terça-feira, 28 de março de 2023

Mas eles não eram democratas


Digo, Stalin e Hitler. Pelo menos nos países deles, e nos de que eles se assenhorearam. Hoje, não, seguimos uma linha democrática para a qual contribuíram aqueles a quem amámos de coração e de razão, esses Sartres e essas Simones, devoradores da vida e do pensamento, sem nos apercebermos bem onde iria chegar tanta doutrinação libertária, de fraternidade e igualitarismo social, mas que, feitas bem as contas, só poderia chegar onde chegou. Nós, portugueses, que não gostamos grande coisa de estudar, e sempre primámos pelo “clangor sem fim” das turbas, ainda vá que não vá, hoje como outrora, sempre cantando e rindo, embora dantes, mais ordeiramente, que o sonho era lindo e o sol dourava em Portugal. Agora os Franceses que tanto admirámos ao longo do nosso percurso imitativo, enfiarem-se assim no clangor, a imitar-nos a nós… não dá para entender, apesar da Revolução Francesa dos primórdios da fraternidade sensível às explorações, mas que descambou nisso mesmo, na Revolução Francesa das turbas e do clangor, mais os muitos incidentes de ódios e repúdios selváticos… O Dr. Salles, vê-se que sofre com isso, ele que mostrou amar a sua pátria, e bem faz por no-lo fazer sentir. Mas a bestialização está muito viva hoje, e pelos vistos não é só por cá e o nosso contributo tem sido precioso, ao que se verifica, que até nos deixa embatucados, por pertencermos, geralmente, às caudas.

«DAS TURBAS, CLANGOR SEM FIM»

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 27.03.23

O chafurdo e o escarafuncho a que os órgãos da comunicação social se dedicam com afinco nas lamas dejectadas e nas feridas sociais tem como objectivo evidente a denúncia de ocorrências pecaminosas, mas visa – também claramente – instigar as turbas contra as autoridades e as elites que apresenta como venais e incompetentes, tipificações estas apresentadas isolada ou cumulativamente. Pena é que tanto autoridades como elites se ponham tanto a jeito.

Este «martelar» constante é necessário como denúncia de situações que não podem ser escondidas, é algo que só existe em democracia, ou seja, onde há liberdade de informação e onde a desinformação é punível, mas…

…resulta da busca do sensacionalismo;

…explora a morbidez sanguinária que se compraz com o castigo no pelourinho;

…incita a inveja contra quem se sentiu tentado pela sorte sem escrúpulos;

…desperta os ânimos revolucionários das bases sociais…

…voluntarismo virtuoso?

Não creio. Digo que se trata de um movimento de génese virtuosa que se transformou num instrumento de supremacia popular em relação às Autoridades de toda a espécie fazendo da desacreditação de toda a autoridade a missão que se auto atribuiu.

E se as denúncias dos abusos públicos e privados são um bom complemento (ou suplemento?) da actividade policial merecem aplauso, colhe perguntarmo-nos da legitimidade do incendeio do clangor das turbas quando se trata de contestar medidas de política democraticamente implementadas. Isto, porque temos uma «ágora» onde se discutem os temas de política, ou seja, a Assembleia da República, órgão supremo da representatividade democrática. A comunicação social não tem legitimidade democrática para incentivar acções de rua. Noticiar não significa opinar com intuitos de mobilização das turbas. Fazendo-o, deixam transparecer intuitos lobistas, manipuladores.

Acções de rua – vg professores em Portugal e incendiários em França – despertam expressões escarninhas em Stalin e em Hitler lá nas tumbas em que se encontrem.

Democracia implica liberdade; liberdade implica responsabilidade; libertarianismo é destruidor da autoridade democrática e do respectivo conceito de liberdade; libertarianismo é democraticamente criticável; em democracia, o clangor das turbas é um absurdo.

APELO CONCLUSIVO

Chafurdem, mas não escarafunchem.

Março de 2023

Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIO:

Adriano Miranda Lima 07.04.2023 00:45: Sr. Dr. Salles da Fonseca, o meu vibrante aplauso para este seu lúcido e acertado artigo. A baderna a que vimos assistindo no país, em parte por decalque do que acontece com os desvairados franceses, está a deixar-me seriamente preocupado com o futuro da nossa democracia. E quem diz da nossa poderá dizê-lo de outras mais por aí fora. É escandaloso o papel que a comunicação social tem tido entre nós, parecendo mais um instigador da desordem social do que um instrumento ao serviço da informação e da formação do povo. Não tarda e fica livre a via para o autoritarismo e a ditadura, bastando que os partidos extremistas (à esquerda e à direita) continuem a tecer a sua teia e que o PSD continue a colar-se a estratégias de contestação puras e e duras, sem cuidar de reflectir sobre o seu legado como partido fundador desta segunda república.
Estou a ler um livro de
Timothy Snyder intitulado O caminho para o fim da liberdade, que é bastante elucidativo sobre os maus sinais que pairam no horizonte. A sinopse sobre o livro explita: "Com o fim da guerra fria, a vitória da democracia liberal foi dada como garantida, mas actualmente sabemos que esta perspectiva foi prematura. O autoritarismo voltou a ser instituído na Rússia quando Putin desenvolveu um sistema político em torno da consolidação e do exercício do poder. Nos últimos seis anos, esse poder difundiu-se de leste para oeste, à medida que o nacionalismo começou a inflamar a Europa, encorajado pela propaganda e pela guerra cibernética russa. Enquanto países como a Polónia e a Hungria geraram reviravoltas árduas em direção ao autoritarismo, os problemas eleitorais de 2016 revelaram que os cidadãos dos EUA e do Reino Unido se revoltaram contra as políticas e os valores de longa data dos seus países. Neste trabalho consistente e rigoroso sobre história contemporânea, Timothy Snyder expõe a verdadeira natureza da ameaça à democracia. Ao dar conta das escolhas cruéis — entre igualdade e oligarquia, individualidade e totalidade, verdade e falsidade — o historiador restabelece a nossa compreensão do mundo e do modo como vivemos, oferecendo-nos um caminho para a inservidão, a percorrer num momento de terríveis incertezas." Um abraço amigo e Boa Páscoa Adriano Lima

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