Esse de “A dívida primeiro”. O “refrão” - “aumento dos juros” - é que não faz bater a bota com a perdigota, mas é a esta bota que a
perdigota está habituada, não há como regredir, o hábito, afinal, faz o monge...
A
dívida primeiro
A enorme diminuição do peso da dívida
no PIB em 2022 e 2023 não evita que, nas previsões do OE para 2023, a despesa
com juros aumente 1,2 mil milhões de euros (isto é, mais 24% do que em 2022).
FERNANDO ALEXANDRE Colunista
do Observador, Professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do
Minho
OBSERVADOR, 17 out 2022, 00:2112
Em setembro,
o Governo apresentou um pacote de medidas para mitigar o impacto da inflação:
As Famílias Primeiro. Desse programa constavam uma
série de medidas de apoio ao rendimento das famílias. As medidas de
apoio às empresas fazem parte do Acordo de Médio Prazo para os
Rendimentos, Salários e Competitividade e constam da proposta de
Orçamento do Estado para 2023. Mas a marca do OE para 2023 é a continuação
do caminho de redução da dívida e podia ter como mote: a dívida primeiro.
Os efeitos negativos
das elevadas taxas de inflação dominam o espaço público. As famílias vêem o poder de compra a diminuir. As empresas têm faturas
energéticas muito elevadas. Para conter as pressões inflacionistas os bancos
centrais aumentam as taxas de juro e os efeitos já se fazem sentir nas
prestações mensais das famílias e das empresas. Todos concordam que a
inflação é um flagelo e que tem de ser combatida.
Mas nem tudo é
mau na inflação. De facto, a inflação é
umas das formas mais eficazes de reduzir o endividamento. Com inflação, o
Estado ou as empresas têm um maior valor nominal de receitas para pagar um
valor fixo de dívida. Mas como não há almoços grátis, a redução do
endividamento é feita à custa dos credores, que veem o valor real dos seus
créditos diminuir. A inflação tem, assim, o efeito de redistribuir
riqueza dos credores para os devedores. Num mundo com níveis de dívida recorde,
a inflação pode ser também uma bênção para os grandes devedores. Uma bênção que
o Governo português tem sabido aproveitar.
O crescimento do
PIB real reduz também o peso da dívida. As elevadas taxas de crescimento em
2021, 5,5%, e em 2022, 6,7%, estão também a dar um forte contributo para a
redução do peso da dívida no PIB.
Em 2022, de
acordo com as previsões da proposta do OE para 2023, a dívida pública vai
diminuir para 115% do PIB, um valor inferior ao registado em 2019, antes da
pandemia (117%). Para 2023, o OE prevê uma redução adicional da dívida pública
para 111% do PIB. Assim, entre 2020 e 2023, a dívida pública terá diminuído de
135% para 111% do PIB.
Para percebermos a importância deste resultado para a
economia portuguesa é importante recuarmos aos anos da crise financeira
internacional (2008/2009) e da crise das dívidas soberanas (2010/2014).
Em 2007, a
dívida pública portuguesa correspondia a 73% do PIB, a quarta mais elevada da
área do euro (atrás da Grécia, da Itália e da Bélgica). Em 2010, a dívida
pública ultrapassou os 100% do PIB. Nessa altura, depois da Grécia e a Irlanda
terem recorrido à assistência financeira da troika, adivinhava-se
que Portugal seria o próximo. Em abril de 2011, o primeiro-ministro José
Sócrates, com as finanças públicas em rutura, pediu assistência financeira à
Comissão Europeia e ao Fundo Monetário Internacional. Em 2011, Portugal tinha
já a terceira dívida pública, em percentagem do PIB, mais elevada da Área do
Euro, posição que manteve até 2022 –( ver Figura. Fonte: World Economic Outlook,
FMI, outubro de 2022)
Durante os anos da troika, entre 2011 e 2014, o peso da
despesa com juros era superior a 8 mil milhões de euros, um valor que
correspondia a cerca de 5% do PIB. Este era, aproximadamente, o valor que o
Estado gastava em educação. Um fardo brutal. A redução do défice orçamental
realizada durante os anos do Plano de Assistência Económica e Financeira, o
início da recuperação económica em 2013, a descida das taxas de juro em
resultado da mudança de política do banco central europeu e a recuperação da
confiança junto dos investidores internacionais permitiu reduzir a despesa em
juros de forma muito significativa a partir de 2015. Entre
2015 e 2021, a despesa com juros diminuiu de 8,2 mil milhões de euros (4,6% do
PIB) para 5,2 mil milhões de euros (2,4% do PIB). Na proposta de OE, o Governo
prevê para 2022 uma redução da despesa com juros, devendo atingir
aproximadamente 5 mil milhões de euros (2,1% do PIB).
Ou seja, em 2022 o Estado gastará
menos cerca de 3 mil milhões de euros com juros da dívida pública do que gastou
em 2015. A redução da despesa com juros deu um contributo
fundamental para as ‘contas certas’ de António Costa. Mas esse ciclo acabou. O
Governo percebeu e, com os juros a aumentar e a economia a desacelerar, não
quer estar no radar dos investidores.
Assim, para 2023, com a taxa de
crescimento do PIB a cair de 6,7% em 2022 para 1,3% em 2023, o
Governo pretende prosseguir com o processo de consolidação orçamental e reduzir
o défice orçamental de 1,9% para 0,9%. A dívida pública deverá cair
para 111% do PIB, o valor mais baixo desde 2010. Se as projeções do FMI se
confirmarem, em 2023, Portugal deverá cair para a 5ª posição no ranking dos
países mais endividados da área do euro, a seguir à Grécia (170% do PIB), à
Itália (147%), à França (113%) e à Espanha (112%) – ver Figura.
A enorme diminuição do peso da dívida
no PIB em 2022 e 2023 não evita que, nas previsões do OE para 2023, a despesa
com juros aumente 1,2 mil milhões de euros (isto é, mais 24% do que em 2022).
Este primeiro impacto é suficiente para mostrar que, neste novo ciclo, as
despesas com os juros da dívida voltam a ser uma forte restrição à capacidade
de execução orçamental do Governo.
Não é relevante saber se António Costa
prossegue com a redução do peso da dívida pública porque aprendeu com os erros
do governo de José Sócrates. Não é relevante saber se o faz porque os eleitores
se tornaram mais exigentes com o rigor das contas públicas. Também não é
relevante se António Costa prossegue a redução do peso da dívida por pura
gestão do ciclo eleitoral. Nos primeiros anos da maioria absoluta, poderá estar
a procurar ganhar espaço orçamental para poder ter políticas mais
expansionistas nos últimos anos do mandato. O que é fundamental é que prossiga
com a redução da dívida pública, porque, no actual contexto de aumento das
taxas de juro e de grande volatilidade, a dívida pública é o maior risco para
a economia e para a sociedade portuguesa.
COMENTÁRIOS (5 de 12):
Luis Freitas > Francisco Marnoto: Governo, partidos no poder e na
oposição todos são farinha do mesmo saco que estão a ser alimentados pelo pote
de impostos, e através do pote dos impostos alimentam os boys, criam carradas
de tachos para os boys e os subsídios vindos da Ue e concursos públicos
são para as empresas amigas do regime, portanto este regime de
democrático não tem nada nem sequer deixam o povo votar directamente nos
deputados para ser o povo a escolher os deputados e não as mafias dos partidos
políticos. Madalena
Sá: Costa e os governos do
PS foram a total desgraça deste País mas segundo esta gentalha ignorante e
medonha a culpa foi do Passos Coelho, o primeiro-ministro que os teve no sitio
para arrumar o País! Tudo o resto são tretas! Os Portugueses não conseguem
entender, burros continuam a votar em burros! observador censurado: Como o autor refere, não há mérito do governo na redução da dívida em
função do PIB: a "boleia" do BCE de taxas de juro baixas e agora a
"boleia" da inflação. "Também não é relevante se António
Costa prossegue a redução do peso da dívida por pura gestão do ciclo eleitoral.
Nos primeiros anos da maioria absoluta, poderá estar a procurar ganhar espaço
orçamental para poder ter políticas mais expansionistas nos últimos anos do
mandato." Creio que é relevante sabermos. Se António Costa acha que deve
"martelar" os ciclos económicos para os fazer coincidir com os ciclos
eleitorais então ficamos já a saber que continuaremos cada vez mais pobres e,
consequentemente, a dívida não será reduzida porque as "boleias" não
irão aparecer sempre. O caminho das "políticas mais expansionistas nos
últimos anos do mandato" já é velho e tem sido uma das causas da nossa
pobreza. O orçamento de estado (validade de um ano) devia ser o reflexo de
uma política económica mas esta não existe. De facto, quem quer investir o seu dinheiro
precisa saber o que vai acontecer, pelo menos, nos próximos 10 anos em termos
de fiscalidade, sistema de justiça, etc. Francisco
Marnoto: O ponto é que o PS de
Costa, para atingir o objectivo de forte redução da dívida, reduz fortemente o
poder de compra real da população (austeridade), fazendo tudo ao alcance da sua
propaganda para tentar convencer os mais ignorantes de que isso não acontece.
É este "vender de banha da
cobra", que numa suposta democracia adulta (dizem que fazemos 50 anos em
24/04/2024), é altamente censurável. PS: É do domínio do hipnotismo, como é
possível que toda a gente que faz parte da bolha mediática, juntando a
oposição, "papam" sem pestanejar o valor do desgoverno de 7,4% para a
inflação no final de 2022. Luis
Freitas > observador censurado: Excelente comentário, em
Portugal é impossível fazer qualquer tipo de investimentos de forma minimamente
segura, pois os impostos mudam todos os anos ao sabor dos ventos e
marés para alimentar um Estado gatuno e corrupto com gestões danosas e grandes
roubos pagos pelos contribuintes e abençoados pela nossa justiça.
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