Magnífica, sim, a Ucrânia, pela sua
coragem constante. A Europa, parece antes falsa, senhorilmente distanciada de
uma participação mais fraterna, sempre loquaz e gentilmente acalorada para com
uma Ucrânia vítima da atrocidade russa, a aguentar só - com o apoio, é certo, de
armas enviadas fraternalmente, para que continue a defender-se e a defender a
magnífica Europa democrática…
Opinião
“Europa trágica e magnífica”
Talvez seja mais favorável e mais realista para a
Europa uma nova ordem multipolar, com um pólo que ainda pode garantir a sua
preponderância.
PÚBLICO, 19 de
Março de 2023, 7:00
1. Jacques
Delors tinha uma expressão particularmente feliz para captar
a “alma” europeia, que nos ajuda, tantas vezes, a entendê-la melhor: “Europa, trágica e magnífica.” A
Europa de Delors era muito diferente da Europa de hoje, mas a sua “alma” ou os
princípios fundadores com os quais quis contrariar a tragédia de sucessivas
guerras mantêm-se os mesmos. São, em boa medida, a sua grande força. Desde a
fundação da Comunidade Económica Europeia, em 1958, a Europa já atravessou
inúmeras crises, que conseguiu superar, mantendo-se fiel a esses princípios
fundadores. Hoje enfrenta, certamente, a sua maior crise de sempre: uma guerra de grandes dimensões em território europeu,
que se trava na sua fronteira Leste e que foi provocada por uma grande potência
nuclear.
2. Na sexta-feira passada, realizou-se em Lisboa um encontro, organizado
pelo European Council on Foreign Relations (ECFR) e pela Fundação Gulbenkian,
para debater, justamente, a resposta europeia à crise provocada pela guerra. O
ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, participou no painel
de debate, com o director do ECFR, Mark Leonard, e com o chefe da sua delegação
em Varsóvia, Piotr Buras. A
discussão partiu de um inquérito realizado por este think tank em nove países
da União Europeia, a que se juntou a China, Rússia, Índia, Turquia e Estados
Unidos, sobre a forma como as respectivas opiniões públicas olham para a guerra
e para as suas consequências à escala global: “Ocidente Unido, Dividido do Resto:
a opinião pública global um ano depois de guerra da Rússia na Ucrânia.” As
conclusões foram publicadas em Fevereiro deste ano e noticiadas pelo PÚBLICO.
No passado dia 13 de Março, o ECFR
publicou um novo texto sobre as conclusões deste inquérito, assinado por Mark
Leonard e Ivan Krastev, cujo título resume bem a situação actual da União
Europeia perante a maior crise que enfrenta desde a sua fundação: “Unidade
Frágil: porque é que os europeus se uniram sobre a Ucrânia (e o que pode
levá-los a dividir-se)". É um bom resumo dos dilemas que se colocam hoje à
Europa.
3. Sobre as razões pelas quais a União
Europeia conseguiu unir-se, rápida e surpreendentemente, perante a agressão
russa e agir em apoio da Ucrânia, já há um bom número de estudos que conduzem
quase todos a conclusões semelhantes: o choque e a súbita compreensão de que a Rússia era uma ameaça
directa e permanente à sua segurança; a capacidade extraordinária de
resistência do povo ucraniano; a liderança americana. No debate,
o ministro português dos Negócios Estrangeiros acrescentou uma quarta razão:
a brutalidade revelada pela Rússia no campo de batalha. Ninguém lhe
pode ficar indiferente. É certamente um dos factores que explicam o apoio
crescente da opinião pública europeia à Ucrânia.
Em Maio de 2022, o ECFR tinha realizado
um inquérito semelhante, que apenas incluía países europeus. O resultado
revelava que uma maioria, ainda que pequena, queria acima de tudo que
a guerra acabasse depressa, mesmo que à custa de cedências territoriais por
parte da Ucrânia. O
ECFR classificou este grupo como o “campo da paz”. Uma minoria, designada por “campo da
justiça”, considerava que se deveria apoiar a Ucrânia até conseguir levar as
tropas russas para fora do seu território.
Hoje, o “campo da justiça” cresceu consideravelmente, com a consequente redução
do “campo da paz” a todo o custo. A questão é saber até quando este apoio vai
continuar e até quando a unidade europeia vai resistir.
No curto prazo, há três factores
importantes para manter a unidade europeia, o primeiro dos quais
é evitar que a Ucrânia sofra derrotas militares. Para
isso, a Europa tem de aumentar rapidamente o envio de armamento, o que não é
fácil, não tanto por falta de vontade, mas pelo rápido esgotamento dos stocks. O segundo
factor é tentar controlar os efeitos
do aumento do custo de vida na generalidade dos países europeus, fundamental
para preservar o consenso que tem existido até agora entre centro-direita e
centro-esquerda no apoio à guerra. Mais uma vez, as respostas políticas não são
fáceis. Basta olhar para o que se passa hoje em muitos países europeus, com
milhares e milhares de pessoas na rua.
Finalmente, citando Mark Leonard, “o maior perigo pode vir de Washington”, da mesma maneira que Washington foi
fundamental para manter a coesão europeia. “Qualquer mudança política
nos Estados Unidos pode ser catastrófica.” Essa “mudança política” é aquela que
provoca mais pesadelos aos decisores europeus. Não é, longe disso, uma
inevitabilidade, mas é uma possibilidade.
A
semana passada foi pródiga em declarações de dois dos mais fortes candidatos às
“primárias” republicanas: Donald Trump e Ron DeSantis.
Ambos consideram que a América não tem nada que ver com esta “guerra europeia”.
O anterior Presidente diz que lhe poria fim em 24 horas. Sabe-se como, dada a
sua pública amizade e admiração por Vladimir Putin. DeSantis disse que se trata
de uma mera “disputa territorial”, que não afecta os interesses americanos.
Ambos tentam convencer os eleitores de que a Europa “se aproveita” dos Estados
Unidos, em vez de ser ela a garantir e a pagar a sua segurança. As eleições
americanas realizam-se em Novembro do próximo ano. Antes delas, haverá eleições
para o Parlamento Europeu, em Maio ou Junho de 2024, que vão ter a guerra como
tema incontornável.
O Presidente russo, que despreza as democracias, porque as considera
fracas, já tem poucas armas ao seu dispor na Ucrânia, para além de tentar
prolongar o conflito até ao cansaço dos europeus ou até a uma mudança política
em Washington.
4. O debate na Gulbenkian foi
também sobre os desafios de médio/longo prazo a que a União tem de responder,
para garantir que esta
guerra levará a uma nova ordem de segurança europeia. Piotr Buras resumiu três
grandes questões que a guerra colocou no topo da agenda europeia: as
questões de segurança e defesa e, mais precisamente, como criar os mecanismos
dissuasores de uma nova agressão da Rússia;
o alargamento da União Europeia; a solidariedade energética, com a questão
da segurança energética de regresso à “transição verde”. É na
resposta a estes desafios que o investigador polaco vê as fragilidades da
unidade europeia. Por exemplo, como
reconciliar a necessidade do alargamento, incluindo os países que antes
constituíam uma “zona cinzenta” entre a União e a Rússia, com as dificuldades
institucionais que coloca à União Europeia. Ou como garantir que uma
União alargada preserva o princípio fundamental do Estado de direito? Ou, ainda, como integrar na UE países, como
a Ucrânia, que não têm a garantia de defesa da NATO?
A agressão russa, como lembraram
todos os participantes no painel, pôs fim aos argumentos invocados na cimeira
de Bucareste da Aliança Atlântica, em 2008, para adiar sine die o alargamento
aos países da “zona cinzenta” entre a NATO e a Federação Russa, que se resumiam
a não alimentar na Rússia o complexo de cerco. Não
serviram de nada. A alternativa pode ser um “pacto de
defesa” negociado com a Ucrânia pelos aliados europeus mais relevantes? Uma
espécie de “modelo israelita”, em que os EUA garantem a segurança e a defesa de
Israel? O debate já existe.
Estas questões, muito difíceis, dependem
de uma pergunta prévia a todas as outras, que Piotr Buras resumiu assim: “Temos uma
visão comum?” “Percebemos o alcance da resposta a estas três questões?” A União
Europeia vai conseguir afirmar-se no mundo como um “actor geopolítico”
credível?
“Unidade não significa
homogeneidade”, disse o ministro português, sublinhando que “há diferenças que têm de ser superadas
dentro da União Europeia” e que aparecem sistematicamente.
O inquérito levado a cabo pelo ECFR
também aponta para outras duas conclusões. Uma maioria de europeus considera
que a União Europeia e os Estados Unidos saíram “mais fortes” desta crise. Mas
uma maioria equivalente vê a competição entre os EUA e a China como a tendência
dominante e organizadora de uma futura ordem internacional. Qual o lugar para a
União Europeia nesta nova ordem tendencialmente bipolar?
Talvez seja mais favorável e mais realista para a Europa uma nova
ordem multipolar, com um pólo que ainda pode garantir a sua preponderância: um
pólo ocidental? Mas também aqui, apesar da guerra, a Europa está dividida e a
incerteza prevalece.
A frase de Delors para exprimir a essência da integração europeia
continua válida.
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UCRÂNIA VLADIMIR PUTIN
COMENTÁRIOS
(de 58)
António Seiça Experiente : Sobre o ponto 3, vale a pena ler um artigo recente do
Politico, intitulado "The Surprising Reason Europe Came Together Against
Putin". Nele, a jornalista Claire Berlinski argumenta como o Google
Translate combinado com o twitter mudou a forma como o mundo se comunica. Na
Europa, os cidadãos que assistem às atrocidades perpetradas pelo governo russo
em tempo real, traduzidas nos seus próprios idiomas, exigem que os seus
governos apoiem a Ucrânia. Além disso, o super avançado tradutor googleano tem
sido uma arma poderosa contra a propaganda nazi-stalinista do Kremlin e respectivos
"países amigos", pois, muitas mensagens panfletárias e, muitas vezes,
falsas, para consumo interno, podem ser lidas e desmascaradas em tempo real por
quem não entende uma palavra de russo, como eu. Experimentem!...
rafael.guerra Influente: Com Putin a Rússia regressa tanto ao passado que vai
acabar por perder a guerra e retomar o seu nome medieval: Rus de Kyiv...
Aleixo.1216157 Iniciante: Se
os americanos não tivessem ajudado a Europa, hoje falávamos alemão e a nossa
capital era Berlim
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