Hoje, com a globalização, com a Internet
e outros meios de alargamento do saber, teremos artes para manter o nosso
aprumo, mau grado as reticências. O negativismo criado por um complexo que
jamais descolará da nossa postura tímida no mundo ocidental, quando em
confronto com os povos mais dinâmicos e argutos, não obsta a que nos sintamos
sempre gratos perante todos aqueles que contribuíram para a riqueza e
originalidade da sua participação, bem genial, que para sempre nos fazem amar
este pequeno rectângulo tão variado, contudo, na especificidade dos seus próprios
espaços territoriais, e nos desafios das suas produções e das suas vozes. Mas,
com Miguel Torga, um desses geniais, digamos a sua “Prece”, que já o meu pai recitava, por vezes, de mistura com o “P’r’apanhar o trevo, o trevo, no chão”
que por vezes cantava e tocava, na sua viola, que sozinho aprendeu a tocar segundo
o “método francês”.
Prece
Senhor,
deito-me na cama
Coberto de sofrimento;
E a todo o comprimento
Sou sete palmos de lama:
Sete palmos de excremento
Da terra-mãe que me chama.
Senhor, ergo-me do fim
Desta minha condição
Onde era sim, digo não
Onde era não digo sim;
Mas não calo a voz do chão
Que grita dentro de mim.
Senhor, acaba comigo
Antes do dia marcado;
Um golpe bem acertado,
O tiro de um inimigo.....
Qualquer pretexto tirado
Dos sarcasmos que te digo.
“Portugal”, um nome sonoro, um nome
bonito que deu muito ao mundo e teve um Homem, chamado “Salazar” que amou o seu
país, de facto – de forma bem mais fervorosa do que a que hoje se costuma, e
sobretudo, bem mais nobre, nessa questão do dinheiro, que, se arrecadou, não
foi em proveito próprio, mas com o zelo de quem o quer deixar a esses filhos,
tantos deles batoteiros…
«...E VÓS, TÁGIDES MINHAS,,,» - 6
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 03.10.22
OU
O MUNDO VISTO A PARTIR DE LISBOA
«Liberdade, liberdade, quem a tem chama-lhe sua» - Vitorino, cantor
português de intervenção política;
«Os
Países lusófonos são modelo para o Colonizador» - Elias Quadros, filósofo
português;
«Todos
os seres humanos são livres e iguais em direitos e dignidade.» - art.º 1º
da «Declaração Universal dos Direitos Humanos», ONU 1948
* * *
A grande pecha do Poder instituído em
Portugal ao longo de muitos dos seus séculos de História foi o desprezo pela
instrução pública. Honra às
grandes excepções a esta regra, o rei D. Dinis (instituição da língua
portuguesa e da Universidade de Coimbra), a rainha D. Maria II (instituição das
Academias de Ciências e de História), a I República (instituição das
Universidades de Lisboa e do Porto) e a III República (democratização do Ensino
a todos os níveis).
Por causa da dita pecha e apesar das
excepções, a nossa actual situação ainda se encontra afastada dos padrões da
instrução e da formação nos demais países europeus.
E
se isto se passou durante séculos na sede do Império, território relativamente
pequeno, imagine-se o que terá sido em territórios muito maiores tais como
Angola, Brasil e Moçambique… Recordemos
o conflito entre Adriano Moreira (Ministro do Ultramar) e Venâncio Deslandes
(Comandante Chefe das Forças Armadas em Angola) aquando da instituição dos
Estudos Gerais (futuras Universidades) de Angola e de Moçambique: o Ministro
queria as Universidades mas o General não as queria porque “instruir o povo era
perigoso”. E se este “perigo” fez doutrina em Portugal durante séculos com os
perniciosas efeitos conhecidos sobre a clarividência geral da população,
imagine-se o estado de indigência intelectual a que os povos ultramarinos eram
votados. Tal «mãe», tais «filhos». Por outras palavras, «os Países lusófonos
são modelo para o Colonizador».
E, de repente, a todos foi destinada a
responsabilidade das independências políticas e a responsabilidade da vida em
democracia. E porque a democracia é o regime político que mais responsabilidade
(individual e colectiva) exige, eis-nos, a todos os povos lusófonos, a ter
dificuldades diversas na aprendizagem da convivência democrática: Partidos
mais ou menos únicos, corrupção, discussão sobre pessoas e factos em vez
de ideias de política, ameaças militares, insultos favelares…
Eis por que deixei passar as eleições
em Angola e no Brasil sem referências especiais. Contudo, em ambos os países há elites de
elevada formação e de altos padrões éticos que parece fugirem da política. Para
o pior dos males dos seus países, alheiam-se do mais que conseguem, «põem as
barbas de molho» (enviam as poupanças para fora) e deixam a selva arder.
Certa
vez, li um texto do Doutor Salazar em que ele dizia que o seu Governo era o
melhor de todos os que poderiam existir (não me recordo se ele se referia a
Portugal ou se a todo o mundo) porque era constituído pelos mais conceituados
Professores universitários.
Peço a quem me lê que ignore a minha
ironia na frase anterior mas que, no polo oposto, se lembre dos «frente-a-frente»
televisivos entre Bolsonaro e Lula.
Perante cenas como as referidas, a
pergunta é a de saber como havemos de conciliar a governação de qualidade com o
voto universal. Platão respondeu em «A República».
Lisboa, 3 de Outubro de 2022
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Adriano
Miranda Lima 04.10.2022: Sr. Doutor, esta é mais uma daquelas peças de reflexão
com margem para muitos desenvolvimentos e derivações. Antes de mais, permita-me
dizer-lhe que põe o dedo numa ferida que talvez incomode muita gente, sobretudo
entre os que fazem do nacionalismo radical, ou exacerbado, uma militância. De
facto, se a metrópole se ressentia dos baixos padrões de escolaridade,
calcule-se o que não seria nos territórios colonizados. Comecemos então pelo
Brasil. Muitos brasileiros se interrogam sobre o porquê de o seu país ter
imensas riquezas e potencialidades económicas e ser, no entanto, relativamente
atrasado em certos índices de desenvolvimento humano. E então o anedotário
encontra a resposta. Deus contemplou o Brasil com imensas riquezas e alguém
abriu a boca de espanto por tanta generosidade. E Ele então replicou: Ah,
espera até veres o povinho que vou lá colocar. É claro que mexe com o nosso ego
ouvir semelhante anedota, mas tem de se colocar a questão de saber se o
problema é com a natureza do povo ou com a sua circunstância. E a reflexão não
deixa de nos intrigar perante inegáveis contradições. Com efeito, está em causa
o mesmo povo que dominou e inovou na arte da navegação e chegou aos confins do
mundo onde outros mais apetrechados de instrução escolar só demandaram depois
de abe rto o caminho. Hoje fico por aqui mas voltarei.
Anónimo 04.10.2022 10:31: Aqui estão algumas notas, como comentário, a temas que suscitas no teu post, procurando seguir a mesma ordem. Em “A Espuma do Tempo” o Prof. Adriano Moreira descreve com entusiasmo a criação dos Estudos Gerais, em Angola e em Moçambique, e com amargura, mesmo com alguma raiva mal contida, o conflito que o opôs ao General Venâncio Deslandes, que terminou com as demissões de ambos, embora diferidas. Recordo-me bem da desilusão que tive com a saída do Ministro. A “malta” apercebeu-se que com aquela exoneração o Ultramar, pelo menos no consulado salazarista, estava condenado ao imobilismo. Sim, Henrique, um Governo de Professores Universitários, de Professores Universitários de Direito de Coimbra, em primeiro lugar, e depois de Lisboa, de Professores Universitários de Direito, do Técnico e até de Económicas, mas sempre com a hegemonia dos de Direito. E assim se faziam os Ministros. O fluxo de jovens engenheiros e de economistas, os chamados “tecnocratas”, para o Governo dar-se-á com o Prof. Marcello Caetano, como Presidente do Conselho, como são os casos de João Salgueiro, Xavier Pintado, Rogério Martins, Joaquim Silva Pinto, Augusto de Atayde, Alexandre Vaz Pinto e (pasme-se!) até uma mulher – Teresa Lobo. Com muitos deles tive a honra de trabalhar directamente ou de me relacionar profissional ou pessoalmente. Felizmente, os “tecnocratas” não se esgotavam no Governo e vamos vê-los também no famoso Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, alguns dos quais se destacarão nas décadas seguintes: Vitor Constâncio, António Guterres, Miguel Beleza, Isabel Mota, João Cravinho e alguns mais. Não me tinha ocorrido um Governo constituído por filósofos (socráticos ou não). Mas pulando do século IV AC, para a actualidade, não me parece que os poucos filósofos ou sociólogos que tenham integrado os Governos da República hajam, salvo um ou outro caso, deixado boa recordação. Já que falas do Brasil, um sociólogo de que gostei como Presidente da República (o “meu” Presidente) foi o Fernando Henrique Cardoso. A questão da actual qualidade da Democracia preocupa-me, exatamente por ser, desde sempre, democrata. Salazar, que era antidemocrático, previa que ela caminharia necessariamente para a “mediocracia”, para a ditadura da mediania, para o exercício do poder pelos medíocres (pág. 180 de “Salazar e Caetano”, de José António Saraiva). A simples circunstância de a Democracia ter gerado tantos Estadistas, alguns dos quais nossos contemporâneos, Henrique, desmente esse diagnóstico. Mas o certo, é que essa qualidade de políticos tem vindo a esbater-se a olhos vistos e actualmente se me pedissem para identificar dois ou três Estadistas, teria dificuldade em o fazer. Felizmente, não mo pedem, pelo que estou livre desse embaraço. E a questão não é só da qualidade dos políticos, é também a das políticas, pois existe interligação entre as duas realidades. Ao eleitor, com cada vez mais frequência, depara-se não o que ele desejaria, mas sim qual a opção menos má, votar pelo menor dos males. E foi isto que acaba de ocorrer e que ocorrerá, no final deste mês, no Brasil. Outro fenómeno paralelo, e talvez também haja alguma correlação com o que acabo de escrever, é a rarefação do chamado centro do espectro partidário. a favor dos dois extremos. Repara como os Partidos clássicos do centro, centro-direita e do centro-esquerda, nos continentes europeu e americano (Centro e Sul) desapareceram ou diminuíram significativamente a sua representatividade. A Política espetáculo, potenciada por uma Comunicação Social, nem sempre descomprometida, embora aparente que o esteja, poderá ser uma das causas para o alheamento do eleitor e para a deficiente qualidade da Democracia? E que papel e motivações têm algumas das chamadas “sondagens”, que raramente acertam? Dê-se a palavra aos investigadores de Ciências Políticas e Sociais. Grande abraço. Carlos Traguelho
Anónimo 04.10.2022 12:25: Eu não vejo debates especialmente estes do Brasil com
os comentadores a aplaudir lula será k era melhor a meu ver tarem calados os dois
não prestam faziam um favor à nação irem pescar para a Amazónia sera k Fernando
Henriques Cardoso não quer voltar admito k posso tar errada mas ele era melhor Isabel
Pedroso
Adriano Miranda Lima 04.10.2022 12:35 A
1 República instituiu a democratização do ensino mas pouco terá passado da boa
intenção porque a conturbação quase sistemática e contínua em que viveu não lhe
permitiu grandes feitos nesse sentido.
Se Salazar tivesse pegado na ideia para a levar à prática em todos os sentidos,
provavelmente hoje ninguém lhe negaria o precioso e honroso louro. Estabilidade
governativa e até recursos é que não lhe faltaram. Faltou o resto, ou melhor,
fez parte da estratégia política a contenção na área da instrução,
principalmente em África, como bem se exprimiu o general Deslandes, conforme é
aqui citado. O Dr. Adriano Moreira é que estava noutro campo de ideias, não
surpreendendo que tenha devolvido o seu cargo a Salazar, não exclusiva e
directamente por causa da instrução e ensino nos territórios africanos, mas por
tudo o que estava por trás. O general Deslandes mais não exprimiu que a visão
do regime, a que era afecto com pouco ou nenhum espírito crítico. O Dr.
Adriano Moreira é para mim um democrata genuíno e destacado humanista, e assim
será lembrado pela História.
Adriano Miranda Lima 04.10.2022 19:19 Conversa vai, conversa vem, damo-nos conta de que não é
fácil aquilatar em que medida se pode responsabilizar a instrução e a
escolaridade pelo sucesso ou insucesso da governação. Ponderação esta que, para
revestir fundamentação científica, só valerá se a democracia for o escopo da
nossa discussão, porque em ditadura a governação se exerce sem escrutínio e sem
oposição, eliminando, portanto, a possibilidade de ser relacionada com o grau
de literacia das populações. Os governos do Estado Novo só podiam exprimir as
escolhas e as decisões do poder político instituído e de natureza unicitária.
Seria um exercício intelectual inútil tentar relacionar a natureza do seu
desempenho com a vontade popular. A partir de 1975, o povo passou a ter
liberdade de escolha política, e assim deixou de poder sacudir a água do capote
sempre que a governação da coisa pública não corria conforme as suas expectativas
ou os seus desejos. Mas há perguntas pertinentes que têm de ser formuladas. Por
exemplo, se a escolaridade não tivesse alcançado assinaláveis padrões de
democratização nesta II República, a qualidade dos sucessivos governos seria
diferente para pior? Como ressalta da pergunta, a questão é saber se o
grau de escolaridade formal tem uma relação directa e necessária com o
esclarecimento cívico ou se este não dependerá sobretudo de uma questão de
consciencialização e comprometimento com as causas colectivas. Ou seja, um
fenómeno que se reparte entre a razão, a intuição e a emoção em doses cuja
quantificação e delimitação terão algo a ver com a idiossincrasia, a psicologia
e a história. Ora, seria uma perfeita falsidade concluir que os governos da
actualidade ostentam uma qualidade política e técnica superior a anteriores
como consequência dos progressos alcançados na instrução e na formação. Como o
sucesso da democracia não decorre apenas da acção das forças políticas, mas de
todos os actores da cena nacional, e bem assim da influência de factores externos,
o problema não se compadece com conclusões simplistas. Olho para a natureza e a
qualidade da nossa comunicação social e para os compromissos que a norteiam, e
pergunto se ela não tem sido mais prejudicial para a nossa democracia do que
factor de valorização. Um abraço Adriano Lima
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