Um destemor sem paralelo, num
país sem pudor.
Ao contrário do dr. Costa, a
realidade não engana
Dado que a trapaça do “apoio às
famílias” acabou rapidamente desmontada, o dr. Costa viu-se obrigado a recorrer
a múltiplos delírios socialistas, na esperança, razoável, de que se tornassem
colectivos
ALBERTO GONÇALVES,
Colunista do OBSERVASDOR
OBSERVADOR, 01 out 2022, 00:226
Na
quarta-feira, o seguinte texto surgiu no Twitter do dr. Costa: “A Linha de Alta
Velocidade Lisboa-Porto-Vigo traduz as grandes opções estratégicas que
definimos para #Portugal em 2015: estarmos na primeira linha da luta
contra as alterações climáticas, mudando o paradigma de mobilidade e investindo
na ferrovia, e promovermos a coesão interna.”
É
escusado apurar se o autor disto foi o dr. Costa ou um empregado. A
linguagem de trapos, a estonteante sucessão de clichés ordinários e a
proliferação de patranhas chegam e sobram para consagrar um estilo. Se não chegassem, e sobrassem, o estilo seria
evidente na fotografia que acompanha o texto: uma imagem do dr. Costa em
típica gargalhada, rodeado por figurinhas do socialismo autárquico, todas a rir
em obediência ao chefe, todas com as mãos papudas cruzadas sobre os abdómens
dilatados. Banha-da-cobra, de facto. Uma pessoa olha para aquilo, palavras
e imagem, e percebe imediatamente estar no movediço terreno da tramóia, e das
criaturas a evitar com o zelo com que se evita a rubéola.
Uma
pessoa, vírgula. Nunca devemos subvalorizar a inclinação de boa parte da
humanidade para acreditar em mentirosos flagrantes. Uma parte, felizmente
menor, até acredita em políticos. E uma parte menoríssima, infelizmente com
residência em Portugal, acredita no dr. Costa. É para estes que o dr. Costa
fala e, no sentido muito livre e irresponsável do termo, “governa”. E é deles
que o dr. Costa ri.
Se repararam, a referida patranha
trata dos comboios velozes, que agora
se anunciam para 2030 como em 1999 o eng. Guterres, pai espiritual desta gente,
os anunciara para 2009, e como em 2009 o eng. Sócrates, esse, os anunciara para
2013 ou lá quando era. Há aqui um
padrão, um técnica comum: sempre
que a crise aperta, e as intrujices triviais não são suficientes, acena-se com
alucinações de prazo longo ou indefinido, e de benefício pelo menos discutível.
Entretanto, ganha-se tempo para fazer o que é preciso: distribuir fortunas
pornográficas entre amigos para “estudos” e adjudicações apressadas e convencer
o eleitorado de que vem aí o próximo “desígnio nacional”, por estapafúrdio ou
insultuoso que seja.
Na crise estrutural a que descemos, e
que é uma mera antecipação da desgraça sem retorno a que desceremos em breve,
os “desígnios” voltam à ribalta, na habitual mitificação de Grandes Obras que
se justificam somente pela grandeza das verbas envolvidas. A “alta velocidade” ferroviária, cuja serventia, pertinência ou viabilidade não se
discutem, é apenas um exemplo. Dado que a trapaça do “apoio às
famílias” acabou rapidamente desmontada, o dr. Costa viu-se obrigado a recorrer
a múltiplos delírios socialistas, na esperança, razoável, de que se tornassem
colectivos.
Outro
dos delírios é a TAP, perdão, que a TAP vai à vida dela após 4 mil milhões
impecavelmente investidos. O delírio a que me refiro é o
“novo” aeroporto “de Lisboa”. Uma
curiosidade sobre o novo aeroporto de Lisboa é o consenso em construí-lo onde
calhar excepto em Lisboa,
na Ota ou no Montijo, em Alcochete ou Santarém, em Vermoim ou Ponte da Barca.
Uma segunda curiosidade é o consenso em construí-lo, ponto: é
fascinante que uma necessidade sentida há 53 anos, quando a Portela recebia à
rasquinha 2 milhões de passageiros/ano, continuou a ser sentida em 2019, quando
a Portela continuava a receber à rasquinha 27 milhões de passageiros, e
continua a ser sentida hoje, quando a Portela continua a receber à rasquinha
uns 22 milhões de passageiros. Quantos
estrangeiros deixam de visitar o nosso lindo cantinho por falta de vaga no
actual aeroporto da capital? Ninguém sabe, ninguém quer saber. À semelhança do que acontece com os comboios, o
objectivo é anunciar pechisbeques vistosos, torrar dinheiro nos respectivos
preliminares e encolher os ombros no momento em que a coisa cair no
esquecimento ou nos tribunais. Não tarda, movido pelo excesso de desespero ou
pela carência de vergonha (é complicado distinguir), o dr. Costa anuncia um
foguetão de patente nacional.
Falta
só um bocadinho. Há duas semanas, o dr. Costa lembrou a existência da
Agência Espacial Portuguesa, que bem precisava ser lembrada. Daqui a jurar que
Portugal colonizará Marte em 2045, por causa das “alterações climáticas” e do
“paradigma da mobilidade”, é um saltinho. Um saltinho que um vendedor de
fancaria executa sem qualquer dificuldade. Enquanto por cá andar, o vendedor de
fancaria dará saltos cada vez maiores.
A questão é que o dr. Costa pode
prometer tudo e os portugueses podem engolir tudo. Ao contrário dele, a
realidade não engana, e entra dia após dia pelos rombos abertos de um país em
frangalhos, governado por matraquilhos e presidido por um entertainer. É o
clássico círculo vicioso: à medida que o presente fica insuportável, são de
esperar mais “apostas no futuro”, mais “opções estratégicas”, mais mentiras
desmesuradas. E mais miséria, verdade seja dita. Mas, em Portugal,
a verdade não se diz.
ANTÓNIO
COSTA POLÍTICA AEROPORTO DE
LISBOA AEROPORTOS AVIAÇÃO MUNDO TGV COMBOIOS TRANSPORTE
FERROVIÁRIO TRANSPORTES PAÍS
COMENTÁRIOS:
Maria Silva:
ADOREI!!! Excelente, como sempre
e, como sempre, muito obrigada por estar aí desse lado, dar voz às nossas vozes
que ninguém ouve e não se cansar. Já lá vou pôr o "adoro”.
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