quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Importante


Lembrar os nobres exemplos nacionais que nos ajudam a elevar a auto estima, em meio de muito sentimento de espanto pesaroso. Poderiam servir de ponte de passagem para outras margens… Mas para ser herói a valer, Passos Coelho devia sacrificar-se e concorrer – já se sabe que não por ambição pessoal, mas por heróico esforço de salvação da nação…

O exemplo

Não há segredos, é isto. Mas com isto – a força da vontade, a indispensabilidade do esforço, o motor da ambição – chega-se ao cume da montanha. Seja ela qual for.

MARIA JOÂO AVILLEZ               OBSERVADOR, 26 out 2022, 00:251

1Há muitos anos já, estava-se em 2005, após o ter entrevistado na SIC Notícias escrevi a seguir no Expresso um artigo sobre ele, “O melhor aluno de si próprio”. É verdade: António Horta Osório foi (sempre) o melhor aluno de si mesmo. Comecei por dar por isso quando muito antes, no inverno de 2001, lhe fizera a primeira entrevista na mesmíssima SICN, era ele um jovem de trinta e tal anos. Numa inocente insegurança e por entre a timidez constrangida do seu primeiro dia televisivo, havia porém já a impressão digital do trabalho e da determinação. Começou a haver resultados e a seguir, eles deram nas vistas. O que é outra forma de dizer que havia mérito, substantivo do qual pouco se gosta na língua – e na vida! – portuguesa e ao qual defeituosamente ainda menos se atende. Contrariando o costume, António Horta Osório aprendia consigo mesmo a refinar uma mistura das palavras que mais gostou sempre de usar e praticar: “educação”, “cultura de mérito,” “trabalho”, “responsabilidade”, “sociedade civil”. A mistura rendeu, os talentos dela saídos, também. Todos privilegiavam os valores, nenhum o dinheiro.

Nesse ano de 2005 fiquei com a certeza que o país tinha razão em levá-lo a sério: concretizara uma rendilhada operação estratégica – onde o risco valsava com o desafio e este com a responsabilidade – focada na transformação empresarial do ex-Totta&Açores, Crédito Predial Português e o Santander Portugal, fundidos numa só instituição bancária, o Santander Totta.

(É-me irresistível não lembrar que no Programa de Responsabilidade Social e Corporativa da nova instituição, a maior fatia era destinada ao desenvolvimento do conhecimento e ao ensino universitário. Não por acaso.).

2Em 2010 o interesse e a curiosidade eram grandes: como iria agir António Horta Osório, o português escolhido pelo governo britânico, para a tão incerta e complexa empreitada de salvar o Loyds Bank do precipício em que caíra o maior banco britânico? Foi uma grande vitória profissional mas no verão de 2011, quando fui a Londres entrevistá-lo á sede do próprio Loyds — desta feita para o Diário Económico — ninguém a anteciparia, talvez nem ele. E no entanto, uma década depois, e com um duro esgotamento pelo meio, Horta Osório devolveria aos ingleses uma instituição já desintervencionado, com custo zero para os contribuintes. Uma façanha. (Devolvia sobretudo à Grã-Bretanha o orgulho num dos seus maiores e mais antigos ex-libris, agora ressuscitado e de saúde.)

Londres também notara a qualidade do cidadão: entregaram-lhe a presidência de uma reputada instituição cultural (Wallace Collection), premiaram-lhe o voluntariado que fazia – em saúde mental, por exemplo – a Rainha agraciou-o: Sir António Horta Osório.

Saltando no tempo (mas não ainda de protagonista): há dias na CNN, sentada à sua frente, fiz perguntas mas desta vez já não a um gestor internacional da banca mas entregue hoje, com 58 anos, a tarefas não executivas, dentro e fora de Portugal. Tínhamos combinado esta entrevista em 2021 quando Horta Osório foi para o Credit Suisse mas a saída prematura de Zurique um ano e tal depois, deixou-me no limbo de um adiamento indefinido. Há dias, houve reencontro televisivo. Fecundo como sempre. E nisto, do écran saiu um forte desafio aos portugueses – a “todos” e não só aos “eles” dos governos – para que fossem mais “ambiciosos”, o país também é com eles: porque não, cada um à sua maneira mas com o mesmo empenho, participarem da “ ambição” de – por exemplo – “duplicar o valor do PIB em dez anos”?

3Podia ter aqui contado as “boas histórias” que Horta Osório colecciona, as pessoas que conheceu, os seus anos londrinos, as conversas que aí teve com o então Príncipe Carlos, hoje Rei, as vivências culturais, os antiquários, a própria Londres. Preferi falar dele, mesmo que brevissimamente. É que no fundo, só uma coisa interessa e não são honrarias, mesmo que douradas, o dinheiro mesmo que muito, ou as “facilidades” mesmo que todas, mas o exemplo: trabalho, responsabilidade, esforço, noção de serviço. Postos em marcha pelo combustível da ambição.

Não há segredos, é isto. Mas com isto chega-se ao cume da montanha. Seja ela qual for.

4Pedro Passos Coelho (e cá está o outro protagonista desta crónica) estará certamente atónito de o terem subitamente tirado de casa e atirado para o ar mediático; de – malgré lui – ser “tido” como candidato presidencial; de – muito malgré lui – ser chamado de D. Sebastião… Não é isso porém o que o traz hoje a esta página. É uma vez mais a importância do exemplo. No caso, o seu exemplo. Num país politicamente à míngua deles, não é coisa pouca. Tal como o cavalheiro acima, Passos Coelho é de outro campeonato. Falo de singularidade, decência, inteligência política.

5Começando pelo princípio: Passos exemplifica a singularidade, porque tudo o distingue na política portuguesa. Desde logo pelo que fez e não tenho outro remédio senão recordá-lo – a narrativa oficial, sete anos depois, mantém aceso o lume da falsidade. Em 2011, com uma banca rota à porta, Passos Coelho tomou o país em mãos. Cinco anos de pesadas penas e pesadíssimos sacrifícios depois, ganhou de novo as eleições. Pelo caminho dispensou a última tranche do empréstimo internacional, evitou um segundo resgate, pôs o país a crescer (o crescimento emitiu os seus primeiros sinais no final de 2013). Fabricando ainda uma almofada financeira que viria a fazer um arranjão aos socialistas já sentados em S. Bento, sobre a vitória do centro direita, expeditamente corrida dali. Mas o ex-chefe do Governo da coligação PSD/CDS é também um exemplo de singularidade pelo modo como enfrentou o cerco logo montado, país fora: agindo sozinho – lembram-se? – contra tudo e todos: as oposições, a media, a rua, o comentariado, as associações patronais que raramente deram a cara, as “elites” que nunca deram, as reticências do próprio CDS, parceiro de coligação; e é-o ainda pelo modo como indiscutivelmente recentrou Portugal na credibilidade europeia.

Isto por um lado. Por outro, há a decência. Sempre houve, mas agora voltou a reparar-se nela no modo como tendo saído de cena, disse a verdade: permanece fora de cena. Longe da praça pública, alheio aos écrans, ao comentário, às manchetes. Nunca cedendo e menos alimentando a telenovela diária da política nacional. Está aliás a anos-luz dela: não se lhe arranca uma palavra, um desabafo, uma opinião, uma interferência. Não é de hoje mas é impossível não o sublinhar. (De hoje, são os que temendo-o, o armadilham, mas não há aí grande novidade, temem-no desde o princípio.) E finalmente há a sua inteligência política: se Pedro Passos Coelho tiver ambições de mais tarde regressar aos palcos, é assim mesmo que se deve fazer, recato e silêncio; se tal não vier a ocorrer, deu o exemplo. De uma singularidade inspiradora, de decência, de inteligência.

Também é assim que se atingem os cumes mais altos das montanhas.

SOCIEDADE   PEDRO PASSOS COELHO   POLÍTICA   BANCA   ECONOMIA   HORTA OSÓRIO

COMENTÁRIOS:

 Fernando CE: Concordo com a apreciação que faz destes dois homens. Conheço com maior propriedade o PPC por ter sido o PM do nosso país. Apesar de ter sido prejudicado pelos cortes salariais, entendi que eram sacrifícios necessários. Devo-lhe a coragem de não ter desistido. Nunca perdeu a cabeça nos embates com os seus adversários políticos e sobretudo nunca perdeu a boa educação. Obrigado, Pedro Passos Coelho.        Alexandre Barreira: Duvido. Duvido mesmo. Que o Dr. Passos Coelho regresse à política. Da forma como o seu próprio partido o tratou, duvido!                L. Soll: Tivéssemos mais gente assim, ou dito doutro modo, não vivêssemos nós entre interesses instituídos na política, na justiça, nos negócios e até na comunicação social, que premeiam, valorizam, e tantas vezes escondem a mediocridade, a incompetência, a desonestidade, o clientelismo e a falta de qualquer ética, dizia eu, tivéssemos nós mais gente assim e Portugal caminharia certamente para melhores patamares. Mas não temos! Não porque eles não existam - porque existem certamente - mas porque os que quisessem e pudessem posicionar-se, sabem bem que seriam trucidados à nascença.                  MGR Lisboa: PPC é um homem extraordinário cuja dignidade não se compara à de mais nenhum político no activo. Votarei nele, para PM ou PR, com a certeza de que não nos envergonhará. Infelizmente não é coisa que actualmente possa dizer.

António Lamas: Dois bons - excelentes - exemplos de honestidade, de capacidade, de inteligência e até de humildade. Ficou por indicar dois bons exemplos do contrário disto tudo: Costa e Marcelo

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