“Dinossauro Excelentíssimo”
O meu interesse pela leitura iniciou-se com os livros infantis que o
meu pai nos enviava de África, para a aldeia onde vivemos durante a guerra.
Livros belos, de encadernações sugestivas, que guardei através da vida,
extraídos dos filmes de Walt Disney a que se juntaram, em África, os livros
emprestados pelas amigas e até os consultados nas bibliotecas. A adolescência
fez-me vibrar com os livros sentimentais da Magali, Delly ou Max du Veuzy, da
Maria Luísa Linares, da Concha Linares Becerra, mas depressa os livros sérios da
Europa-América, além, é claro, dos que o meu pai tinha na sua estante, entre os
quais todo o Júlio Dinis, o Alexandre Herculano, Silva Gaio, e os encantadores
de Virgínia de Castro e Almeida, com os de leitura obrigatória do liceu,
formavam a panorâmica, reconheço que não muito vasta, do meu crescimento intelectual.
O convívio posterior com os colegas do secundário e a opção por românicas
trariam novas achegas literárias de progressivo prazer, a que se acrescentaram
os Astérix e os Tintins, já então estando eu a leccionar, e lembro-me bem dos
risos e prazeres dessas leituras de engenho e graça. Mas outros momentos de
gosto literário surgiram com as peças – sobretudo – de Sartre, e as leituras de
Simone de Beauvoir, para além dos romans-fleuve, o teatro francês e outras
obras de que a literatura francesa foi manancial de prazer, entre os escritores
russos, mais ou menos sombrios, que não chegava a completar, por, limitada que
sou, não amar, como Régio, “ o Longe e a Miragem, e os
abismos, as torrentes, os desertos...”, mas as coisas banais de um mundo banal ou menos,
como as ligadas às ilusões – ou realidades - de felicidade e bem-estar, por
efémeros que sejam.
Tudo isto vem a propósito de um livro
que comprei em 1973, que comecei a ler na altura e pus de parte, já então
repugnada pela intenção maldosa de uma espécie de alegoria criada em torno da
figura de Salazar, e em que voltei a pegar, sem, contudo, desfazer essa
impressão primeira de asco. Eu também lera “La Nausée”, de Sartre, “L’Étranger”
de Camus, “O Processo” de Kafka, confesso que opressivamente, os livros dos
escritores franceses, contudo, com uma disposição de espírito mais aberta, não
só pela graça de alguns episódios, como pela filosofia existencialista que
pretendiam demonstrar, Sartre com o saber firme e espectacular do seu engenho
criativo e filosófico, a figura do “Meursault” do Camus, pródiga em características
cómicas, a começar pelo seu início, de narrador/personagem principal – “Aujourd'hui maman est morte. Ou peut-être hier, je ne
sais pas”. “O Processo”, todavia, li-o com reticência sombria, como mais
tarde leria o “1984” de George Orwell pela criação de uma sociedade de
ostracismo absurdo e repugnante, que hoje, talvez, já não me atreveria a reler.
Mas, como há pouco transcrevi uns
textos sobre Salazar, figura superior da nossa História Pátria, peguei no livro
de Cardoso Pires, apenas para me confrontar com o maquiavelismo de um
pseudo-retrato hediondo, que fez da alegoria – baseada nos dados biográficos de
Salazar – um quadro que só aponta para a miséria moral, pese embora o
trabalhado criativo, do autor do mamarracho.
Não, não vou debruçar-me sobre esse “Dinossauro
Excelentíssimo”, apenas aponto a fealdade do carácter de quem o escreveu, nele
vertendo o seu ódio – contrariamente à criatividade dos escritores surrealistas
anteriores, descrevendo racionalmente uma sociedade de deficiente carisma em
que nos movíamos e movemos, sombria, naturalmente, mas imparcialmente descrita.
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