É como nos sentimos, antes, julgo que não
precisamos de paralelos especiais com outros povos e as suas próprias
mazelas. As coisas más por cá parecem ser muitas, e de “nobre” qualidade, mas
alguns programas, mostrados em televisão, revelam talentos e júris que muitas
vezes nos encantam, de novas gerações desinibidas e competentes, e isso nos
alegra, ao compararmos com os nossos tempos de antanho, de comportamentos mais
tímidos ou convencionais. A própria leitura de jornais, nos revela o sentido
crítico de inúmeros cronistas, e dos seus comentadores, a franqueza e liberdade
de conceito que um certo ideal democrático possibilitou, embora tal liberdade
seja apanágio de todo o ser racional e independente, fortalecido quer pela
leitura dos clássicos de todos os tempos, quer pelas filosofias e escritos
literários mais contemporâneos, conquanto muitas vezes entrem em choque com a
ousadia provocadora dos conceitos e hábitos sociais que a modernidade traz,
juntamente com as convulsões sociais e políticas. Não, não precisamos de
paralelos, a menos que fosse para nos elevarmos, mas o sentimento que bem nos
tolhe, é o que resulta da incompreensão de sempre, em resultado das políticas
educativas que, de tempos recuados, marginalizaram o nosso povo, e mesmo a
sociedade, habituada aos passatempos centrados no “rumor das saias de Elvira”. De resto, sim, julgo as afirmações
sobre a “esquerda inútil” da escritora Azucena
Esquível Plata”, possuírem rigor crítico, visando mesmo diversos
povos, de pensamento grosseiramente unilateral e hipócrita. Mas o que mais nos
choca é a facilidade com que nós, portugueses, aceitamos de cabeça erguida, a
situação de mão estendida, sem procurarmos sair dela, forçando o governo a uma
governação de maior consistência e “droiture”.
Não queremos ser o México
Para quê assumir a responsabilidade
política se umas palmadinhas nas costas dão conta do recado? Para quê a
demissão quando o erro do ministro é encarado pelo próprio como uma virtude
política?
ANDRÉ ABRANTES
AMARAL
OBSERVADOR, 09 out 2022, 00:1617
Por
volta da página 700 da monumental obra que é ‘2666’ de
Roberto Bolaño, uma das
muitas personagens que nos são apresentadas e que vivem as suas vidas através
de uma escrita escorreita e elegantemente cruel, Azucena Esquivel Plata, deputada e jornalista na Cidade do México, a grande beleza da política mexicana, a
herdeira de uma família antiga e em seu tempo prestigiada, conta a um
jornalista da área da cultura, que convida para sua casa às tantas da
madrugada, que em determinada altura da sua vida decidiu afastar-se da esquerda
inútil, da esquerda que protesta e se juntou ao PRI, ao partido que na época há
décadas governava e dominava o México, decisão que tomou cansada que estava de
ser impedida de contribuir para o bem do país, e também porque julgou que podia
melhorar as coisas se se inserisse dentro do poder, que a melhor forma de
conseguir melhores escolas, melhores hospitais, melhores estradas, em suma, a
única forma de lutar por um país melhor, seria através do sistema, por muito
viciado que o sistema fosse, mudá-lo por dentro, infiltrar-se no poder
instituído, seguir as regras do jogo e depois alterá-las. Claro que se enganou, como a própria o reconhece, e
confessa, nessa conversa. Há um
momento em que Azucena
descreve o México, uma descrição incrível como a própria afirma quando diz que
no México os erros “perdem o seu significado quando são cometidos dentro”. Dentro do sistema, “Os erros deixam de ser erros. Os
erros, as cabeçadas na parede, convertem-se em virtudes políticas, em
contingências políticas, em presença política, em pontos mediáticos a nosso
favor. Estar e errar é, à hora da verdade, que são todas as horas (…), uma
atitude tão congruente como agachar-se e esperar.”
‘2666’
terá sido escrito na viragem do século, a conversa aqui descrita passa-se em
1997, mas lido agora lembra Portugal em 2022 e torna-se num alerta.
Quando Pedro Nuno Santos, em entrevista
à RTP, diz que não pensou em demitir-se depois de desautorizado
pelo primeiro-ministro relativamente ao aeroporto porque “nós temos a
capacidade e a maturidade e a relação para resolver esses momentos”. O ‘nós’;
o eles, esse grupo fechado que desvaloriza crises políticas, crises económicas,
crises sociais e que as reduz a nada mais que meros “momentos”. Para quê assumir a responsabilidade política se umas
palmadinhas nas costas dão conta do recado? Para quê a demissão
quando o erro do ministro é encarado pelo próprio como uma virtude política? Para quê complicar o que é simples? Para quê empolar os
efeitos de crises que não passam de momentos, de “contingências políticas”?
Para quê estragar o arranjo institucional que funciona? Porquê tudo isso se ser
desautorizado em público se torna num ponto mediático a seu favor? Porquê, se à
hora da verdade, a atitude mais congrutente é agachar-se e esperar?
E é
esta a questão que se coloca: queremos ser o México? Aquele México?
Julgo que não, nem mesmo os militantes e votantes do PS, no seu íntimo o
desejam. É neste
sentido que o discurso de Carlos Moedas nas comemorações do 5 de Outubro pode
ser entendido. As reformas fazem-se pelos governos, mas não surgem de
dentro; vêm de fora. São os de fora que estão insatisfeitos, os de fora que
precisam de mudança, os de fora que se sentem forçados a sair do país; porque
as alternâncias políticas não se fazem por dentro, mas a partir de fora, a
partir de outros partidos, os governos mudam não porque se alternam os
ministros, mas porque se altera o partido que os sustenta, se modifica a
perspectiva que se segue, a orientação seguida, porque se pensa diferente, se
age diferentemente. Porque se
assumem responsabilidades. Porque queremos ser uma democracia
adulta.
Embora
resida em Lisboa não votei Carlos Moedas nas últimas autárquicas, mas isso não
me impede que veja o óbvio, o cansaço e o desânimo, a desesperança de um país
sem rumo. Essa falta de
direcção é visível nas incongruências do governo que se deve à falta de
alternância. Porque não se
assumem responsabilidades. Porque, por muitos erros que os governantes
socialistas cometam, os políticos do PS nunca perdem. Pedro Nuno Santos
não se demitiu devido ao episódio do aeroporto e o mais certo é que não o faça
por uma empresa sua ter beneficiado de um contrato público por ajuste directo; Fernando Medina foi derrotado em Lisboa e acabou como
ministro das Finanças, não fez qualquer travessia do deserto como seria normal,
como há uns anos era normal que fizesse um político que se prezasse. O país
pára sem responsabilidade política, com a ideia de que as reformas se fazem por
dentro, em conversas privadas tidas em gabinetes por gente que se considera com
“a capacidade e a maturidade e a relação” para resolver “momentos”. Se a mudança não vier de fora o país continuará à
deriva. Económica, política, social, cultural e moralmente à deriva. Um país
estagnado é um país apático que não se confronta a si mesmo. Um país agachado
que espera. Queremos mesmo ser o México?
COMENTÁRIOS:
Rui Lima: A vergonha não
existe na natureza, os animais que hoje dominam sabem que é a lei do mais forte
que conta. Acreditávamos que o sentimento de honra e vergonha era
inerente a todo o homem que não era totalmente corrompido isso hoje é
passado , isso era possível com educação um misto de fé e uma justiça que
era implacável com o crime , hoje as escolas servem causas , Deus morreu e a
justiça é inexistente .
João Floriano > Fernando Cascais: Infelizmente a sua análise está certíssima. É o que se
chama a teoria social do cão a apanhar o seu próprio rabo, não leva a
nada nem a lugar algum e assim estamos: andamos aqui às voltas sem sair do
sítio e a fingir que alguma coisa mexe. Mas mesmo sendo o nosso país um lar
da terceira idade, muito e melhor poderia ser feito. A população idosa passou a
ser usada como uma desculpa do imobilismo e da falta de reformas. E ainda pior
como uma peste grisalha que prejudica os mais jovens. O dinheiro e fundos
são esbanjados, mal investidos, perdidos como se pode ver no caso mais recente.
a reprivatização da TAP. Entretanto uma pergunta: para que precisa um lar
da terceira idade de TGV?
Censurado sem razão: Já
lá vão sete anos e o povo parece querer mais. Pelo menos aquela parte do
povo que parasita a outra parte. Os dos direitos adquiridos
estão a ver? Os outros, os dos deveres impostos que se F. Literalmente. Noutros países, onde os que pagam a festa é que mandam,
esta gentalha já tinha sido corrida há muito. Mas como grande parte da malta em
Portugal tem como objectivo vir um dia a fazer parte da equipa dos parasitas,
isto não muda. Não somos o México, a estrumeira é bem pior.
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