segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Incomparáveis


É como nos sentimos, antes, julgo que não precisamos de paralelos especiais com outros povos e as suas próprias mazelas. As coisas más por cá parecem ser muitas, e de “nobre” qualidade, mas alguns programas, mostrados em televisão, revelam talentos e júris que muitas vezes nos encantam, de novas gerações desinibidas e competentes, e isso nos alegra, ao compararmos com os nossos tempos de antanho, de comportamentos mais tímidos ou convencionais. A própria leitura de jornais, nos revela o sentido crítico de inúmeros cronistas, e dos seus comentadores, a franqueza e liberdade de conceito que um certo ideal democrático possibilitou, embora tal liberdade seja apanágio de todo o ser racional e independente, fortalecido quer pela leitura dos clássicos de todos os tempos, quer pelas filosofias e escritos literários mais contemporâneos, conquanto muitas vezes entrem em choque com a ousadia provocadora dos conceitos e hábitos sociais que a modernidade traz, juntamente com as convulsões sociais e políticas. Não, não precisamos de paralelos, a menos que fosse para nos elevarmos, mas o sentimento que bem nos tolhe, é o que resulta da incompreensão de sempre, em resultado das políticas educativas que, de tempos recuados, marginalizaram o nosso povo, e mesmo a sociedade, habituada aos passatempos centrados no “rumor das saias de Elvira”. De resto, sim, julgo as afirmações sobre a “esquerda inútil” da escritora Azucena Esquível Plata”, possuírem rigor crítico, visando mesmo diversos povos, de pensamento grosseiramente unilateral e hipócrita. Mas o que mais nos choca é a facilidade com que nós, portugueses, aceitamos de cabeça erguida, a situação de mão estendida, sem procurarmos sair dela, forçando o governo a uma governação de maior consistência e “droiture”.

 Não queremos ser o México

Para quê assumir a responsabilidade política se umas palmadinhas nas costas dão conta do recado? Para quê a demissão quando o erro do ministro é encarado pelo próprio como uma virtude política?

ANDRÉ ABRANTES AMARAL

OBSERVADOR, 09 out 2022, 00:1617

Por volta da página 700 da monumental obra que é ‘2666’ de Roberto Bolaño, uma das muitas personagens que nos são apresentadas e que vivem as suas vidas através de uma escrita escorreita e elegantemente cruel, Azucena Esquivel Plata, deputada e jornalista na Cidade do México, a grande beleza da política mexicana, a herdeira de uma família antiga e em seu tempo prestigiada, conta a um jornalista da área da cultura, que convida para sua casa às tantas da madrugada, que em determinada altura da sua vida decidiu afastar-se da esquerda inútil, da esquerda que protesta e se juntou ao PRI, ao partido que na época há décadas governava e dominava o México, decisão que tomou cansada que estava de ser impedida de contribuir para o bem do país, e também porque julgou que podia melhorar as coisas se se inserisse dentro do poder, que a melhor forma de conseguir melhores escolas, melhores hospitais, melhores estradas, em suma, a única forma de lutar por um país melhor, seria através do sistema, por muito viciado que o sistema fosse, mudá-lo por dentro, infiltrar-se no poder instituído, seguir as regras do jogo e depois alterá-las. Claro que se enganou, como a própria o reconhece, e confessa, nessa conversa. Há um momento em que Azucena descreve o México, uma descrição incrível como a própria afirma quando diz que no México os erros “perdem o seu significado quando são cometidos dentro”. Dentro do sistema, “Os erros deixam de ser erros. Os erros, as cabeçadas na parede, convertem-se em virtudes políticas, em contingências políticas, em presença política, em pontos mediáticos a nosso favor. Estar e errar é, à hora da verdade, que são todas as horas (…), uma atitude tão congruente como agachar-se e esperar.”

‘2666’ terá sido escrito na viragem do século, a conversa aqui descrita passa-se em 1997, mas lido agora lembra Portugal em 2022 e torna-se num alerta. Quando Pedro Nuno Santosem entrevista à RTP, diz que não pensou em demitir-se depois de desautorizado pelo primeiro-ministro relativamente ao aeroporto porque “nós temos a capacidade e a maturidade e a relação para resolver esses momentos”. O ‘nós’; o eles, esse grupo fechado que desvaloriza crises políticas, crises económicas, crises sociais e que as reduz a nada mais que meros “momentos”. Para quê assumir a responsabilidade política se umas palmadinhas nas costas dão conta do recado? Para quê a demissão quando o erro do ministro é encarado pelo próprio como uma virtude política? Para quê complicar o que é simples? Para quê empolar os efeitos de crises que não passam de momentos, de “contingências políticas”? Para quê estragar o arranjo institucional que funciona? Porquê tudo isso se ser desautorizado em público se torna num ponto mediático a seu favor? Porquê, se à hora da verdade, a atitude mais congrutente é agachar-se e esperar?

E é esta a questão que se coloca: queremos ser o México? Aquele México? Julgo que não, nem mesmo os militantes e votantes do PS, no seu íntimo o desejam. É neste sentido que o discurso de Carlos Moedas nas comemorações do 5 de Outubro pode ser entendido. As reformas fazem-se pelos governos, mas não surgem de dentro; vêm de fora. São os de fora que estão insatisfeitos, os de fora que precisam de mudança, os de fora que se sentem forçados a sair do país; porque as alternâncias políticas não se fazem por dentro, mas a partir de fora, a partir de outros partidos, os governos mudam não porque se alternam os ministros, mas porque se altera o partido que os sustenta, se modifica a perspectiva que se segue, a orientação seguida, porque se pensa diferente, se age diferentemente. Porque se assumem responsabilidades. Porque queremos ser uma democracia adulta.

Embora resida em Lisboa não votei Carlos Moedas nas últimas autárquicas, mas isso não me impede que veja o óbvio, o cansaço e o desânimo, a desesperança de um país sem rumo. Essa falta de direcção é visível nas incongruências do governo que se deve à falta de alternância. Porque não se assumem responsabilidades. Porque, por muitos erros que os governantes socialistas cometam, os políticos do PS nunca perdem. Pedro Nuno Santos não se demitiu devido ao episódio do aeroporto e o mais certo é que não o faça por uma empresa sua ter beneficiado de um contrato público por ajuste directo; Fernando Medina foi derrotado em Lisboa e acabou como ministro das Finanças, não fez qualquer travessia do deserto como seria normal, como há uns anos era normal que fizesse um político que se prezasse. O país pára sem responsabilidade política, com a ideia de que as reformas se fazem por dentro, em conversas privadas tidas em gabinetes por gente que se considera com “a capacidade e a maturidade e a relação” para resolver “momentos”. Se a mudança não vier de fora o país continuará à deriva. Económica, política, social, cultural e moralmente à deriva. Um país estagnado é um país apático que não se confronta a si mesmo. Um país agachado que espera. Queremos mesmo ser o México?

GOVERNO   POLÍTICA

COMENTÁRIOS:

Rui Lima: A vergonha não existe na natureza, os animais que hoje dominam sabem que é a lei do mais forte que conta. Acreditávamos que o sentimento  de honra e vergonha era inerente a todo o homem que não era totalmente corrompido isso hoje  é passado , isso era possível com educação  um misto de fé e uma justiça que era implacável com o crime , hoje as escolas servem causas , Deus morreu e a justiça é inexistente .        João Floriano > Fernando Cascais: Infelizmente a sua análise está certíssima. É o que se chama a teoria social do cão a apanhar o seu próprio rabo, não leva  a nada nem a lugar algum e assim estamos: andamos aqui às voltas sem sair do sítio e a fingir que alguma coisa mexe. Mas mesmo sendo o nosso país um lar da terceira idade, muito e melhor poderia ser feito. A população idosa passou a ser usada como uma desculpa do imobilismo e da falta de reformas. E ainda pior como uma peste grisalha que prejudica os mais jovens. O dinheiro e fundos são esbanjados, mal investidos, perdidos como se pode ver no caso mais recente. a reprivatização da TAP. Entretanto uma pergunta: para que precisa um lar da terceira idade de TGV?             Censurado sem razão: Já lá vão sete anos e o povo parece querer mais. Pelo menos aquela parte do povo que parasita a outra parte. Os dos direitos adquiridos estão a ver? Os outros, os dos deveres impostos que se F. Literalmente. Noutros países, onde os que pagam a festa é que mandam, esta gentalha já tinha sido corrida há muito. Mas como grande parte da malta em Portugal tem como objectivo vir um dia a fazer parte da equipa dos parasitas, isto não muda. Não somos o México, a estrumeira é bem pior.

 

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