Não será mais insulto mas uma ordem
carinhosa ao pobrezinho que nos pede esmola, ou mesmo ao nosso filhinho ou a
outro qualquer ser da nossa amizade esfomeada.
Entregues à bicharada
Prepara-se um imenso amanhã repleto de
grilos crocantes, autocarros em greve, frio, cobertores, clausuras a pretextos
sortidos. E escuridão. Entrámos num século sem luzes, figuradas e literais.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 22 out 2022, 00:2457
Açúcar?
Mata. Sal? Esfola. Hidratos? Engordam. Carnes vermelhas? São um perigo. Gorduras?
Nem a brincar. Peixe? Não alimenta. Marisco? Provoca gota. Lacticínios? Avariam
o fígado. Vegetarianismo? Uma moda inconsequente. Removidos os venenos citados,
a alimentação fica entregue à bicharada. Não falo de frangos e perus, cuja
criação evidentemente favorece as alterações climáticas. Falo de insectos.
Falo
de insectos porque não se tem falado o suficiente, porque amanhã se celebra
o Dia Mundial do Insecto Comestível e porque no próximo dia 27 se realiza, em
Leça da Palmeira, a 4ª edição das comemorações do Dia Mundial do Insecto
Comestível, a cargo de uma entidade chamada Portugal Insect. Parece-me
grave que semelhante iniciativa não convoque a atenção suscitada por um Mundial
da bola ou assim. Na página de Facebook da Portugal Insect, a notícia
do evento tinha, à hora a que escrevo, 32 “gostos” e 11 comentários, na maioria
negativos e enojados. Para cúmulo, apesar de algumas reportagens
televisivas, os “media” não ajudam à divulgação. Eu ajudo.
O
programa de dia 27, a decorrer no Clube de Vela Atlântico, é o seguinte: 9.30:
Abertura; 10.00: Apresentação da Portugal Insect e do sector; 10.15: Sessão
Técnica – Produção de insectos; 11.15: Coffee Break; 11.45: Workshop –
Utilização de insectos em produtos alimentares; 13.00: Almoço; 14.00: Sessão
técnica – Transformação e utilização de insectos; 14.30: Perspectivas
internacionais do sector dos insectos como fonte nutricional; 15.00: Mesa
redonda; 16.00: Encerramento. O preço da inscrição são meros 120 euros,
leia-se a doação do dr. Costa com folga para uns rebuçados de gafanhoto que, lá
em casa, farão a alegria da petizada. O cartaz da coisa é ilustrado com
a imagem do que julguei serem larvas. Investiguei e descobri que afinal são
tenébrios. O que são tenébrios? Investiguei outra vez: são larvas.
Provavelmente,
os afortunados participantes do evento almoçarão aquilo que surge no queijo ou
no bife quando os esquecemos à temperatura ambiente. E o melhor de tudo é que começam
por aí a vender-nos a ideia de que, em breve, boa parte da humanidade almoçará
o mesmo. Nem o proverbial atraso português impediu a cantina do Politécnico
de Lisboa de servir “chocolates” e “hambúrgueres” confeccionados a partir de
familiares da lombriga. E, pelo mundo civilizado afora, comer larvas e
grilos ameaça tornar-se banal. Ou pelo menos garantem-nos que sim, a fim de
nos convencer. As Nações Unidas, que nunca falham, andam desde 2013 a promover
essa alternativa “sustentável” e “nutritiva”.
Por
mim, nem por um instante duvido que os insectos sejam a comida do futuro, até
porque no passado é preciso recuar uns séculos, quiçá uns milénios, para
encontrar europeus que fizessem disso, digamos, o prato principal. Falta de
hábito, um óptimo hábito. Por pura ignorância, sempre que reclamamos de uma
mosca na sopa pretendemos sugerir que a criatura está ali a mais. Não tarda,
reclamaremos que há apenas uma mosca na sopa. Basta que a mensagem da ONU
se entranhe, ou que a escassez e o preço dos alimentos tradicionais os tornem
inalcançáveis, de acordo com o que acontecer primeiro.
A
bem do planeta, espero que, o que quer que aconteça, aconteça depressa. E não
me refiro só aos alimentos. É óbvio que, nos diversos aspectos da vida
corrente, existe uma abençoada inclinação para remover as massas brutas do
caminho da perdição em que nos enfiáramos. Felizmente, nos lugares de decisão
temos elites por definição esclarecidas que sabem o que nos convém e que, com
maior ou menor gentileza, nos orientam para esse radioso destino. Após
milhares de instrutivas viagens em jactos privados e inúmeros banquetes
reflexivos, que o corpinho mimoso do eng. Guterres não se fez à custa de
tenébrios nem se mantém a pedalar velocípedes, as elites concluíram: não se
admite que, em 2022, ainda haja gente a deglutir panados de porco, a
deslocar-se em automóvel particular, a ter automóvel particular, a aquecer ou a
resfriar a casa conforme lhe apetece, a acender lâmpadas ao calhas, a fazer
compras aos domingos e a comprar o que, dentro do possível, escolhe. A sorte é
que a probabilidade de tal bandalheira continuar em 2023 é baixa.
Não é à toa que os supermercados
desataram a fechar a cadeado as latas de conserva, um luxo que arruína os
oceanos. A tendência Outono-Inverno já se prevê amiga do ambiente. Daí em
diante, prepara-se um imenso amanhã repleto de grilos crocantes, autocarros em
greve, bicicletas, frio, cobertores, clausuras a pretextos sortidos. E
escuridão. Graças à lucidez dos senhores que mandam, entrámos num século sem
luzes, figuradas e literais. Até que enfim: a Terra não podia esperar.
Esperamos nós, sentados no breu da sala gelada a petiscar larvas. Um dia, as
larvas petiscam-nos de volta. Todos acabamos entre bichos.
FUTURO
TECNOLOGIA PLANETA TERRA NATUREZA AMBIENTE CIÊNCIA
COMENTÁRIOS:
Fernando Cascais: Atenção, a
evolução passou precisamente por alterações significativas na alimentação. Supostamente
saímos de cima das árvores para o chão porque passámos a ser carnívoros.
Passámos a andar de pé para podermos espreitar a caça. A nutrição é fundamental
na nossa evolução ou involução. A fome cria sub-nutrição e um retrocesso
significativo na aprendizagem e desenvolvimento. A fartura por sua vez traz a
preguiça e doenças relacionadas com a obesidade. Se o destino do Homem são as estrelas - se ficarmos por
aqui a sopa primordial vai chegar ao dia em que começa a ferver - a alimentação
que nos levará nos foguetões não será, obviamente, à base de carne e peixe.
Se conseguíssemos dobrar o tempo e espreitar o Homem
(não tarda teremos que escrever Mulher) no século XXX, qual o aspecto que teria
(caso sobrevivesse e continuasse a evoluir)?
Se
somos mais altos do que os nossos pais, sempre mais protegidos dos perigos e
cada vez mais sintéticos, dentro de 900 anos seremos muito diferentes, uma
espécie nova com uma alimentação totalmente diferente da que conhecemos hoje. A
evolução, sem dúvida, que passa também pela alimentação, com larvas ou sem
larvas, esta que temos tem os dias contados. António Lamas: Adorei a crónica. Chamou-me a atenção para o
assunto, pelo que vou estar presente no evento, devidamente equipado com
mata-moscas, insecticida e repelente. Ana Martins: Na mouche. Como sempre! Maria Clotilde
Osório: Muito bom. A bicharada que nos
(des)governa talvez pudesse era ser "cozinhada" Eduardo L: Muito bom. Continuo a dizer: isto é como rã posta num
tacho de água a aquecer. Quando der por ela, não saltou fora e já está cozida.
Quem ainda não percebeu o que se está a passar a nível global com impacto nas
nossas vidas quotidianas é tempo de acordar. Desde a patranha covid, passando
pela agenda ‘verde’ até às ‘sanções’ à Rússia que estão a disparar para trás
com estrondo isto não leva bom caminho. Resultado, inflação galopante,
empobrecimento e uma crise energética sem precedentes. Era tudo evitável? claro
que sim. Sem ser conspirativo parece definitivamente haver uma agenda nefasta
por detrás de tudo isto. Em direcção aos amanhãs que cantam, versão século XXI.
Mas tal como a rã as pessoas não parecem dar por isso e aplaudem. Até ser
demasiado tarde. Glorioso SLB Então mas o planeta ñ estava a aquecer? E o
Inverno afinal vai ser frio. Já ñ se pode confiar nos “mentereologistas”! João Floriano: Excelente! Constato no entanto que na ordem de
trabalhos do Insect Summit ou lá o que é devia figurar uma palestra sobre
os insectos na política. E olha que há mesmo muitos: moscas varejeiras, grilos
falantes, cigarras e formigas, baratas tontas... em estado adulto e estado
larvar ( estou a referir-me às juventudes partidárias em formação). Num futuro
muito próximo não poderemos mais reclamar se encontrarmos uma mosca a nadar na
sopa (há grilos que nadam em Cascais). Como dizia a minha falecida mãezinha: é
o conduto. Américo
Silva: Crónica soberba, nem toda com a mesma
qualidade, a perfeição absoluta não é humana, destaco: Após milhares de instrutivas viagens em jactos privados e inúmeros
banquetes reflexivos, que o corpinho mimoso do eng. Guterres não se fez à custa
de tenébrios... Cipião
Numantino Bem esgalhado este tema do nosso
estimado AG! E esse simpósio, workshop ou lá como se chama, deve transparecer
mais como um paradeiro de lesmas ou mesmo de caracóis, diletos comparsas de
jornada tendo a rapidez como lema. Pessoal, difícil saber o que nos vai
acontecer daqui a uns séculos e, então, se for daqui a milénios, convenhamos,
já tenho dúvidas se seremos nós a comer os insectos ou se serão estes que nos
comerão a nós. De resto as teorias darwinianas pouco se aplicarão ao caso em
apreço já que a evolução, hodiernamente, se faz a golpes de maneios híbridos e
as galápagos da vida não mais terão sossego para seguir a ordem natural das
coisas. Uma certeza eu tenho por adquirida e esta é que a "ordem
social" dos insetos é bem capaz de ser bem mais consistente que a nossa.
Andam por aqui há muitos milhões de anos a mais do que nós e, em resumo, acho
que terão significativamente mais chances de sobrevivência nos cataclismos
cósmicos que "in ilo tempore" advirão. Seja como for não há como
fazer esquecer o que sucederá a jusante desta equação. Entre outras questões, o
nosso trato digestivo, está exclusivamente adaptado a grandes comezainas desde
os tempos do caçador/recolector e uma dieta exclusiva à base de insectos
suporia uma adaptação em contraponto à natural evolução física que nos
precedeu. Ou seja (desculpem o meu francês) isso de só comermos insectos
colocar-nos-ia a kaggar demasiadamente fininho, o definhamento e o mirrar
intestinal estaria assegurado e a alteração do trato digestivo colocar-nos-ia
em confronto com a evolução natural do organismo que tem feito escol desde há
muitos milhões de anos. Os reis de antanho desde sempre quiseram fazer
transparecer isso mesmo. E as suas reais kaggadelas eram transportadas
secretamente por criados, para que não se soubesse que os seus igualmente reais
kagueiros defecavam precisa e exatamente igual aos seus prolíficos plebeus e
serventuários. Não! Não me convenço que lesmas, caracóis, melgas, grilos ou
mosquitos vários sirvam de menu principal. Permanecerão certamente no cardápio
como meras entradas e que servirão de refeição principal em meras ocasiões de
remanso sempre que a feijoada à transmontana nos aconselhar ao repouso do
comilão guerreiro que existe em todos nós. No mais, mesmo a febre vegetariana
não me convence por aí além. E enquanto, entre outras adendas, alguém não me
explicar qual a razão por que jovens moças vegetarianas têm todas umas
barriguinhas salientes de tísicas, minha gente, será mais difícil
converterem-me ao vegetarianismo do que aliciarem todos os seguidores de Mafoma
a abocanhar diariamente uns saborosos e nutritivos nacos de toucinho. Modas,
meus caros! Meras modas passageiras que fazem acreditar almas simples ou mesmo
simplórias que sangrar corpos como antigamente se fazia é o caminho certo para
a cura de todas as doenças. Deixai-os poisar! Eles que se deliciem com
lombrigas enquanto eu fico no recato da cervejaria Portugália degustando o belo
bife com ovo a cavalo. Quando muito, só fujo de restaurantes chineses se vir
cães ou gatos abandonados na zona e olho com zeloso desdém para as prateleiras
de sushi que, isso do cru, o "rapaz" que sou eu, não acha
definitivamente graça mesmo nenhuma. Em contraponto aos adoradores de insectos
vou continuar a permanecer atento a ver se me caiu uma mosca na sopa. E, se
assim for, empurro-a para o lado da mesa que essa de insectívoro não é para o
filho de pais que já marcharam e serviram de repasto a esses que pretendem
agora que eu os venha a comer. Toda a casa senhorial romana tinha uma espécie
de vomitadeira onde, patrícios empanzinados vomitavam o que tinham comido e
bebido em excesso para imediatamente voltarem para o triclinium onde iniciavam
de novo nova e lauta refeição. Esses, sabiam-na toda. Insectos? Tenham dó! Desapareçam
daqui oh melgas!... Maria
Clotilde Osório > Fernando
Cascais: Nada
contra a perspectiva evolutiva. Tudo contra a teoria evolutiva apresentada.
Cientificamente já não é considerada como sendo correcta. Nesse tipo de teoria,
os homens na Amazónia e nas florestas tropicais viveriam ainda nas árvores ou
de forma muito semelhante aos hominídeos originais e não, como foi o caso
quando os Europeus chegaram a essas paragens, de forma muito semelhante à nossa
(grupos organizados e em "casas"). O mesmo acontecia aos povos das
ilhas do Pacífico. Não desmerecendo, a evolução genética ainda é um factor
muito pouco estudado no que concerne ao nosso passado enquanto animais
descendentes de seres unicelulares. A teoria da evolução de Darwin que ajudou a
ciência e o conhecimento a evoluir está em grande parte ultrapassada. Não se
entenderia porque é que os símios actuais se deixaram ficar lá por cima. Que o
meio ambiente influencia o nosso desenvolvimento assim como a alimentação não
há qualquer dúvida. Que os seres humanos que durante milénios tiveram os
insectos como parte da sua alimentação não sofrem de qualquer desvio nem
morfológico (maior ou menor estatura, dedos mais compridos, dentes mais
pequenos ou menos dentes, etc) nem intelectual é um facto. E não seremos
diferentes em aspecto no séc XXX como não éramos no séc X (a média mais pequena
em estatura mas já havia muitos com alturas superiores a 1,90m) como o
demonstram quer relatos escritos quer armaduras. No restante éramos iguais. E
se recuarmos ao séc X a.C. encontramos os mesmos homens com uma alimentação bem
diferente e os mesmos problemas (gordos e magros, inteligentes e néscios, altos
e baixos, etc) Francisca
Gusmao: Muito bem dito.
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