Enviado pela Paula, para o gmail, e só encontrado
hoje, em dia de menos saúde, suponho que nada de muito grave, mas que me faz
apiedar-me de mim, como o tal barco que partiu sem deixar saudades, coisa comum
na poesia de Caeiro e de Pessoa em geral, a cada passo salientando um ego do
tamanho do mundo, merecedor do espanto entusiástico que só muito posteriormente
lhe será concedido, na pouca sorte que acompanha génios como Camões ou Pessoa,
este último fabricador de conceitos malabarísticos no retorcer do sentimento e
da razão executora daquele, através de uma imaginação que o recria, a esse
sentimento, tal um “comboio de corda”, de pura ficção analítica. Apenas, pois,
pieguice minha, no narcisismo de pessoa pouco habituada a adoecer, mau grado uma
idade já provecta, vendo-me no lugar do tal navio desaparecido no espaço e na
recordação.
Mas o poema de Pessoa, este “Navio que partes”, sem retorcidos de
maior, em termos prosódicos, parece-me falhar, na racionalidade que se pede a
um pensamento habitualmente coerente no seu rebuscamento, como
encontramos em “Autopsicografia”, e tantos
outros.
Vejamos:
“Quando
te não vejo, deixaste de existir”. Uma falsa asserção, naturalmente, mesmo
que tenhamos em mente o pensamento poético.
Os dois versos
seguintes “E se se tem saudades do que não existe, / Sinto-a em relação a cousa nenhuma;”
parecendo obedecer a uma lógica plausível, pouco têm a
ver, todavia, com o exposto no verso conclusivo “Não é do navio, é de nós, que
sentimos saudade “ – não contido na premissa anterior, e para mim, uma chamada de atenção talvez, apenas, para o génio
que ele próprio se considera, incompreendido na sua altura - a menos que, por
outro lado, ele próprio se defina como “Cousa
nenhuma” (embora o “não sou
nada” de Tabacaria, tenha em si “todos
os sonhos do mundo”, e se considere “génio” incompreendido. Daí que “a
cousa nenhuma” de que sente saudade, mesmo que seja tomada em termos de modéstia
pessoal, contrasta ilogicamente com o “nós” da saudade própria.
Navio que Partes
Navio que partes para longe,
Por que é que, ao contrário dos outros,
Não fico, depois de desapareceres, com saudades de ti?
Porque quando te não vejo, deixaste de existir.
E se se tem saudades do que não existe,
Sinto-a em relação a cousa nenhuma;
Não é do navio, é de nós, que sentimos saudade.
Alberto Caeiro,
Poemas Inconjuntos
Nenhum comentário:
Postar um comentário