De Helena Garrido, como chamada de atenção para o mundo da impunidade indiferente ao crime – cometido, desta vez, no Qatar – nas construções ligadas aos campos de futebol ou outras áreas, para o Mundial, onde se permitiu a violação das condições de trabalho dos migrantes, a ponto de chegarem a morrer inúmeros trabalhadores migrantes, sem implicações sobre os responsáveis pelo crime, tantas vezes, todavia, já anteriormente ocasionando intervenções inúteis. Um artigo corajoso na demonstração de indignação contra o cinismo de um mundo onde o capital é rei, e em que Portugal permanece em cúmplice silêncio bacoco, contra outras reacções talvez sentidas, talvez hipócritas, contra a bestialidade dos povos de riqueza baseada em exploração. A seguir
Futebol, esse mundo sem moral
nem lei
Empresas, instituições e políticos são cúmplices do
que se tem passado com o Mundial no Qatar. Em Portugal o silêncio é grande.
HELENA GARRIDO
OBSERVADOR, 06
out 2022, 00:2221
Todos defendem os direitos humanos e
o ambiente desde que não mexam no futebol e nos seus chorudos lucros. O Mundial
no Qatar está a revelar um atroz e chocante nível de cinismo. A elite política
e empresarial permitiu a violação dos mais básicos dos direitos humanos e só
agora, a poucos dias do campeonato, começam a reagir de forma mais visível. O
mínimo, de facto, que a FIFA e os patrocinadores podem fazer é criar o fundo de
compensação para os migrantes que morreram e sofreram para que o mundo veja um
mundial de futebol a partir do Qatar, tal como pede a Amnistia Internacional em
conjunto com organizações de defesa dos direitos humanos e fans.
Em
cima do Mundial, começam a surgir diversas posições, lamentavelmente tarde de
mais e já em reacção às críticas e iniciativas de organizações de defesa dos
direitos humanos. Tudo na sequência de reportagens que têm sido realizadas
sobre as condições desumanas de trabalho a que estiveram sujeitos os
migrantes que construíram os estádios e as infraestruturas que vão permitir a
realização dos jogos, e que incluíram acidentes mortais. Veja-se, por exemplo, este trabalho do The Guardian, de
2021, revelando que mais de 6.500 migrantes morreram desde que o Qatar foi
escolhido, em 2010, para organizar o Mundial de Futebol. Ou esta, mais recente, que denuncia
a manutenção de condições desumanas.
O pecado original está em 2010, na
total ausência de condições colocadas pela FIFA aos organizadores no Qatar, em
matéria de direitos dos trabalhadores, só se começando a preocupar quando as
situações foram denunciadas, designadamente pela Amnistia Internacional.
E, pelo menos até agora, a reacção do presidente da FIFA Gianni Infantino foi de desvalorização destas
óbvias violações dos direitos humanos.
Também
na frente ambiental, apesar do compromisso de ser o primeiro mundial neutro em
emissões de carbono, o que as organizações de defesa do ambiente acabam por
verificar é que os cálculos
foram feitos de forma a dar o desejado zero, e não da maneira que deviam ser
realizados. Por exemplo,
a Carbon Market Watch, citada pela CNN,
diz que se excluíram as emissões do ar condicionado nos estádios e
contabilizaram-se apenas as emissões dos 70 dias da sua utilização.
Mas não se pode apontar o dedo apenas à FIFA. As empresas patrocinadoras têm igualmente uma enorme
responsabilidade, se não a mais significativa. Podem ver-se aqui quem são os
parceiros da FIFA, os patrocinadores dos mundiais, os regionais e ainda os que
apoiam os clubes. Temos empresas com responsabilidades globais como a Adidas, a Coca-Cola, a Visa, a McDonald’ e a
Nike, só para citar alguns. Algumas já
apoiaram a criação do fundo de apoio aos migrantes. E por agora
temos uma excepção em termos de imagem, a Hummel, patrocinadora da selecção da
Dinamarca.
No caso de Portugal a Nike é a patrocinadora que tem o logo nas
camisolas dos jogadores. Mas temos também empresas como a Sagres, a Altice, a
Galp, o BPI e a CUF, para citar apenas algumas das que são aqui
identificadas.
Será
fácil encontrar nas mensagens de todas estas empresas declarações de
compromisso com os direitos humanos e o ambiente e, em geral, com os Objectivos
de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Agarremos apenas numa das que
tem mais notoriedade global, a Nike, e vejam-se os seus objectivos de desenvolvimento sustentável.
Princípios e objectivos que ficaram esquecidos no caso do Mundial de Futebol no
Qatar. O mesmo é válido para praticamente todas as empresas europeias,
incluindo, obviamente, as portuguesas.
Claro que neste momento se
começam a somar posições. A selecção da Dinamarca vai usar camisolas sem logotipos e terão três cores:
vermelho, branco e preto, esta última a simbolizar o luto pelas vítimas da
concretização do Mundial no Qatar. A
sua principal patrocinadora, a Hummel, afirmou: “Não queremos ser
visíveis durante um torneio que já custou a vida a milhares de pessoas.
Apoiamos a seleção dinamarquesa até ao fim, mas não apoiamos o Catar como sede
do Mundial”. Não é muito, mas já é qualquer coisa. Imaginem se nos jogos uma
das equipas estivesse de luto.
Também
os capitães de equipa de oito de 13 equipas de futebol pretendem
usar braçadeiras com o arco-íris, uma forma de se manifestarem pelos
direitos LGBT num país onde a homossexualidade é ilegal. Veremos se a FIFA o
vai permitir.
A mais recente iniciativa
chega de França. Começou com o presidente da Câmara de Lille Martine Aubry que
considerou que o Mundial no Qatar “não faz sentido em termos de direitos
humanos, ambientais e desportivos”. Na
sequência disso, não existirão
ecrãs gigantes, não apenas em Lille, como em Paris – a
última a aderir – em Marselha, Bordeaux, Estrasburgo e Reims.
E em Portugal, pergunta-se? São poucos os artigos de opinião sobre o
tema – vale a pena ler António Araújo, no
Diário de Notícias, “Qatar o Mundial da Vergonha” ou no Público, da autoria
de Pedro Castro, “O não-boicote ao
Mundial”.
Entidades oficiais, o que disseram? Que se tenha dado conta, a Federação Portuguesa de Futebol nada disse. Registe-se que pelo menos as federações alemã, inglesa e a francesa apoiam
a criação do fundo proposto pela Amnistia Internacional para apoiar
os migrantes vítimas da violação dos direitos humanos no Qatar. Do seleccionador nacional Fernando
Santos também, que tenhamos dado conta, nada se ouviu. E das empresas também
não. Tudo corre normalmente com as camisolas a seguirem o modelo habitual e as
empresas patrocinadoras igualmente mudas.
No
mundo português do futebol assistimos foi a tentativas de censura por parte
da Federação Portuguesa de Futebol e ao
envolvimento do presidente da Câmara do Porto,
que chamou “perfeito imbecil” a outro
jornalista . Não respeitam o direito de informar, também parecem
importar-se pouco com os direitos humanos.
Se
nos outros países ainda há quem tome posições, em Portugal o futebol parece ser
a terra onde todos se sentem à vontade para actuar sem moral nem lei. Dizer que
se defende os objetivos ambientais e sociais e depois não ver nem ouvir o que
se passa, quando significa que se podem perder milhões é fácil. Mas não devia
dar milhões.
MUNDIAL
2022 FUTEBOL QATAR MÉDIO
ORIENTE MUNDO DIREITOS
HUMANOS
COMENTÁRIOS:
Sérgio: Excelente
artigo e VALIDADO, se dúvidas existissem, pela falta de comentários nestes
espaço..... Pouquíssimos
se atrevem a meter ou criticar este mundo lunático e obscuro e apadrinhado por
toda a espécie de promiscuidade com todo tipo de politiqueiros e autarqueiros e
comentadeiros em tv e jornalecos 24h dia...
Quando
temos um pr e um pm e uma AR que incentiva esta actividade e até comenta este
assunto fulcral e essencial de futeboilas.... Duvidas?!? jorge espinha: Que tal avisar a equipa de comediantes que faz a
rubrica desportiva da manhã na rádio Observador? Três toques. O sr júlio
Magalhães sempre actualizado sobre todo o lixo politicamente correcto ainda não
disse uma palavra sobre essa coisa medonha que é o mundial do Qatar. Só há uma
coisa decente a fazer. É não ir. Portugal não está só na hipocrisia. Haverá
equipas que se vão ajoelhar pelo sr Floyd antes de o jogo começar, espero que
não sujem os joelhos com o sangue de quem construiu os estádios.
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