneiro, expressão de uma pertinaz incompletude de realização
que eles denunciam, de insatisfação existencial que se complementaria em trágico
desenlace. Pelo contrário, o Governo, apesar de uma constante incompletude nos
desígnios de “construção” eficaz em termos pátrios, não deixa jamais de se complementar
em termos de governação pessoal, obtida - aliás, indevidamente - e que inclui,
naturalmente, o cerco da família socialista de que se rodeou massivamente,
prometendo mesmo uma representação de longa temporalidade, malgrado o maquiavelismo
de actuações que MJA denuncia, no seu belo discurso rendilhado, de saber e arte. O “Quase “ aplica-se
antes a uma massa demográfica de realização pouco musculada – a nossa - “esvaída num grande mar de espuma”, de
acomodamento preferencial na indecisão e doce paz prazerosa, ou cómoda “dolce
vita”.
Foi, sobretudo, também a “peça” de arte e
humor de Maria João Avillez que me fez
logo acudir à memória os extraordinários versos da “irrealização”, ou antes -
no nosso caso concreto - de uma “realização” prática a que faltou a mola, como
dá a entender a sua crónica, na aplicação fatídica do “oxalar” da nossa
resignação.
QUASE
Um pouco mais
de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minhalma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo … e tudo errou…
– Ai a dor de ser – quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…
Momentos de alma que desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…
Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol – vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…
Um pouco mais de sol – e fora brasa,
Um pouco mais de azul – e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Listas de som avançam para mim a
fustigar-me em luz.
Todo a vibrar, quero fugir… Onde acoitar-me?…
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar…
Mário de Sá-Carneiro in
DISPERSÃO”
O “sentimento geral”
O que não há nunca é a passagem do
Cabo Bojador do conjuntural para o estrutural. Da medida, para a reforma; da
rotina para o golpe de rins. Da pobreza para outra vida.
MARIA JOÃO AVILLEZ
OBSERVADOR, 12
out 2022, 00:2025
1Entrei
na sala e estava o dr. Marques Mendes a dizer “oxalá” no écran. Saí da
sala pouco depois e continuava o dr. Marques Mendes a dizer oxalá. Eu
percebo-o. Que nos resta senão “oxalar” diante de quem nos governa e de quem
nos preside? Um amigo meu que maneja o humor como um jardineiro inglês as
suas rosas, diz – a sério – que também nos “resta rir”. Prosaicamente, rir. Não
consigo. Podia porém chorar uma lágrima de embaraço com os folhetinescos
episódios de ministros a contas com a sua estupefacção – no mínimo
preguiçosa – face à ética. Costumam confundi-la com legalidade e quando
alguém lhes chama – outra vez prosaicamente – a atenção para o equívoco,
espantam-se: a actividade que desenvolviam, a propriedade de algo que
detinham, os fundos que recebiam, não eram legais? Eram, eram, logo lhes
sussurra alguém da infecunda família socialista, confundindo coisas graves,
como servir o Estado à vontade do freguês( sem deitar fora as
incompatibilidades) ou servi-lo, tout court. Trata-se já uma bela colecção
de governantes e governantas, suponho-a bem valorizada no mercado
coleccionista mas os tempos não me calham para compras (só vendas, mas
infelizmente não posso vender o Governo).
2Já
houvera outras colecções. As peças desta vez não eram feitas de
incompatibilidades mas de uma extraordinária espuma de frases. Já
ninguém se lembra delas porque a política da maioria foi perdendo credibilidade
e já pouco ou nada tem importância. Como se faz o que se quer, se menoriza
sem remorso e se atropela quem convém – das oposições, às instituições – também
se diz o que se quer (e que importa que os efeitos pudessem ser devastadores se
alguma coisa tivesse consequência?)
Há
semanas ouvi esta pérola socialista – “a regionalização incomoda? Pois temos
pena” – atirada pela ministra da pasta. Sem perceber que é do
país que temos pena se Portugal se esquartinhasse sem motivo, nem propósito,
por servidoras com “pena” de quem não lhes sirva a elas a ideologia
regionalista; a titular da Agricultura também andou com um colar de
palavras ao pescoço digno de colecção, invectivando, com altíssimo despropósito
a CAP, a propósito de apoios obtidos submetidos a fidelidades partidárias. Muito mau gosto, imensa má-fé mas uma enorme
segurança: ninguém no governo lhe iria à mão. Tinha razão.
Sobre
a brutalidade da área incendiada no último verão na Serra da Estrela um
responsável socialista tirou-nos de cima, com admirável leveza, o luto e a
vergonha: “daqui a 11 anos” vai ser óptimo voltar à Serra da Estrela e
observar como ela se acomodou à devastação de onze anos antes e que linda
estará daqui a onze anos…; Luís Paixão Martins, dito o “estratega” do PS,
leccionando uma aula recente na Academia Socialista não só acarinhou José
Sócrates assegurando-nos já não ser ele “ um activo tóxico para o PS — sob que
critério? — “enquanto Passos ainda causa problemas ao PSD”. Oh maravilha… Só abrindo e fechando muitas,
(muitas) vezes este leque de espumosas palavras se esconjura, acham eles –
socialistas&estrategas – o fantasma de Passos. (Mochila pesada deve ser
esta, andar com Passos Coelho, tão alto, às costas, desde há sete anos, santo
Deus.)
Já sobre o novo (?) aeroporto, a minha memória foi incapaz de reter
tudo o que de absurdo, de tecnicamente errado, de inútil, de fantasioso, de
burlesco até, se tem dito com tanto de incapacidade como de indecisão. Os mesmos
ingredientes aliás, com que se tem cozinhado o infindável desastre da TAP e o
seu inexplicável percurso de avanços/recuos quanto a intenções, muitas vezes
opostas, quando não mesmo contraditórias. (E sabe Deus como sempre andei na
TAP, louvei a TAP, preferi a TAP)
Ah
mas um dia houve o “sentimento geral”. Uma descoberta, o “sentimento
geral”. Tardia, mas “mais vale tarde, etc.”
Com magnanimidade, a mesmíssima TAP desistiu de se abastecer de BMW – embora
“ficassem mais baratos” – e em nome do “sentimento geral” que antes a ninguém
passara pela cabeça que a encomenda geraria – manteve “por um ano” os mesmos
carros. Louvemos o “sentimento geral”. E se desejo que não fiquem apeados
de veículo e motorista, coitados, adoraria poder apeá-los eu, do lugar onde
estão. Substituindo-os por outros, como dizer? mais aptos, calhados e
dotados para a empreitada. (quem me devolve o dinheiro que eu e mais milhões de
portugueses lá continuamos a pôr enquanto esperamos por Godot?)
3O
PS percebendo que os seus primeiros meses de governação tiveram o cheiro a
enxofre dos fins de ciclo, anunciou há tempos, nas vésperas de se iniciarem as
suas Jornadas Parlamentares, que se apresentaria “fresco e arejado”. Um
misterioso assomo de candura após a entronização do pior, mais desconexo e mais
inoperante executivo de António Costa. Seguiram-se semanas de episódios
ministeriais pouco gratificantes e de incríveis trapalhadas políticas e de
comunicação (não havia um comunicador novo em S, Bento?) mas infelizmente não
houve um “sentimento” não já “geral” mas “governamental”. Um “sentimento” que
mesmo que tardio, sinalizasse que assim, não.
Veio
o acordo de Concertação Social, fraquinho em convicção e modesto em
resultados e tudo o que com melancólica boa vontade se poderá afirmar é que ele
“é melhor que nada”. É, claro.
Mas a meia coisa e o meio caminho nunca trouxeram nada de novo (e se a culpa
cabe ao Executivo quanta responsabilidade não cabe à passividade dos parceiros
sociais?). Onde esteve a indispensável concertação á roda de
grandes objectivos que alterem o curso do país, retirando-o do alçapão onde
caiu (mesmo que a propaganda, cujo som foi aumentado, diga que não)?
Depois
veio o Orçamento. Trouxe a
prioridade máxima das contas certas, directamente herdada do tal fantasma que
“embaraça o PSD” e que as esquerdas temem e esconjuram porque o sabem (ao
fantasma) melhor do que elas a lidar com a dificuldade. Seja:
contas certas, diminuição da divida para um patamar de menos perigosas
consequências nacionais e europeias. É patriótico e evidentemente necessário.
Mas… como se pode lidar com tanta certeza sobre a própria incerteza da
inflação, do comportamento de outras economias, do evoluir da guerra? Como é
possível anunciar – quando não, prometer – um próximo ano com menos sombras do
que aquelas que já ancoraram sobre o nosso português céu?
Há intervenções conjunturais sob a
forma de apoios, ajudas, medidas tendentes a minorar quotidianos pesados e
futuros sombrios. Isto é, há o “sentimento geral” no governo de que não se pode
deixar portugueses a morrer de fome ou de frio. O que não há é a
passagem do Cabo Bojador do conjuntural para o estrutural. Da medida, para a
reforma; da rotina cepa- torta para um golpe de rins. Do afã e afinco ao Estado à indispensabilidade da
criação de riqueza, de onde deriva o aumento dos salários, de onde derivaria
outra vida. Da pobreza à ambição, numa palavra.
4O
país não irá colapsar e sempre que colapsou, de há nove séculos a esta parte,
descolapsou… Os meus filhos ralham-me muito por terem uma mãe fatalista,
explico-lhes (sem sucesso) que a direita que se preza é pessimista.
Eles
que conjuguem o verbo “oxalar”.
COMENTÁRIOS:
bento guerra: Já mandou cópia ao seu amigo Marcelo?
Carlos Chaves: Caríssima Maria João, receio que se isto não leva uma
grande volta, com ou sem colapso, acabaremos todos a “Oxalar” daqui para fora!
Tenho pena de ler as suas mais recentes magníficas crónicas tomarem um tom
pardacento e desconsolado. Sinais dos tempos que esta medíocre maneira de estar
na política dos socialistas, onde incluo o nosso Presidente da República, nos
está a levar. E deixe-me discordar dos seus filhos, a Maria João não é de todo
fatalista, é sim muito realista, para consolo de quem a lê.
António Lamas: Só faltou acrescentar as trapalhadas, as tristes
figuras, as tristes declarações, as tristes posturas, as tristes vergonhas que
Marcelo, o pior PR desde a monarquia, tem protagonizado.
Pior que socialistas no poder, é ter em Belém, um
doente com manifesta incapacidade para exercer o cargo para que foi
eleito.
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