De Luís
Soares de Oliveira sobre o artigo, como sempre claro e aparentemente
certeiro, de Teresa de
Sousa. Mas sim, Xi
Jinping está ali, sorrateiro e vigilante, olhos que olham para dentro, donde
nada transparece a não ser a ameaça “branda”.
“Velada”, preferentemente, o “branda” foi ironia, embora timorata.
A iluminada Teresa de Sousa mostra hoje no PUBLICO que sua metodologia de
análise política está cada vez mais apurada. Diz-nos que Biden tem surpreendido
pela positiva e de facto tem. Refere os dois perigos magnos que poderão afogar
a gestão Biden, designadamente a tenaz estagnação/inflação e o desafio
hegemónico chinês. No primeiro caso, Biden absteve-se de escolher e optou por
estimular os dois ganchos da tenaz - oferta e procura - em simultâneo, seguro
que um produzirá o estímulo e o outro conterá a inflação. É novidade e parece
inspirada. Resta-nos esperar os resultados . Quanto ao segundo. o Presidente
optou pelo cerco e evitou enveredar pela confrontação. Esta já não é novidade.
Voltamos à inteligência do Containment. Mas cuidado. Xi Jinping não é Kruschev
https://www.publico.pt/2023/03/12/mundo/analise/china-2042046
O que
fazer com a China
Que papel deve ter a Europa no
confronto entre a superpotência dominante e a candidata a substituí-la? O
debate vai tornar-se central.
PÚBLICO, 12 de
Março de 2023, 0:15
1. A guerra
da Rússia contra a Ucrânia está a fazer mover as peças do xadrez internacional
a uma velocidade que quase não conseguimos acompanhar. E não apenas na Europa.
Na China, Xi Jinping acaba de
ser entronado por mais cinco anos pelo Congresso Nacional do Povo no
cargo de Presidente da República Popular.
Em Outubro passado, o XX Congresso do Partido Comunista da China tinha
consagrado a sua liderança
quase absoluta por tempo
indeterminado no cargo de
secretário-geral e de presidente da Comissão Central Militar. Xi é
seguramente o mais poderoso líder chinês desde Mao. Tal como no congresso do PCC, o Congresso do Povo
elegeu oficialmente a segurança como a prioridade da China, pela primeira vez à
frente do desenvolvimento. Depois de
um ano de fraco crescimento (3% em 2022), o objectivo anunciado para 2023
também não impressiona ninguém – 5%. Apenas as despesas militares sobem 7,2%.
2. A
competição com os Estados Unidos pela hegemonia mundial é o factor determinante
da política de Pequim. O
objectivo oficial é fazer da China a potência mais poderosa do mundo em 2049, o
ano do centésimo aniversário da tomada do poder pelo Partido Comunista. Taiwan continua a ser o sítio mais perigoso
do mundo, apesar da guerra na Europa, porque pode vir a ser o “gatilho” de uma
guerra entre as duas maiores potências mundiais. Por isso,
o debate entre as elites americanas está centrado sobre qual deve ser a melhor
política face à China para evitar um conflito. Até agora, tem prevalecido a
política de contenção da expansão do poderio chinês em todos os domínios. Há um paralelismo com os anos da Guerra Fria, ao longo dos quais a política de dissuasão seguida
pelas sucessivas administrações americanas culminou da melhor forma possível: a implosão da União Soviética, sem que as
duas superpotências se tivessem chegado a confrontar directamente. Os Estados Unidos venceram a Guerra Fria
graças à sua enorme superioridade económica e tecnológica, que lhes permitia
manter o “equilíbrio do terror” com um custo relativamente baixo em gastos
militares. A URSS era obrigada a despender muitíssimo mais, à custa do baixo
nível de vida da sua população. A competição tornou-se insustentável.
Hoje, a realidade da competição entre os
EUA e a China é muito diferente. Washington
continua a manter a superioridade militar em relação a Pequim. A sua rede de
alianças permanentes à escala global não tem comparação. A China, ao contrário
da União Soviética, transformou-se numa grande potência económica e
tecnológica, capaz de competir no mesmo terreno da América. Tenta oferecer ao mundo um modelo de desenvolvimento
alternativo ao ocidental e não uma cartilha ideológica.
3. Era este
o pano de fundo das relações internacionais, quando Putin decidiu invadir a Ucrânia, desencadeando uma guerra de
alta intensidade no continente onde era considerada impossível. A União
Europeia e as suas democracias compreenderam que o seu
futuro depende, em enorme medida, do desfecho de uma guerra que se trava nas
suas fronteiras. Viu-se obrigada a alterar as prioridades da sua agenda
política. Descobriu, para lá de qualquer dúvida, que o seu destino está
estreitamente ligado ao destino dos Estados Unidos. Há ainda um elevado número de problemas a
resolver com Washington, mas a tentação da “terceira força” entre os EUA e a
China está já em vias de extinção.
Para
as autoridades de Pequim, as consequências deste realinhamento europeu são
evidentes. A China apostava na divisão entre os dois lados do
Atlântico, sobretudo no que diz respeito à economia e à tecnologia. Investiu
fortemente na União Europeia, que não precisou da guerra na Ucrânia para
começar a reflectir a sério sobre as suas relações com Pequim, nomeadamente
sobre os riscos do investimento chinês em sectores considerados estratégicos. A pandemia aumentou a desconfiança. A guerra acelerou drasticamente esta
percepção. A política chinesa da Europa tornou-se um assunto
permanente da agenda transatlântica a todos os níveis.
Foto : Ursula von der Leyen com Joe Biden
no Salão Oval da Casa Branca, no passado dia 10 de Março REUTERS/Sarah Silbiger
4. Enquanto Xi era entronado
em Pequim, Olaf Scholz e Ursula von der Leyen visitavam o Presidente Biden, em
Washington. Os
dois encontros têm tudo a ver com a Ucrânia, mas também com a rivalidade entre
Washington e Pequim e as consequências dessa competição global nos domínios da
economia e da tecnologia.
O
chanceler alemão foi a Washington no início do mês e talvez seja suficiente
dizer que, quando regressou a Berlim, a imprensa alemã noticiou que o seu
Governo estava a planear proibir os operadores de telecomunicações de utilizar
certas componentes das companhias chinesas Huawei e ZTE nas suas redes 5G.
A presidente da Comissão levou para o
seu encontro com Biden três temas essenciais
para o futuro da Europa. A coordenação do apoio à Ucrânia é a questão mais urgente. O
problema está, agora, no esgotamento dos stocks europeus de armamento – principalmente, de munições –, fruto de
três décadas de desinvestimento na defesa. Os
países europeus precisam de pôr as suas indústrias militares a funcionar a um
ritmo muito mais acelerado. Essas indústrias precisam de encomendas firmes para
virarem a sua produção para uma economia de guerra.
A Comissão já deu um primeiro passo histórico, em nome da União Europeia: atribuir
mil milhões de euros para encomendas conjuntas de munições e outro equipamento
às indústrias europeias de defesa. A aproximação das eleições presidenciais
americanas vai colocar a ajuda à Ucrânia no centro do debate político. A
argumentação dos republicanos, mesmo daqueles que defendem essa ajuda, vai
incidir sobre um maior equilíbrio entre os dois lados do Atlântico – a guerra é
na Europa, os europeus têm de contribuir, pelo menos, tanto como os americanos.
A
China já percebeu que corre o risco de pagar um preço demasiado elevado pela
sua “amizade sem limites” com a Rússia de Putin. Por isso, a sua canhestra
“iniciativa de paz” para a Ucrânia. Por isso, o regresso de uma diplomacia mais
agressiva face aos EUA
5. O
segundo tema do encontro de Von der Leyen com Joe Biden na Casa Branca incidiu
sobre outra questão fundamental: os 369 mil milhões de dólares de subsídios às
empresas americanas para investirem na transição verde. O Financial Times
noticiava na quarta-feira que a VW, o maior construtor automóvel europeu,
admitia construir a sua nova fábrica de baterias nos EUA para poder beneficiar
desses apoios (qualquer coisa como dez mil milhões de dólares). A decisão
estava dependente dos resultados da visita de Von der Leyen à Casa Branca. Que
correu bem.
Vale a pena recordar que nada disto estaria a acontecer se Donald
Trump não tivesse posto fim às negociações de um ambicioso acordo de comércio e
de investimento entre as duas margens do Atlântico (o famoso TTIP), com potencial para criar o
maior mercado do mundo. Biden tem
a visão oposta da Europa, retomando a linha seguida por quase todos os
presidentes americanos desde o Plano Marshall – quanto maior for a integração europeia, melhor para os Estados Unidos.
A relação de confiança que estabeleceu
com Ursula von der Leyen (mérito também da própria) tem facilitado a resolução
dos atritos entre Washington e Bruxelas.
Talvez menos visível no encontro de
ambos: a questão das relações com a China.
Os europeus já retiraram da guerra uma lição fundamental: a
dependência de uma potência autocrática e revisionista pode ter consequências
dramáticas. No caso da Rússia, a dependência energética. No caso da China, a dependência criada pelas cadeias de
abastecimento, pelo investimento em sectores estratégicos, pelas importações de
matérias-primas ou bens intermédios fundamentais para a indústria europeia.
Que
papel deve ter a Europa no confronto entre a superpotência dominante e a
candidata a substituí-la? O debate vai tornar-se central. A guerra veio,
provavelmente, torná-lo mais urgente.
A
China já percebeu que corre o risco de pagar um preço demasiado elevado pela
sua “amizade sem limites” com a Rússia de Putin.
Por isso, a sua canhestra “iniciativa de paz” para a Ucrânia. Por
isso, o regresso de uma diplomacia mais agressiva face aos EUA.
6. Resta
chamar a atenção para mais um efeito extraordinário da guerra de Putin. Depois de cinco anos de más relações, Londres e Paris resolveram fazer as pazes.
Com a pompa e circunstância de uma cimeira entre os dois governos no Eliseu.
Macron e Sunak anunciaram o regresso de uma “bela amizade” que os interesses
dos dois países impõem. Convém recordar que a reconciliação franco-britânica
foi precedida pela resolução da questão da Irlanda do Norte, com o novo Acordo de Windsor que Von der Leyen foi
assinar a Londres no final do mês passado. Mais uma vez, a mão “invisível” da
Administração Biden operou maravilhas junto da teimosia britânica: entendam-se
com a União Europeia (da qual nunca deveriam ter saído), que, depois, nós
estaremos disponíveis para negociar um Acordo de Comércio Livre convosco.
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