sexta-feira, 10 de março de 2023

«Meu Portugal, meu berço de inocente»

 

“Jardim da Europa à beira-mar plantado…” Disse-o Tomás Ribeiro e tinha razão. Inocentes somos, que nos distraímos facilmente. Na aceitação do opróbrio. O que descreve PAULO TUNHAS e outros mais corroboram. Ficamo-nos pelo jardim, a contemplar as flores.

O irresponsável

Se António Costa é assim, que sentido faz exigir-lhe responsabilização pelas suas acções? Pedir-lhe que deixe de ser irresponsável é pedir-lhe que deixe de ser quem é, o que costuma ser impossível.

PAULO TUNHAS, Colunista do OBSERVADOR

OBSERVADOR, 09 mar. 2023, 00:195

Lê-se e ouve-se muitas vezes gente que pede a António Costa e aos seus ministros que assumam, como se diz, responsabilidade política pelas consequências danosas de algumas das suas acções ou das acções daqueles que directamente deles dependem. Admito que o pedido faça sentido em geral e que constitua parte integrante dos costumes democráticos. Mais: é o que se vê nas democracias com que nos gostamos de comparar, onde essa exigência tem, na maior parte dos casos, consequências manifestas, como demissões e coisas do género. E, indiscutivelmente, seria bom que assim também fosse em Portugal. No entanto, algo por cá se passa, desde que António Costa chegou ao poder, que, dia após dia, torna o pedido um bom bocado gratuito e, de qualquer maneira, destinado, desde o princípio, a não ser satisfeito. E o que se passa tem a ver com a própria natureza política de António Costa tal como os portugueses a conhecem desde que, apesar de ter perdido as eleições para Passos Coelho, formou o seu primeiro Governo.

Qual é, então, a particular característica do seu génio que torna o pedido de assunção de responsabilidades algo de fatalmente condenado ao fracasso? Para o averiguar, nada melhor do que lembrar alguns exemplos de decisões políticas que tomou livremente, em nada coagido por necessidades impostas por qualquer conjuntura particular. A lista poderia ser enorme, mas vou-me limitar a quatro casos bem conhecidos de todos: a decisão de reduzir o horário semanal da função pública de 40 para 35 horas; a opção de reverter a privatização da TAP levada a cabo por Passos Coelho; a eliminação das PPP na saúde; as medidas recentes sobre a habitação, que incluem restrições severas ao alojamento local, com a ameaça subreptícia de uma sua futura interdição, e o arrendamento forçado de casas devolutas.

Não é inútil lembrar as principais consequências destas quatro medidas. Por ordem: uma perda brutal de eficácia dos serviços públicos, com consequências particularmente gravosas no SNS, que a contratação de novo pessoal conseguiu apenas mitigar, acompanhada de muito maiores gastos pelo Estado (isto é, por maiores impostos); aumento exponencial de problemas na companhia aérea, com resultados danosos para os cidadãos, entre as quais a perda de 3, 2 mil milhões de euros gastos na TAP “nossa”, a decisão nunca explicada aos portugueses de reverter a reversão e, entre outras coisas, as presentes trapalhadas que todos conhecem; o estado calamitoso em que caíram os hospitais que funcionavam sob o modelo de PPP, com o inevitável aumento de gastos do Estado (mais uma vez: aumento dos impostos que pagamos) e, sobretudo, a degradação da saúde dos portugueses, que têm de recorrer a hospitais que não conseguem atrair os profissionais de saúde de que necessitam; a mais do que provável – praticamente certa – destruição da fonte de rendimento de muita gente, que não só ajudava outra a ganhar algum dinheiro como contribuía para a melhoria do estado do centro das cidades, completada pelo desrespeito ostensivo pela propriedade privada dos cidadão.

Ora bem, como designar um homem – António Costa – que toma alegremente decisões deletérias que lesam profundamente a vida dos portugueses e que se recusa terminantemente a admitir que erra em quase tudo o que apresenta interesse substantivo para Portugal? Um tipo cheio de azar, a quem o mundo, por sistema, finta as melhores e mais nobres intenções? Um génio incompreendido, um visionário, a quem só o futuro longínquo prestará um dia a devida homenagem? Ou, pura e simplesmente, um irresponsável que, à custa de asneira sobre asneira, se tornou irrespeitável?

Por mim, inclino-me, é claro, para a terceira hipótese, acrescentando uma outra particularidade: uma personagem de comédia. Com efeito, como notou uma autoridade indisputável nestas matérias, as personagens das comédias, ao contrário das das tragédias, que, num determinado momento, reconhecem a falha trágica que cometeram, são naturalmente incapazes do acto de reconhecimento dos seus erros. Não é, de resto, a única diferença entre umas e outras. Ao contrário das personagens trágicas, pessoas de mérito que possuem caracteres belos e nobres, melhores do que os nossos (por isso o reconhecimento do erro comove os espectadores, que imaginam que o mesmo lhes poderia acontecer), as personagens da comédia, medíocres, possuem um carácter risível, pior do que o nosso, que participa da fealdade pura e simples.

Se António Costa é assim como disse (e penso que é), que sentido faz, verdadeiramente, exigir-lhe responsabilização pelas suas acções? O seu carácter político (é dele que falei) é radicalmente incompatível com a assunção de responsabilidades. Pedir-lhe que deixe de ser irresponsável é pedir-lhe que deixe de ser quem é – que deixe de ser medíocre –, o que, tristemente, costuma ser impossível. Resta que a oposição faça o que deve fazer, esperando que os portugueses se abstenham, por algum tempo, de cultivar o seu tradicional gosto pela comédia, do Pátio das Cantigas e congéneres até ao teatro de revista. Ou que, pelo menos, se dêem conta que na política ela não convém excessivamente.

PS1. É raríssimo falar da Igreja, até porque, sendo ateu, não quero meter-me à força na casa dos outros. Mais: não quero que a Igreja pense como eu penso, embora faça um sincero esforço para perceber o seu ponto de vista sobre as coisas do mundo, mesmo quando esse ponto de vista é rebarbativo para muitos. Neste caso da pedofilia, no entanto – e até porque ele diz respeito à sociedade como um todo –, não posso deixar de ficar estupefacto com o que ouvi da boca de D. Manuel Clemente e D. José Ornelas, entre outros. Até consigo concordar com – e levar a sério – D. Januário Torgal Ferreira, o que, apesar dos meus pobres pecados, não merecia. É-me particularmente surpreendente o argumento auto-congratulatório de que a Igreja fez mais do que o resto da sociedade para combater a pedofilia. Não fez e, pelos vistos, não pretende fazer, embora haja obviamente dentro dela muitos que o fazem e farão. Além de que a comparação entre a Igreja e a sociedade parece colocar as exigências morais de uma e outra no mesmo plano. E eu que sempre pensei que a Igreja não tinha exactamente essa ideia de si… Para voltar ao tema do fim do corpo do artigo, a reticência face a um reconhecimento pleno e consequente indica que a Igreja parece querer confundir, com um mau gosto dificilmente qualificável, uma tragédia pura e dura com uma comédia. Saberá o que está a fazer? E, se não souber, espera que alguém lhe perdoe?

PS2. Continuando no trágico e no cómico. Há grandes obras literárias que os fazem correr paralelamente, permitindo-nos experimentá-los simultaneamente, o que é uma lição útil para lidarmos com as nossas tragédias pessoais. O Diário de um Louco, de Gogol, é um excelente exemplo (Kafka também vem facilmente à cabeça). Mas é uma experiência que, em certos casos, podemos igualmente ter na vida quotidiana. Eu, por acaso, tenho-a sempre que vejo o major-general Agostinho Branco, na CNN, a falar sobre a invasão russa da Ucrânia. Por um lado, a sua defesa sistemática da posição de Putin, a custo velada pela pretensão a uma análise puramente militar, pode provocar horror; por outro, tudo aquilo, pela tensão permanente que existe entre o que ele quer dizer e o modo como o pretende dizer – uma espécie de amor que não ousa dizer o seu nome –, é extraordinariamente cómico. É um dos motivos mais tradicionais do riso: vermos alguém que, enquanto fala, faz um esforço perfeitamente óbvio para não poder ser acusado de pensar o que pensa, sem, no entanto, resistir a revelá-lo. Peço encarecidamente à CNN que não o abandone nunca. Até porque basta ouvi-lo duas vezes para ter vontade de gritar: Slava Ukraini! E para, ao mesmo tempo que padecemos com a nobreza do sofrimento dos ucranianos, nos rirmos da mediocridade caricatural dos seus inimigos.

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COMENTÁRIOS (54)

Jorge Tavares: irrespeitável e inimputável - tal como 2 quintos do eleitorado votante.             Helder Machado O meu ponto de vista é diferente. Há "costas" noutras paragens, a fazer o mesmo. Parecem irresponsáveis, opinião muito diferente tem quem os controla. Protegem-nos e incentivam-nos. O que se pode fazer com triliões de dólares? Quantos lhes resistem? Cansa ver actores a representar peças sórdidas registadas com selfies. Esqueçam as árvores, olhem para a floresta onde brincam os credores. Os bonecos somos nós.           Cisca Impllit Bem sintetizada esta triste realidade              Andrade QB: A sorte de Costa passa também muito por Marcelo ser igualmente irresponsável. Desde logo, quando aprovou a redução das 40 para as 35 horas afirmou fazer alguma coisa no dia em que tal resultasse em aumento de despesa pública. Já ficou a saber, até já lhe escreveram isso com desenhos a acompanhar, que todo o aumento de pessoal no SNS ainda nem sequer chegou para compensar essa redução. Se ele não fosse tão irresponsável como Costa já teria feito alguma coisa.

Por manifesta impossibilidade de poderem pagar tanto, já não digo indemnizarem o país pelo que o estão a empobrecer, mas pelo menos obrigá-los a pagar a indemnização à CEO da TAP (ex ou talvez ex) quando o tribunal a isso obrigar, seria educativo.              Ana Torres O artigo está SOBERBO! António Costa pior do que um irresponsável está a conseguir a proeza de ser pior PM ou igualar o Sócrates, tal é a miséria que está a conduzir o país e a que todos os dias assistimos na tv, Tap, hospitais, escolas, comboios, demissões, habitação, casos e casinhos e o MRS segue feliz e contente! Já o disse várias vezes e efectivamente, recuso-me a ver mas sinto-me revoltada pela CNN continuar a convidar aquele ser repugnante do major general Agostinho Branco sempre com aquele sorrisinho cínico a apoiar o Putin, pergunto como é possivel aquele fulano chegar a major general ter os cargos que teve num país da UE quando é claramente a favor das ditaduras!                   Ediberto Abreu: Excelente, como sempre. Sobre o primeiro tópico, tenho pena que Montenegro não o leia, porque parece não ter conhecimento das matérias apresentadas, ou não sabe quais as armas a usar para fazer uma oposição digna desse nome. Quanto ao segundo, a presença desse personagem vulgo Agostinho Cunhal, impede-me em sã consciência de assistir ao tema desta guerra na CNN, pois parece que a mesma sente um gozo doentio em mantê-lo no programa.                 antonyo antonyo: Um artigo de antologia ! Talvez o melhor escrito sobre António Costa, o PS , e a situação actual . Fantástico também a descrição daquele general , melhor é impossível.          José Manuel Pereira: O Professor Paulo Tunhas que me habituei a respeitar, através da leitura destas suas crónicas, com frequência é inspirador. É aqui o caso. Seguramente que há muito que as pessoas menos distraídas, ou providas de um pouco mais do que os mínimos essenciais a não ser intelectual e emocionalmente apoucado, já perceberam que de Habilidoso o Costa nada tem (bom, no sentido depreciativo do termo, talvez tenha). Agora, figurão de tal calibre necessita de apodo. Pois são indispensáveis dois neste caso porque lhe assentam como uma luva: ... "o Boçal Deletério"... O primeiro (Boçal) pela manifesta grosseria que trouxe a este nosso regime - testemunha disso mesmo é o sorriso que caracteriza o personagem. O segundo (Deletério) porque efectivamente destruiu toda a esperança que ainda restava neste nosso regime para o futuro dos nossos infantes, jovens, menos jovens e velhos. Não deixa pedra sobre pedra, consegue o pleno, destrói tudo. Admito que seja propositado, não percebo porquê. O manhoso tem um qualquer ódio visceral a Portugal e aos Portugueses, ou às democracias liberais. Quando o "Boçal Deletério" mandar prender o Professor Paulo Tunhas porque pode e o deixam, pois que me leve a mim também que prefiro a sua companhia à dos "amigos do costa".                 Alberico Lopes: Que artigo soberbo! Que nunca lhe falte o engenho para verter no papel o que todos gostaríamos de escrever! Não há dúvida que o nosso país se transformou numa casa de opereta, em que os dois maiores actores são mesmo os "bufos" da corte! Quando se imagina que somos "governados" por um irresponsável acalentado por um cata-vento beijoqueiro, também ele um sem carácter, temos de ficar desejando que este pesadelo acabe o mais rapidamente possível! Infelizmente já não temos Forças Armadas que ponham cobro a esta tragicomédia! Nem homens como Sá Carneiro, que nos retirem deste manicómio a que alguém já chamou "choldra"!

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