Dos grandes criadores da História. Ou dos
criadores da História em grande, por serem donos de largos espaços. Jaime
Nogueira Pinto os historia, para os seus ledores e admiradores de
sempre. Os depreciadores de sempre o enjeitam, é claro, sabedores de outros
saberes, saboreadores de outros sabores, dos seus enjoos historiográficos… ou
apenas gráficos… Nós ouvimos religiosamente o Xi, as lições de Jaime Nogueira Pinto confirmaram –
e enriqueceram – naturalmente, o que vimos, com os dados pontuais da sua
precisão historiográfica, que nos deixa gratos.
“Make China marxist again”
Xi Jinping é um líder para quem o
marxismo-leninismo é uma teoria útil e multiusos, um instrumento ideológico ao
serviço do nacionalismo chinês.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 22 out 2022, 00:204
Com
a pompa e circunstância habituais, o Partido Comunista Chinês inaugurou no
Domingo, 16 de Outubro, o seu 20º Congresso. Fora também ali, no Palácio do
Povo de Pequim, que em Julho do ano passado celebrara o seu 100º aniversário.
No ar, pairava a possibilidade de Xi
Jinping, secretário-geral do Partido Comunista Chinês e
presidente da República Popular da China, prolongar
a liderança por mais cinco anos, contra o
uso instalado pelas reformas de Deng
Xiaoping – transformando-se assim num líder vitalício, à semelhança do pai-fundador e
grande Timoneiro
Mao Tse-Tung.
A morte anunciada da liderança colegial?
Fora
precisamente contra esse poder absoluto e vitalício que Deng impusera
a colegialidade da direcção partidária, com
uma cúpula restrita de sete a nove membros do Comité Permanente do Politburo. E com as reformas na economia introduzira factores
de capitalismo controlado politicamente; um capitalismo de direcção
central com áreas especiais para investidores estrangeiros que favorecera, por
contaminação, o nascimento de uma classe empresarial e de uma classe média
local.
Dessas
reformas decorreria, em poucos anos, o grande salto em frente da economia
chinesa, que se tornaria a segunda economia do planeta.
Terá
o sistema colegial instituído por Deng
ficado em causa neste 20º Congresso? Xi parece disposto a deixar de ser um
cordato primus inter pares, como os seus antecessores, para assumir uma direcção personalizada e centralizadora. E
na hora da inauguração do Congresso, e no seu decurso, não houve oposição
visível aos seus intentos entre os mais de dois mil delegados.
Embora longe do terror maoísta e dos
desastres e tragédias ligados ao Grande Salto em Frente e à Revolução Cultural,
Xi e a China atravessam um período complicado, e uma mudança do sistema dentro
do sistema terá sempre custos.
Em democracia ou em autocracia, os governos estáveis
são, em regra, oligarquias.
Nas autocracias modernas podem surgir momentos
monocráticos de governo pessoal, como foram o hitlerismo, nos anos
da guerra, o estalinismo, entre 1934 e 1953, ou o maoísmo, a partir da
Revolução Cultural. Nas democracias,
sobreveio por vezes a oclocracia,
mas a oligarquia partidária, com a classe política a partilhar o poder com
alguns empresários, com a tecnoburocracia dos negócios, pública e privada, e,
na margem, com algum poder mediático e cultural é a regra.
Tudo isto depois da crise estudantil
de Tiananmen, que afastou os dirigentes “moles” ou “liberais”: a União
Soviética estava a dissolver-se e a última coisa que os líderes comunistas
chineses queriam era um Gorbatchev.
Também
por isso, Jiang
Zemin insistiu, em
1991, nos cânones ideológicos, sublinhando que a “luta de classes na China”
estava para durar e que era preciso combater a “liberalização burguesa”,
conseguindo, assim, manter um discurso comunista ortodoxo e prosseguir
com as reformas económicas capitalistas.
Nos
seus últimos anos de kingmaker, Deng tinha posto na calha Hu Jintao para sucessor de Jiang
Zemin. Zemin, por sua vez, fora colocando os seus protegidos nos colectivos
do Partido, das Forças Armadas, da Segurança de Estado e do Sector Público
empresarial.
Hu
Jintao teve uma liderança discreta em tempos de crescimento económico. Xi
foi favorecido por Jiang Zemin como sucessor
de Hu Jintao e usou a
campanha anti-corrupção para neutralizar inimigos, reais ou potenciais. Agora, já não tem oposição entre os “mais
velhos”: Jiang Zemin está com 96 anos e problemas de saúde e Hu Jintao
desapareceu da vida pública, tendo, entretanto, Xi saneado preventivamente muitos
dos seus seguidores.
Xi não chegou aonde está facilmente.
Aos 14 anos, na altura em que o seu pai foi perseguido pela Revolução Cultural,
ouviu os Guardas Vermelhos dizerem-lhe que “o podiam matar cem vezes”. Passou
um mau bocado, como muitos filhos de notáveis durante a Revolução Cultural, mas
organizou-se para sobreviver; e no pós-maoísmo fez a carreira clássica do
quadro partidário brilhante.
A China e a crise da ordem liberal
internacional
A
guerra da Ucrânia beneficiou a posição da China no seu duelo pela hegemonia com
os Estados Unidos, duelo que já
não é apenas virtual e que lançou a
Rússia nos braços de Pequim.
Se bem que a posição chinesa oficial seja cautelosa e diplomaticamente correcta
– proclamando a necessidade de diálogo entre os beligerantes para uma paz
negociada – a verdade é que a China
tem apoiado Moscovo. Houve até
o reviver de alguma da cumplicidade da Guerra Fria; e com as divisões internas
nos países membros da NATO e na opinião pública norte-americana, Xi e os seus
têm todas as razões para se regozijar.
A
posição da Administração Biden de “coligar as democracias” contra a Rússia
mostrou que uma grande quantidade de Estados – do Golfo Pérsico, de África, da
América do Centro e do Sul – não alinhava com as sanções à Rússia, e que o bloco
ocidental puro e duro se resumia à NATO, à EU aos países da ASEAN. Entretanto nos países europeus, com a
crise e a inflação, as opiniões públicas – em França, em Itália e em Espanha –
podem estar a mudar, exigindo maior prudência nas relações com os beligerantes
e menor entusiasmo no apoio a Kiev.
Esta pode também ser a posição de um
Congresso americano dominado pelos Republicanos, como já foi advertindo Kevin
McCarthy, líder do Partido nos Representantes.
O Partido e a Segurança
Se
algumas dúvidas houvesse quanto aos entraves aos planos de Xi Jiping para
consolidação do poder, essas dúvidas
desapareceram no Congresso. Quanto
à cooptação e confirmação dos mais altos dirigentes do Partido, os 2300
delegados têm agora a missão de eleger os 205 membros efectivos do Comité
Central e os 171 suplentes. Terão também de eleger os 25 membros do Politburo,
e, no topo dos topos, os sete (ou nove) membros da Comissão Permanente do
Politburo.
A China é uma autocracia oligárquica
estabilizada, mas poderá deixar de o ser com a concentração do poder nas mãos de Xi Jinping.
Os
paralelos com Mao parecem evidentes, mas além da analogia da situação e da
tentação, não é de crer que o frio, racional e realista Xi se preste a ser uma
réplica do Grande Timoneiro, sobretudo do tirano arbitrário, caprichoso e com
facetas paranóicas dos anos finais.
No
seu discurso inaugural de cerca de duas horas, Partido e Segurança foram palavras repetidas à
exaustão.
O
Partido Comunista Chinês, era e continuava a ser o grande agente do
ressurgimento da China que, nos últimos dez anos, se notabilizara no combate à
corrupção, na melhoria de vida da população, na eliminação da dissidência em
Hong Kong, no crescimento da influência internacional e no controlo da epidemia
COVID-19. Xi não referia, entretanto, os reveses desses sucessos: o descontentamento popular perante os confinamentos
COVID-19, o efeito negativo em Taiwan da repressão de Hong Kong, a crise da
economia e do endividamento, as consequências das sanções americanas na área
tecnológica.
A Segurança
Nacional era a pedra angular de toda a
reconstrução da China e Xi falava também da Iniciativa para a Segurança Global,
que já anunciara no Fórum de Boao, o chamado “Davos asiático”. Não se alongou sobre a questão de Taiwan; mas a reintegração
da Ilha, em tempo a
definir, continuava a ser um objectivo prioritário, indissociável do
ressurgimento da nação chinesa e da sua integridade territorial.
Por
agora, e apesar das pressões e manifestações de força (como a desencadeada pela
visita de Nancy Pelosi à Ilha), o tempo e o modo da reunificação permanecem
ainda por definir, sendo certo que uma acção armada desencadearia uma
reacção também armada dos Estados Unidos e dos seus aliados regionais, como o
Japão, a Austrália e a Coreia do Sul. Daí que Xi tenha também insistido no
reforço da capacidade militar chinesa, especialmente da Marinha.
Jiang
Zemin e Hu Jintao tinham dado uma nota pragmática da sua gestão do partido e do
poder, aparentemente sem grandes enunciados ou compromissos ideológicos. Ao
contrário, Xi, além de exercer um maior controlo estatal sobre as empresas,
tendo posto em sentido alguns grandes empresários aparentemente esquecidos do
seu lugar e das regras do jogo, como Jack Ma, o homem da Ali Baba, mostra-se
mais preocupado com as questões ideológicas e doutrinais. O líder chinês
avançou mesmo com a fórmula “socialismo
com características chinesas para a nova Era”.
Recuperar Marx
Mais.
No segundo centenário do nascimento de Karl Marx, em 5 de Maio de 2018, Xi já
definira o autor de O Capital como “o maior pensador da História da
Humanidade”, declarando-se convicto “da verdade científica do Marxismo”.
Uma
leitura mais atenta do “marxismo” de Xi, mostra que, para o Presidente da
China, o pensamento do pai fundador deve ser adaptado ao tempo e à cultura
local e interpretado consoante. Georges Sorel não disse melhor nem diferente,
quando sublinhou a importância e a utilidade dos “cânones de interpretação da
realidade” de Marx – advertindo, entretanto, para o perigo de, à semelhança do
que fizeram e fazem muitos discípulos do autor do Manifesto Comunista, se
tomarem por dogmas o que eram cânones.
Xi,
um líder que parece capaz de juntar a prática à estratégia política – a definição
do amigo e do inimigo em forma pensante e dialéctica – quer restaurar a
plena autoridade do Partido sobre o Estado e sobre a sociedade, sem, no
entanto, interromper o desenvolvimento da economia chinesa e a sua presença no
mundo globalizado.
Quem
seguiu a história da China sabe que é da história de uma potência milenar que
se trata – ainda que caída em século e meio de humilhação às mãos de “bárbaros”
ocidentais, então militarmente superiores. Xi é um líder com consciência
histórica destes factos e da importância do nacionalismo chinês, um líder para
quem o marxismo-leninismo é uma teoria útil e multiusos, um instrumento
ideológico ao serviço do Partido e do seu poder.
É,
assim, dentro do “Sonho Chinês” do novo Timoneiro que podemos e devemos entender
esta recuperação de Marx e do Marxismo. Talvez por isso, em 2018, num artigo do
número de Outono da revista de esquerda americana Dissent, Timothy
Cheek e David Ownby tenham escolhido para título um irónico “Make China Marxist
Again”.
… Marxist, mas, acima de tudo,
grande e poderosa.
A SEXTA COLUNA CRÓNICA OBSERVADOR CHINA MUNDO COMUNISMO POLÍTICA
COMENTÁRIOS:
Jorge Carvalho: Excelente como
sempre. Obrigado JNP Rui
Lima: Eles mandam, o Ocidente obedece, será que
a China permitiria isto nas suas terras? Com frases como abaixo o capitalismo
no momento da inauguração da estátua de Karl Marx em Trier, pelos 200 anos do
seu nascimento nesta cidade alemã, está perto da famosa “ Porta
Nigra”. A escultura de bronze, que tem 5,50 metros de altura,
incluindo o pedestal, e pesa mais 2,3 toneladas, é um “presente” da China. Xico Nhoca: Bom artigo como de costume. Tanto quanto vi no
worldfactbook a China já tem o maior PIB do mundo. Em segundo estão os
EUA.
servus inutilis: Que
chorrilho de banalidades. Oclocracia é só pour épater le bourgeois.
Políbio aqui não pinta nada. O que não oculta é aquele fraquinho costumeiro por
ditadores, perdão, por autocratas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário