quinta-feira, 23 de março de 2023

Avozinha, porque tens a boca tão grande?


- É para te comer melhor, minha netinha…

O desespero de Putin

Ninguém sabe como Putin vai abandonar o poder, mas sabemos que a dependência em relação à China será uma das heranças mais pesadas que deixará ao seu sucessor.

JOÃO MARQUES DE ALMEIDA Colunista do Observador       OBSERVADOR, 22 mar. 2023

Quando trabalhei em Bruxelas, na Comissão Europeia, recebemos uma delegação de diplomatas e funcionários russos para uma reunião na véspera de uma Cimeira entre a União Europeia e a Rússia. Depois da reunião, oferecemos um jantar à delegação russa num restaurante no centro de Bruxelas. Fiquei sentado ao lado de um diplomata russo que trabalhava sobre a União Europeia.

No fim do jantar, depois de uma conversa muito interessante com um diplomata inteligente e culto, disse-me. “Sabe, tal como as pessoas, os países têm dois tipos de problemas: os problemas sobre os quais falam durante o dia, e os problemas que não os deixam dormir à noite. O nosso problema do dia é o poder dos Estados Unidos. O problema da noite é o crescimento da China.

Lembrei-me desta conversa quando vi as imagens da visita de Xi a Moscovo. A visita de Xi nada tem a ver com o plano de paz proposto pela China, aliás uma farsa diplomática. Como se pode chamar uma proposta de paz a uma declaração que não exige a retirada das tropas ocupantes do território ocupado? Uma potência ataca e ocupa cerca de 20% do território de um país mais pequeno e mais fraco, e depois aparece uma segunda potência que faz uma proposta de paz que consagra a ocupação territorial. E há quem chame a isto paz.

Imaginem dois vizinhos. Um deles tem uma enorme quinta, o outro tem uma casa mais pequena com um jardim razoável. O dono da quinta grande resolve ocupar parte do terreno do vizinho que se defende como pode, e com a ajuda de outros vizinhos que não querem ver as suas casas ocupadas no futuro. Entretanto chega o proprietário de outra quinta e diz “o dono da quinta fica com o terrenho que ocupa, mas deixem de lutar.” Qual dos leitores, se fosse o vizinho do grande proprietário, aceitaria a proposta do outro grande proprietário? Por que razão a Ucrânia deveria aceitar as propostas da China?

Obviamente, a China não pediu a retirada das tropas russas da Ucrânia porque sabe que não tem o poder suficiente para forçar Putin a retirar. O Presidente russo também não quer um acordo de paz. Putin precisa do apoio militar da China. Veremos se Xi aceita enviar material militar para a Rússia. Mas enquanto decide, vai aprofundando a dependência da Rússia em relação à China.

A Rússia está a transformar-se num dos principais fornecedores de matérias primas para a China, indispensáveis para a industrialização chinesa. E Pequim está a tornar-se o principal investidor estrangeiro na Rússia e o maior vendedor de tecnologia, como semi-condutores, indispensável para manter o esforço de guerra.

Ninguém sabe como Putin vai abandonar o poder, mas sabemos que a dependência em relação à China (os nossos Marxistas domésticos ainda se lembram das teorias da dependência?) será uma das heranças mais pesadas que deixará ao seu sucessor.

A aliança é entre Xi e Putin. De resto, há uma enorme desconfiança mútua entre as elites económicas, militares e políticas dos dois países. A China e a Rússia partilham uma das maiores fronteiras do mundo. Num mundo multipolar, as hipóteses de conflitos entre potências vizinhas aumentam consideravelmente. A China e a antiga União Soviética entraram na década de 1960 numa camaradagem sem limites. Saíram da década com confrontos armados na fronteira entre os dois países.

RELAÇÕES INTERNACIONAIS   POLÍTICA   CHINA   MUNDO   VLADIMIR PUTIN   RÚSSIA

COMENTÁRIOS:

Ana Torres: A Rússia não quer a paz e a China está-se a marimbar para a paz e para os ucranianos, a viagem resume-se aos interesses económicos de ambos e a Europa devia fazer o mesmo, aliás, como constatamos durante a pandemia e rapidamente foi esquecido, o importante é a reindustrialização da Europa e a diminuição da dependência do comércio com a China. Quanto à Rússia ficar na mão ou dependente da China, quero lá saber que se matem os dois que o mundo ficaria muito melhor!                João Ramos: O mundo está a ficar um caso muito sério. A Europa Ocidental, depois da queda da URSS e do começo da globalização, achou que era mais inteligente e que não precisava de se defender (tinha o “chapéu de chuva americano) e preocupou-se apenas com o comércio, descurou a industrialização, tão bem aproveitada pela China que muito inteligentemente foi crescendo ao ponto de poder hoje ser a 2a maior potência económica (a caminho de ser a 1a) . A Europa comodamente acordou tarde e hoje não passa de um “gigante com pés de barro”, praticamente não conta para nada, apenas conta alguma coisa enquanto os EUA quiserem e deixarem… vamos ver no que isto vai dar???                Luis Figueiredo: A guerra na Ucrânia e a fragilidade da Rússia e de Putin deu um enorme bónus à China: meteu no bolso a Rússia, e tornou-a Sino-dependente nas próximas décadas. 1-0 China vs Ocidente. Mas também tornou o Ocidente e a Nato mais unidos do que nunca: 1-1. Aumentou a influência e área de influência da NATO em área (Finlândia e Suécia) e em real peso: 1-2. E fez mudar vontades políticas tornando pacifistas, ingénuos, verdes, esquerdas, etc., incapazes de travar o óbvio: o mundo actual é perigoso e o Ocidente tem que se rearmar. Aumento dos gastos de defesa, rearmamento, etc. : 1-3. Nova aliança Austrália/UK/USA com submarinos nucleares a serem adquiridos pela Marinha Autraliana: 1-4. Arábia Suadita a sair da esfera americana: 2-4.  

Francisco Almeida: Estou surpreendido pela negativa. Nenhum comentador do Observador seleccionou os dois factos que considero os mais importantes, de facto mais ameaçadores, para o ocidente, com relevo para a Europa: 1. O acordo Irão-Arábia Saudita patrocinado pela China; 2. A próxima eleição na Turquia em que o opositor de Erdogan é um azeri.                  João Eduardo Gata: E a China não se esquece que desde meados do séc. XIX a Rússia ocupa cerca de 1 milhão de km2 da China no leste da Sibéria, os chamados territórios do rio Amur, incluindo a cidade portuária de Vladivostok. Essa ocupação foi fruto de um tratado que a Rússia Imperial obrigou a China Imperial enfraquecida a assinar, tal como no caso da China Imperial e do então Império Britânico no caso de Hong-Kong, território bem mais pequeno que os territórios do rio Amur, ocupados pela Rússia. O tempo chegará em que a China exigirá a devolução desse 1 milhão de km2 a uma Rússia cada vez mais enfraquecida e decadente.               Lourenço de Almeida: A China foi o motivo pelo qual, numa altura em que o Ocidente virava as costas e os USA ainda não ligavam boia a África - nos anos 60 e início dos anos 70, quando o Vietnam abria os telejornais - a URSS se apressou a tentar abocanhar o máximo possível do continente. Os comunistas sempre se preocuparam muito mais com a concorrência interna do que com os seus inimigos declarados. O Estalin não andou décadas a assassinar capitalistas mas sim comunistas divergentes. O PCP inviabilizou o Partido da Democracia Cristã, o Partido Liberal mas o que lhe interessava mesmo - e conseguiu logo em 1975 - era proibir o MRPP de ir a eleições porque enquanto o PCP era uma agência soviética, o MRPP era a concorrência da China Maoista. A URSS tinha muito melhores relações com o mundo livre do que com a China e a China foi reabilitada no panorama internacional pelo Ocidente e contra a URSS. A dependência da Rússia à China é o maior tiro no pé que os ex-soviéticos que mandam na Rússia poderiam dar e mostra o desespero de quem, sabendo-se incapaz, prefere aliar-se ao mais antigo inimigo do que àqueles que poderiam ajudá-lo a ser um país normal ao fim de mais de um século de aberrações.                Francisco Almeida > Lourenço de Almeida: Até agora o comentário mais realista que li. Mas a Rússia deu esse tiro no pé logo em 2014 com a invasão do Donbass e a ocupação da Crimeia. A reacção do ocidente foi tíbia, para dizer o menos mas só a retirada do apoio do BERD que apoiava a modernização industrial da Rússia com milhões de euros anuais só por si foi um enorme preço a pagar.                Eduardo L > Lourenço de Almeida: Parece-me que a grande diferença está na lupa que o ocidente usa para analisar, comentar e decidir sobre Rússia e China e outros. Tanto Xi como Putin são 'líderes' políticos que funcionam num registo de século XIX enquanto que os ocidentais funcionam no registo do século XXI. Um país normal aos nossos olhos não é a mesma coisa que para eles. Não defendo nem um nem outro. Só digo que o Ocidente tem que parar e realizar que está a perder 'terreno' - população e economia - na escala mundial e terá que rever a sua posição de querer impor aos outros o seu modelo de sociedade  - esta posição inclui alguma dose de arrogância para não dizer resquícios de colonialismo. Dito isto e tendo vivido em vários países de leste, incluindo a Rússia, considero a Europa Ocidental o melhor sítio para se viver.            João Alves: Só é lamentável que uma parte dos nossos generais, entre os quais um ex-CEME, ainda não tivesse percebido que o guião para a paz proposto pela China mais não é do que uma consagração das conquistas territoriais feitas pela Federação Russa na Ucrânia, ao não exigir a retirada das tropas russas dos territórios invadidos e anexados e ao defender o respeito pelas fronteiras, o que indirectamente se traduziria na derrota geoestratégica do chamado ocidente alargado.            João Floriano: Este artigo soube-me a pouco. Já o mesmo aconteceu com o texto da Dra. Helena Garrido. É coincidência, impressão minha ou à semelhança das embalagens do supermercado, vai haver uma redução da quantidade do conteúdo? Em relação à intenção dos chineses, não acredito nesta pomba da paz, tão interessada numa nova ordem mundial em que o principal antagonista será os EUA e não a Rússia. E enquanto se vão promovendo a nível mundial e desgastando o Ocidente, os chineses vão usufruindo de matérias-primas baratas. Grande negócio pois é a China que mais lucra com o calvário ucraniano. Os custos chegarão não daqui a muito tempo quando Putin verificar que nunca mais se livra dos chineses do mesmo modo que nunca nos conseguimos livrar do pé de atleta e que o convite para a instalação de empresas chinesas vai dar ainda piores resultados do que a cooperação da  senhora Merkel .             João Floriano > Maria Paula Silva: O Xi já andou a fazer cálculos. Se diz que até 2027 põe os pés em Taiwan, é porque sabe do que está  a falar. Para além de ser muito mais manhoso do que Putin e o seu staff todo junto, foram anos e anos de instalação chinesa, sendo que a paciência do chinês não é mito mas realidade. Maria Paula Silva > João Floriano: Exactamente. Silenciosos, discretos e pacientes. Infiltram-se sem se dar por isso, e quando se dá já lá estão há décadas. Quando esteve em Lisboa, em 2018, também disse numa entrevista "em 2025 o mundo é meu".  Nunca mais me esqueci dessa frase.  Falta pouco.....    -………………………

Nenhum comentário: