terça-feira, 4 de outubro de 2022

“O povo é sereno”

Hoje, com a globalização, com a Internet e outros meios de alargamento do saber, teremos artes para manter o nosso aprumo, mau grado as reticências. O negativismo criado por um complexo que jamais descolará da nossa postura tímida no mundo ocidental, quando em confronto com os povos mais dinâmicos e argutos, não obsta a que nos sintamos sempre gratos perante todos aqueles que contribuíram para a riqueza e originalidade da sua participação, bem genial, que para sempre nos fazem amar este pequeno rectângulo tão variado, contudo, na especificidade dos seus próprios espaços territoriais, e nos desafios das suas produções e das suas vozes. Mas, com Miguel Torga, um desses geniais, digamos a sua “Prece”, que já o meu pai recitava, por vezes, de mistura com o “P’r’apanhar o trevo, o trevo, no chão” que por vezes cantava e tocava, na sua viola, que sozinho aprendeu a tocar segundo o “método francês”.

Prece

Senhor,
deito-me na cama
Coberto de sofrimento;
E a todo o comprimento
Sou sete palmos de lama:
Sete palmos de excremento
Da terra-mãe que me chama.

Senhor, ergo-me do fim
Desta minha condição
Onde era sim, digo não
Onde era não digo sim;
Mas não calo a voz do chão
Que grita dentro de mim.

Senhor, acaba comigo
Antes do dia marcado;
Um golpe bem acertado,
O tiro de um inimigo.....
Qualquer pretexto tirado
Dos sarcasmos que te digo.

 

“Portugal”, um nome sonoro, um nome bonito que deu muito ao mundo e teve um Homem, chamado “Salazar” que amou o seu país, de facto – de forma bem mais fervorosa do que a que hoje se costuma, e sobretudo, bem mais nobre, nessa questão do dinheiro, que, se arrecadou, não foi em proveito próprio, mas com o zelo de quem o quer deixar a esses filhos, tantos deles batoteiros…

 

«...E VÓS, TÁGIDES MINHAS,,,» - 6

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 03.10.22

OU

O MUNDO VISTO A PARTIR DE LISBOA

 «Liberdade, liberdade, quem a tem chama-lhe sua» - Vitorino, cantor português de intervenção política;

«Os Países lusófonos são modelo para o Colonizador» - Elias Quadros, filósofo português;

«Todos os seres humanos são livres e iguais em direitos e dignidade.» - art.º 1º da «Declaração Universal dos Direitos Humanos», ONU 1948

* * *

A grande pecha do Poder instituído em Portugal ao longo de muitos dos seus séculos de História foi o desprezo pela instrução pública. Honra às grandes excepções a esta regra, o rei D. Dinis (instituição da língua portuguesa e da Universidade de Coimbra), a rainha D. Maria II (instituição das Academias de Ciências e de História), a I República (instituição das Universidades de Lisboa e do Porto) e a III República (democratização do Ensino a todos os níveis).

Por causa da dita pecha e apesar das excepções, a nossa actual situação ainda se encontra afastada dos padrões da instrução e da formação nos demais países europeus.

E se isto se passou durante séculos na sede do Império, território relativamente pequeno, imagine-se o que terá sido em territórios muito maiores tais como Angola, Brasil e MoçambiqueRecordemos o conflito entre Adriano Moreira (Ministro do Ultramar) e Venâncio Deslandes (Comandante Chefe das Forças Armadas em Angola) aquando da instituição dos Estudos Gerais (futuras Universidades) de Angola e de Moçambique: o Ministro queria as Universidades mas o General não as queria porque “instruir o povo era perigoso”. E se este “perigo” fez doutrina em Portugal durante séculos com os perniciosas efeitos conhecidos sobre a clarividência geral da população, imagine-se o estado de indigência intelectual a que os povos ultramarinos eram votados. Tal «mãe», tais «filhos». Por outras palavras, «os Países lusófonos são modelo para o Colonizador».

E, de repente, a todos foi destinada a responsabilidade das independências políticas e a responsabilidade da vida em democracia. E porque a democracia é o regime político que mais responsabilidade (individual e colectiva) exige, eis-nos, a todos os povos lusófonos, a ter dificuldades diversas na aprendizagem da convivência democrática: Partidos mais ou menos únicos, corrupção, discussão sobre pessoas e  factos em vez de ideias de política, ameaças militares, insultos favelares…

Eis por que deixei passar as eleições em Angola e no Brasil sem referências especiais. Contudo, em ambos os países há elites de elevada formação e de altos padrões éticos que parece fugirem da política. Para o pior dos males dos seus países, alheiam-se do mais que conseguem, «põem as barbas de molho» (enviam as poupanças para fora) e deixam a selva arder.

Certa vez, li um texto do Doutor Salazar em que ele dizia que o seu Governo era o melhor de todos os que poderiam existir (não me recordo se ele se referia a Portugal ou se a todo o mundo) porque era constituído pelos mais conceituados Professores universitários.

Peço a quem me lê que ignore a minha ironia na frase anterior mas que, no polo oposto, se lembre dos «frente-a-frente» televisivos entre Bolsonaro e Lula.

Perante cenas como as referidas, a pergunta é a de saber como havemos de conciliar a governação de qualidade com o voto universal. Platão respondeu em «A República».

Lisboa, 3 de Outubro de 2022            Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS:

 Adriano Miranda Lima  04.10.2022: Sr. Doutor, esta é mais uma daquelas peças de reflexão com margem para muitos desenvolvimentos e derivações. Antes de mais, permita-me dizer-lhe que põe o dedo numa ferida que talvez incomode muita gente, sobretudo entre os que fazem do nacionalismo radical, ou exacerbado, uma militância. De facto, se a metrópole se ressentia dos baixos padrões de escolaridade, calcule-se o que não seria nos territórios colonizados. Comecemos então pelo Brasil. Muitos brasileiros se interrogam sobre o porquê de o seu país ter imensas riquezas e potencialidades económicas e ser, no entanto, relativamente atrasado em certos índices de desenvolvimento humano. E então o anedotário encontra a resposta. Deus contemplou o Brasil com imensas riquezas e alguém abriu a boca de espanto por tanta generosidade. E Ele então replicou: Ah, espera até veres o povinho que vou lá colocar. É claro que mexe com o nosso ego ouvir semelhante anedota, mas tem de se colocar a questão de saber se o problema é com a natureza do povo ou com a sua circunstância. E a reflexão não deixa de nos intrigar perante inegáveis contradições. Com efeito, está em causa o mesmo povo que dominou e inovou na arte da navegação e chegou aos confins do mundo onde outros mais apetrechados de instrução escolar só demandaram depois de abe rto o caminho. Hoje fico por aqui mas voltarei.

 Anónimo  04.10.2022  10:31: Aqui estão algumas notas, como comentário, a temas que suscitas no teu post, procurando seguir a mesma ordem. Em “A Espuma do Tempo” o Prof. Adriano Moreira descreve com entusiasmo a criação dos Estudos Gerais, em Angola e em Moçambique, e com amargura, mesmo com alguma raiva mal contida, o conflito que o opôs ao General Venâncio Deslandes, que terminou com as demissões de ambos, embora diferidas. Recordo-me bem da desilusão que tive com a saída do Ministro. A “malta” apercebeu-se que com aquela exoneração o Ultramar, pelo menos no consulado salazarista, estava condenado ao imobilismo. Sim, Henrique, um Governo de Professores Universitários, de Professores Universitários de Direito de Coimbra, em primeiro lugar, e depois de Lisboa, de Professores Universitários de Direito, do Técnico e até de Económicas, mas sempre com a hegemonia dos de Direito. E assim se faziam os Ministros. O fluxo de jovens engenheiros e de economistas, os chamados “tecnocratas”, para o Governo dar-se-á com o Prof. Marcello Caetano, como Presidente do Conselho, como são os casos de João Salgueiro, Xavier Pintado, Rogério Martins, Joaquim Silva Pinto, Augusto de Atayde, Alexandre Vaz Pinto e (pasme-se!) até uma mulher – Teresa Lobo. Com muitos deles tive a honra de trabalhar directamente ou de me relacionar profissional ou pessoalmente. Felizmente, os “tecnocratas” não se esgotavam no Governo e vamos vê-los também no famoso Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, alguns dos quais se destacarão nas décadas seguintes: Vitor Constâncio, António Guterres, Miguel Beleza, Isabel Mota, João Cravinho e alguns mais. Não me tinha ocorrido um Governo constituído por filósofos (socráticos ou não). Mas pulando do século IV AC, para a actualidade, não me parece que os poucos filósofos ou sociólogos que tenham integrado os Governos da República hajam, salvo um ou outro caso, deixado boa recordação. Já que falas do Brasil, um sociólogo de que gostei como Presidente da República (o “meu” Presidente) foi o Fernando Henrique Cardoso. A questão da actual qualidade da Democracia preocupa-me, exatamente por ser, desde sempre, democrata. Salazar, que era antidemocrático, previa que ela caminharia necessariamente para a “mediocracia”, para a ditadura da mediania, para o exercício do poder pelos medíocres (pág. 180 de “Salazar e Caetano”, de José António Saraiva). A simples circunstância de a Democracia ter gerado tantos Estadistas, alguns dos quais nossos contemporâneos, Henrique, desmente esse diagnóstico. Mas o certo, é que essa qualidade de políticos tem vindo a esbater-se a olhos vistos e actualmente se me pedissem para identificar dois ou três Estadistas, teria dificuldade em o fazer. Felizmente, não mo pedem, pelo que estou livre desse embaraço. E a questão não é só da qualidade dos políticos, é também a das políticas, pois existe interligação entre as duas realidades. Ao eleitor, com cada vez mais frequência, depara-se não o que ele desejaria, mas sim qual a opção menos má, votar pelo menor dos males. E foi isto que acaba de ocorrer e que ocorrerá, no final deste mês, no Brasil. Outro fenómeno paralelo, e talvez também haja alguma correlação com o que acabo de escrever, é a rarefação do chamado centro do espectro partidário. a favor dos dois extremos. Repara como os Partidos clássicos do centro, centro-direita e do centro-esquerda, nos continentes europeu e americano (Centro e Sul) desapareceram ou diminuíram significativamente a sua representatividade. A Política espetáculo, potenciada por uma Comunicação Social, nem sempre descomprometida, embora aparente que o esteja, poderá ser uma das causas para o alheamento do eleitor e para a deficiente qualidade da Democracia? E que papel e motivações têm algumas das chamadas “sondagens”, que raramente acertam? Dê-se a palavra aos investigadores de Ciências Políticas e Sociais. Grande abraço. Carlos Traguelho

 Anónimo  04.10.2022  12:25: Eu não vejo debates especialmente estes do Brasil com os comentadores a aplaudir lula será k era melhor a meu ver tarem calados os dois não prestam faziam um favor à nação irem pescar para a Amazónia sera k Fernando Henriques Cardoso não quer voltar admito k posso tar errada mas ele era melhor Isabel Pedroso

 Adriano Miranda Lima  04.10.2022  12:35 A 1 República instituiu a democratização do ensino mas pouco terá passado da boa intenção porque a conturbação quase sistemática e contínua em que viveu não lhe permitiu grandes feitos nesse sentido. Se Salazar tivesse pegado na ideia para a levar à prática em todos os sentidos, provavelmente hoje ninguém lhe negaria o precioso e honroso louro. Estabilidade governativa e até recursos é que não lhe faltaram. Faltou o resto, ou melhor, fez parte da estratégia política a contenção na área da instrução, principalmente em África, como bem se exprimiu o general Deslandes, conforme é aqui citado. O Dr. Adriano Moreira é que estava noutro campo de ideias, não surpreendendo que tenha devolvido o seu cargo a Salazar, não exclusiva e directamente por causa da instrução e ensino nos territórios africanos, mas por tudo o que estava por trás. O general Deslandes mais não exprimiu que a visão do regime, a que era afecto com pouco ou nenhum espírito crítico. O Dr. Adriano Moreira é para mim um democrata genuíno e destacado humanista, e assim será lembrado pela História.

 Adriano Miranda Lima  04.10.2022  19:19 Conversa vai, conversa vem, damo-nos conta de que não é fácil aquilatar em que medida se pode responsabilizar a instrução e a escolaridade pelo sucesso ou insucesso da governação. Ponderação esta que, para revestir fundamentação científica, só valerá se a democracia for o escopo da nossa discussão, porque em ditadura a governação se exerce sem escrutínio e sem oposição, eliminando, portanto, a possibilidade de ser relacionada com o grau de literacia das populações. Os governos do Estado Novo só podiam exprimir as escolhas e as decisões do poder político instituído e de natureza unicitária. Seria um exercício intelectual inútil tentar relacionar a natureza do seu desempenho com a vontade popular. A partir de 1975, o povo passou a ter liberdade de escolha política, e assim deixou de poder sacudir a água do capote sempre que a governação da coisa pública não corria conforme as suas expectativas ou os seus desejos. Mas há perguntas pertinentes que têm de ser formuladas. Por exemplo, se a escolaridade não tivesse alcançado assinaláveis padrões de democratização nesta II República, a qualidade dos sucessivos governos seria diferente para pior? Como ressalta da pergunta, a questão é saber se o grau de escolaridade formal tem uma relação directa e necessária com o esclarecimento cívico ou se este não dependerá sobretudo de uma questão de consciencialização e comprometimento com as causas colectivas. Ou seja, um fenómeno que se reparte entre a razão, a intuição e a emoção em doses cuja quantificação e delimitação terão algo a ver com a idiossincrasia, a psicologia e a história. Ora, seria uma perfeita falsidade concluir que os governos da actualidade ostentam uma qualidade política e técnica superior a anteriores como consequência dos progressos alcançados na instrução e na formação. Como o sucesso da democracia não decorre apenas da acção das forças políticas, mas de todos os actores da cena nacional, e bem assim da influência de factores externos, o problema não se compadece com conclusões simplistas. Olho para a natureza e a qualidade da nossa comunicação social e para os compromissos que a norteiam, e pergunto se ela não tem sido mais prejudicial para a nossa democracia do que factor de valorização. Um abraço Adriano Lima


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