Nos rodopios de uma falsa fraternidade exibicionista
que não é mais que artimanha aniquilante dos nobres povos construtores de uma
ordem social parasitária, segundo os que se consideram hoje imunes e
severamente condenatórios desses comportamentos vis dos antigos escravizadores
racistas, insensíveis fabricantes da História, hoje a merecer a reviravolta
vingativa e avassalante, mau grado os condicionalismos recepcionistas a que
estão sujeitos, pelos povos que lhes dão bondosamente - ou por puro interesse exploratório
- guarida, aquando da sua fuga ao ódio e violência dos seus naturais de tribo. António Barreto, como sempre impecável
no seu descritivo de causas, consequências e considerandos que não atingem os
da nossa manha poderosa e preguiçosa e realmente indiferente ao sofrimento, que
fingiu atacar, por exemplo, aquando do futebol no Dubai, como tantos fizeram e os nossos escrupulosamente
imitaram…
Imigrantes: as políticas (3)
A integração é, em democracia, um
factor de agregação, e não de fragmentação, como é o multiculturalismo.
ANTÓNIO
BARRETO PÚBLICO,
11 de Março de 2023, 6:12
No Mediterrâneo,
recomeçou a estação de tráfico, refúgio e acidente. A Europa no seu todo e cada país em
particular não conseguem elaborar e pôr em prática uma política de controlo do
acesso e menos ainda de decência no acolhimento. A desordem, o sofrimento e a morte têm
mãos livres neste mar e nas suas praias. O
que a Europa faz favorece a travessia clandestina, o refúgio ilegal e o
sacrifício de crianças e idosos. Os “negreiros” e os traficantes vivem das
políticas europeias e das hesitações dos seus dirigentes. A generosidade e a
compaixão de muitos europeus são vilmente utilizadas como estímulos ao
crescimento do tráfico.
Sucedem-se os sinais de crise iminente. Surgem novas barracas e
alojamentos miseráveis na Área Metropolitana de Lisboa. Aparecem novos
edifícios inóspitos na Margem Sul. Publicam-se notícias sobre o alojamento
degradado ocupado por imigrantes e minorias. Descobrem-se cubículos com dezenas
de pessoas amontoadas em beliches. É crescente a acidez nas discussões sobre
questões raciais e de imigração. Novas disposições legais estabelecem o visto
automático para as pessoas dos países da CPLP. Em Angola, são
longas as filas de espera de cidadãos que tentam obter os vistos de residência
em Portugal, agora facilmente distribuídos. Começa a correr o processo de
legalização expedita de milhares de residentes ilegais.
Dizem os jornais que, segundo o SEF,
se espera legalizar de imediato perto de 150.000 imigrantes. E receber
outros tantos nos próximos dois anos. A verificarem-se estas previsões, serão
os mais elevados contingentes de imigrantes jamais chegados a Portugal. Descobrem-se novas fileiras de imigração
especialmente usadas por mulheres à beira de dar à luz e outras situações a
configurar emergência médica. Não
se conhecem progressos nas numerosas situações de imigrantes alojados em
condições precárias e malsãs junto às culturas forçadas e às agriculturas
hiperintensivas. As questões raciais e os incidentes envolvendo problemas de
imigração, de minorias e de estrangeiros ocupam cada vez mais a atenção e as
preocupações.
A imigração, em Portugal, faz-se sem
política e sem escolhas. E sem respostas às questões difíceis. Há recursos
humanos, de equipamento e de capital, para abrir as portas? Há cidades e
habitação decente à altura? A economia necessita desta mão-de-obra? Haverá
emprego suficiente para os residentes e para os novos imigrantes? Estão
preparados os serviços sociais, as escolas, os hospitais, a habitação e os
transportes para estes novos fluxos de população? Alguma vez estas políticas
foram sufragadas pelo eleitorado e aprovadas pelo Parlamento? A imigração, em
Portugal, faz-se sem política e sem escolhas. E sem respostas às questões
difíceis.
A habitação é quase um problema à
parte. Pela sua natureza, pela
dimensão, pelo custo e pela durabilidade das decisões, os problemas de
habitação são uma espécie de lugar geométrico de todas as questões sociais da
imigração. Por vias da habitação definem-se bairros, prédios e ruas, numa
palavra, comunidades. Em grande número de países europeus a distribuição
geográfica das comunidades imigrantes tem conduzido à fixação de áreas de
especialidade nacional, de concentração étnica e de segregação. As cidades
europeias, tanto os seus centros históricos como as suas periferias,
transformam-se em territórios próprios e exclusivos de comunidades nacionais.
As grandes cidades fragmentam-se de modo ameaçador para a paz social e o
convívio entre povos. A segregação aumenta a separação, o confronto e o
conflito, o que agrava as dificuldades de integração social. O descontrolo das migrações e a abstenção
relativamente à organização das sociedades e dos espaços são convites à
marginalidade. É uma infâmia o mercado ilegal de residências, vistos,
autorizações de trabalho, certificados de casamento, títulos de adopção,
contratos de trabalho falsos e outras habilidades destinadas a fomentar uma
imigração oportunista.
As
novas modas e doutrinas apoiam de modo crescente as opções multiculturais. O
que quer dizer que se defende que cada comunidade, nacional ou imigrante,
mantenha as suas tradições, a sua cultura, os seus costumes e até as suas
regras “legais”. Ora, é superior a política que recorre e aceita imigrantes,
mas que opta deliberadamente pelas políticas de integração cultural, social e
económica, em detrimento das políticas do multiculturalismo, de preservação do
mosaico de regras e costumes, geralmente propícios à instalação de sociedades
paralelas, de comunidades marginais e de estranhas formas de apartheid.
A integração é, em democracia, um factor de agregação, e não de
fragmentação, como é o multiculturalismo. Este último, aliás, levanta problemas
de enorme dificuldade. Que fazer, numa sociedade que privilegia o
multiculturalismo, com a aprendizagem da língua, o respeito pelas leis sobre
violência física e familiar, a poligamia, as regras de saúde e higiene pública,
o respeito pela individualidade da pessoa humana e a crença na inviolabilidade
da vida humana?
É
difícil formular políticas de integração, mesmo sabendo que são essas as que
melhor defendem os direitos dos imigrantes, tanto quanto os dos já residentes.
É difícil, porque os inimigos da coesão social
consideram essas políticas racistas ou autoritárias. Mas são princípios simples. Os imigrantes não devem ter direitos
diferentes, em nenhum aspecto, aos dos residentes e nacionais. A imposição de
regras pelos traficantes de mão-de-obra deve ser recusada. Ninguém ilegal,
indocumentado ou clandestino deve ser aceite, a não ser em casos excepcionais
de sofrimento e perigo. A aprendizagem da língua deve ser promovida. A mera
utilização de serviços de saúde por estrangeiros que assim abusam das
facilidades existentes deve ser proibida. A integração vem acima de tudo.
O
multiculturalismo acrescenta-se à política de porta aberta e de acolhimento
universal. São duas tendências perniciosas. Pela segunda, um país renuncia ao
seu direito e ao seu dever de organizar, programar, legalizar e cuidar dos
fluxos migratórios. Mesmo que nunca seja possível, a não ser em ditadura,
controlar absolutamente estes movimentos populacionais, é sempre possível
aumentar o controlo, o planeamento e a previsão, a fim de melhor organizar a
sociedade e os serviços públicos. Pela primeira atitude, a que defende o
multiculturalismo, abre-se a porta a verdadeiros apartheids culturais, com
regras e direitos próprios, verdadeiros alfobres de conflitos sociais e
raciais. Sob a aparência de respeito pelas culturas e pelas identidades, o
multiculturalismo é um convite à ilegalidade e à fragmentação. Nestas questões,
a complacência é tão perigosa quanto a opressão.
O autor é colunista do PÚBLICO
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