Digo, Stalin e Hitler. Pelo menos nos países deles, e nos de que eles se
assenhorearam. Hoje, não, seguimos uma linha democrática para a qual
contribuíram aqueles a quem amámos de coração e de razão, esses Sartres e essas
Simones, devoradores da vida e do pensamento, sem nos apercebermos bem onde
iria chegar tanta doutrinação libertária, de fraternidade e igualitarismo
social, mas que, feitas bem as contas, só poderia chegar onde chegou. Nós,
portugueses, que não gostamos grande coisa de estudar, e sempre primámos pelo “clangor
sem fim” das turbas, ainda vá que não vá, hoje como outrora, sempre cantando e
rindo, embora dantes, mais ordeiramente, que o sonho era lindo e o sol dourava
em Portugal. Agora os Franceses que tanto admirámos ao longo do nosso percurso imitativo,
enfiarem-se assim no clangor, a imitar-nos a nós… não dá para entender, apesar
da Revolução Francesa dos primórdios da fraternidade sensível às explorações,
mas que descambou nisso mesmo, na Revolução Francesa das turbas e do clangor,
mais os muitos incidentes de ódios e repúdios selváticos… O Dr. Salles, vê-se
que sofre com isso, ele que mostrou amar a sua pátria, e bem faz por no-lo
fazer sentir. Mas a bestialização está muito viva hoje, e pelos vistos não é só
por cá e o nosso contributo tem sido precioso, ao que se verifica, que até nos
deixa embatucados, por pertencermos, geralmente, às caudas.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 27.03.23
O
chafurdo e o escarafuncho a que os órgãos da comunicação social se dedicam com
afinco nas lamas dejectadas e nas feridas sociais tem como objectivo evidente a
denúncia de ocorrências pecaminosas, mas visa – também claramente – instigar as
turbas contra as autoridades e as elites que apresenta como venais e
incompetentes, tipificações estas apresentadas isolada ou cumulativamente. Pena
é que tanto autoridades como elites se ponham tanto a jeito.
Este «martelar» constante é necessário como denúncia
de situações que não podem ser escondidas, é algo que só existe em democracia,
ou seja, onde há liberdade de informação e onde a desinformação é punível, mas…
…resulta
da busca do sensacionalismo;
…explora
a morbidez sanguinária que se compraz com o castigo no pelourinho;
…incita
a inveja contra quem se sentiu tentado pela sorte sem escrúpulos;
…desperta
os ânimos revolucionários das bases sociais…
…voluntarismo
virtuoso?
Não creio. Digo que se trata de um movimento de génese
virtuosa que se transformou num instrumento de supremacia popular em relação às
Autoridades de toda a espécie fazendo da desacreditação de toda a autoridade a
missão que se auto atribuiu.
E se
as denúncias dos abusos públicos e privados são um bom complemento (ou
suplemento?) da actividade policial merecem aplauso, colhe perguntarmo-nos da
legitimidade do incendeio do clangor das turbas quando se trata de contestar
medidas de política democraticamente implementadas. Isto, porque temos uma «ágora»
onde se discutem os temas de política, ou seja, a Assembleia da República,
órgão supremo da representatividade democrática. A comunicação social não tem
legitimidade democrática para incentivar acções de rua. Noticiar não significa opinar
com intuitos de mobilização das turbas. Fazendo-o, deixam transparecer intuitos
lobistas, manipuladores.
Acções
de rua – vg professores em Portugal e
incendiários em França – despertam
expressões escarninhas em Stalin e em Hitler lá nas tumbas em que se encontrem.
Democracia
implica liberdade; liberdade implica responsabilidade; libertarianismo é
destruidor da autoridade democrática e do respectivo conceito de liberdade;
libertarianismo é democraticamente criticável; em democracia, o clangor das
turbas é um absurdo.
APELO
CONCLUSIVO
Chafurdem, mas não escarafunchem.
Março
de 2023
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIO:
Adriano Miranda Lima 07.04.2023 00:45:
Sr. Dr. Salles
da Fonseca, o meu vibrante aplauso para este seu lúcido e acertado artigo. A
baderna a que vimos assistindo no país, em parte por decalque do que acontece
com os desvairados franceses, está a deixar-me seriamente preocupado com o
futuro da nossa democracia. E quem diz da nossa poderá dizê-lo de outras mais
por aí fora. É escandaloso o papel que a comunicação social tem tido entre nós,
parecendo mais um instigador da desordem social do que um instrumento ao
serviço da informação e da formação do povo. Não tarda e fica livre a via para o
autoritarismo e a ditadura, bastando que os partidos extremistas (à esquerda e
à direita) continuem a tecer a sua teia e que o PSD continue a colar-se a
estratégias de contestação puras e e duras, sem cuidar de reflectir sobre o seu
legado como partido fundador desta segunda república.
Estou a ler um livro de Timothy Snyder intitulado O caminho para o fim da liberdade, que é bastante elucidativo
sobre os maus sinais que pairam no horizonte. A sinopse sobre o livro explita:
"Com o fim da guerra fria, a vitória da democracia liberal foi dada como
garantida, mas actualmente sabemos que esta perspectiva foi prematura. O
autoritarismo voltou a ser instituído na Rússia quando Putin desenvolveu um
sistema político em torno da consolidação e do exercício do poder. Nos últimos
seis anos, esse poder difundiu-se de leste para oeste, à medida que o nacionalismo
começou a inflamar a Europa, encorajado pela propaganda e pela guerra
cibernética russa. Enquanto países como a Polónia e a Hungria geraram
reviravoltas árduas em direção ao autoritarismo, os problemas eleitorais de
2016 revelaram que os cidadãos dos EUA e do Reino Unido se revoltaram contra as
políticas e os valores de longa data dos seus países. Neste trabalho consistente e rigoroso sobre história
contemporânea, Timothy Snyder expõe a verdadeira natureza da ameaça à
democracia. Ao dar conta das escolhas
cruéis — entre igualdade e oligarquia, individualidade e totalidade, verdade e
falsidade — o historiador restabelece a nossa compreensão do mundo e do modo
como vivemos, oferecendo-nos um caminho para a inservidão, a percorrer num
momento de terríveis incertezas." Um abraço amigo e Boa Páscoa Adriano Lima
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