quarta-feira, 8 de março de 2023

Alerta está

 

Inutilmente.

Medo de mudar devida

O que vemos na habitação é, infelizmente, apenas a ponta do iceberg de um país socialmente destruído, e que vive há anos no engano para não ter de se confrontar com as suas dificuldades e medos.

RODRIGO ADÃO DA FONSECA Colunista

OBSERVADOR, 07 mar. 2023, 00:1516

“Success consists of going from failure to failure without loss of enthusiasm”. Winston Churchill

Um dos fenómenos mais fascinantes das democracias mais frágeis é a forma como certo tipo de forças políticas – e políticos – conseguem perpetuar-se e revalidar junto dos eleitores as suas doutrinas e as mesmas receitas de sempre, apesar de elas falharem sucessivamente. Neste campeonato do falhanço recompensado nas urnas, ninguém bate o socialismo.

Com quase 8 anos de governação, Portugal vive um colapso de inúmeros setores essenciais. O sistema educativo, que é o pilar do futuro, está estagnado, envelhecido e incapaz de encontrar equilíbrios essenciais por ausência de uma estratégia para o sector. As escolas continuam sem autonomia para contratar e decidir a sua gestão (algo que só deve ter paralelo na Coreia do Norte), o pessoal docente está desmotivado, e os mais novos, que acabam na docência, fazem-no por ausência de alternativas e empurrados para uma vida desestruturada e precária. Para se perceber o declínio a que se chegou e a dimensão do problema não é necessário fazer uma grande aritmética, basta comparar o nível geral das qualificações dos professores com menos de 40 anos e o número em percentagem de professores com mais de 50 anos: facilmente se percebe a tragédia que se vive na educação, onde os docentes, ou são novos e em precariedade, ou aguardam, envelhecidos e desmotivados, pela idade da reforma (quase 50% dos professores irão reformar-se nos próximos dez anos). O cenário é catastrófico, não apenas no ensino básico e secundário, mas também no ensino superior, onde mais de metade dos docentes terão por estes dias mais de 50 anos de idade.

Na saúde, o SNS vive à beira do colapso e são várias as vozes à esquerda que suspiram pelo regresso das outrora famigeradas parcerias público-privadas que, por mera birra ideológica, se desmantelaram, empurrando para o caos hospitais que apresentavam boas performances, como Braga, Cascais ou Loures. Já o estado decrépito da ferrovia e o folhetim da TAP mostram que, no final, e parafraseando de forma cínica Winston Churchill, o sucesso dos socialistas reside mesmo em conseguirem avançar de falhanço em falhanço sem nunca perder o entusiasmo e a vontade de falhar mais uma vez.

Pondo de lado a ironia, aquilo que no essencial faz com que Portugal viva permanentemente adiado é o receio permanente dos eleitores que as mudanças necessárias os façam perder o pouco que têm. Com o envelhecimento da população o miserabilismo e a falta de ambição tendem a piorar. As famílias estão já em desistência, e de forma consistente educam os seus filhos para a emigração; aliás, nos últimos anos Portugal só sobrevive no seu funcionamento frágil porque se tornou destino de fácil entrada para imigrantes oriundos do Brasil e de alguns países asiáticos, e graças a regimes fiscais agressivos para quem para cá decide instalar-se, colocados numa situação de profunda vantagem em relação aos residentes que continuam a ter de suportar cargas fiscais elevadíssimas e a pagar o esforço de alimentar o erário público. Há um país atractivo para quem beneficia dos vistos gold, do estatuto de residente não habitual, ou para quem cá se instale para desenvolver empresas inovadoras, desde que não seja português ou não tenha cá estado colectado nos últimos anos. Ao lado deste Portugal recheado de incentivos, é dito aos que por cá estão e sempre estiveram que devem conseguir competir nos mesmos mercados, por exemplo, no mercado laboral ou da habitação, suportando, porém, uma carga fiscal muito superior, e pagando a ineficiência de um país que insiste em não se reformar.

Vejamos o seguinte exemplo: uma empresa que opte por contratar cidadãos residentes, qualificados, formados em universidades nacionais, está hoje por força das opções dos governos e das políticas públicas por si escolhidas objectivamente numa posição de desvantagem face aos que optem por recrutar imigrantes que, durante dez anos, beneficiam de um regime fiscal mais favorável, ou se situam em patamares salariais de baixíssima tributação. Não sendo todos os mercados laborais igualmente flexíveis, o que está a acontecer de forma acelerada nos que são mais elásticos é uma correcção que faz com que muitos portugueses estejam a trabalhar para empresas, para fora de Portugal, enquanto por cá há empresas e sectores onde praticamente já não se contratam cidadãos portugueses. Se nada for feito ao nível da igualdade – e da competitividade – fiscal, muito rapidamente iremos ter ruturas insustentáveis no nosso tecido produtivo e tensões complicadas do ponto de vista social. Portugal deve – e tem de ser – um país de acolhimento, pela nossa matriz cultural e pela necessidade que temos de renovar um tecido social demograficamente envelhecido, mas fazê-lo com políticas públicas que tratam de forma desigual os residentes é – repito o que escrevi na última crónica – um completo suicídio político.

O que estamos a assistir na habitação nos centros urbanos mais populosos do país, e que tanto alarido tem dado nas últimas semanas, é fruto de diversas dinâmicas, algumas delas seguramente estruturais. Mas não é necessário ser um génio da lâmpada para perceber que a afluência em massa de imigrantes, e a disparidade fiscal são factores decisivos e o sinal de que Portugal não tem políticas públicas, mas apenas legislações avulsas lançadas ao acaso ou capturadas por interesses particulares, sem que se pense nas consequências. O que vemos na habitação é, infelizmente, apenas a ponta do iceberg de um país socialmente destruído, e que vive há anos no engano para não ter de se confrontar com as suas dificuldades e medos. E a consequência de políticas públicas pensadas apenas para o imediato, que não compreendem as interdependências que existem numa sociedade que se acomoda rapidamente aos incentivos dados, mesmo que esses – imagine-se – não coincidam com os que os políticos desejariam com as suas medidas mal pensadas.

As recentes medidas do “pacote habitação” pecam, sobretudo, por serem uma mera encenação que não terão qualquer capacidade de resolver o que quer que seja. Visam, apenas, prosseguir a estratégia de alienação de clientelas eleitorais que, sendo minoritárias na representatividade do país, permitem manter o status quo. O “pacote habitação” segue na íntegra as três premissas que Churchill identificou no socialismo, “a filosofia do fracasso, o credo da ignorância e o evangelho da inveja”. Não irá resolver coisa nenhuma, mas serve para que, num país derrotado, a governação possa dizer, como disse um dia o (verdadeiro) génio da lâmpada, Thomas Edison, “I have not failed. I’ve just founding everyday 10,000 ways that won’t work”. Oito anos passados já devia ser óbvio que este ciclo de enganos tem rapidamente de chegar ao fim. Até um povo manso deveria ter os seus limites.

PAÍS    HABITAÇÃO E URBANISMO     MERCADO DE TRABALHO   TRABALHO   ECONOMIA

COMENTÁRIOS:

João Ramos: Só que o povo manso parece não ter limites, para desgraça e frustração de quem tem um mínimo de consciência e discernimento, grande parte da culpa para além de políticos irresponsáveis tem-na a miserável comunicação social (TV sobretudo) que apenas sabe servir os poderes instituídos e que não pensa pela sua cabeça…                Manuel Alte da Veiga: Excelente visão da condição humana que nos embrutece se não a pomos honestamente em questão quanto às suas bases e consequências.  A consciência corajosa é o melhor começo. E dar força a uma união de consciência sempre questionante já pode transformar o mundo.PARABÉNS.            Francisco Almeida: Concordando com o diagnóstico, aliás soberbo, atrevo-me a perguntar como sair deste buraco. a) O actual sistema auto-reformar-se; b) Um golpe de estado; c) Uma intervenção coerciva internacional.

Cada um que analise as probabilidades. Admitindo, como premissa, que a UE jamais consentirá um governo nacionalista autoritário, só vejo duas alternativas: México ou Venezuela. Só que sem petróleo.           Vasco Silveira:" ... pecam, sobretudo, por serem uma mera encenação que não terão qualquer capacidade de resolver o que quer que seja. Até um povo manso deveria ter os seus limites."            Rodrigo Adão da Fonseca: Quero felicitá-lo pelo seu artigo que tão claramente destaca as nossas dificuldades: _ A hipocrisia ignorante dos governantes (não chegam a ter conhecimentos suficientes para fundamentar uma ideologia). _A estupidificação crescente das multidões de eleitores, através do mau ensino, maus meios de informação, etc. (Infelizmente não é falta de bravura; apenas estupidificação das massas promovida por estúpida governação). Melhores cumprimentos               Maria Clotilde Osório: Onde está o medo de mudar de vida? Ao final de 48 anos ninguém entende que não se fale na mudança do sistema eleitoral que perpetua o falhanço do país. Vivendo num distrito que elege 6 deputados, bem melhor que o distrito da Guarda que só elege 3 deputados, mesmo que votemos todos para mudar este "atraso de vida" nunca conseguiremos nada. Se não, vejamos: Lisboa - 48 deputados; Porto - 40; Braga - 19; Setúbal - 18; Aveiro - 16; Leiria - 10; Coimbra - 9; Faro -9; Santarém - 9; Viseu - 8; Viana do Castelo- 6; Madeira - 6; Açores - 5; Vila Real - 5; Castelo Branco - 4; Beja - 3; Bragança - 3; Évora - 3; Guarda - 3; Portalegre - 2. Assim repito a pergunta: onde está concentrado o medo de mudar de vida? E será que sem alterar este sistema de representação vamos algum dia "usar" todos os recursos e "aproveitar" todas as "cabeças" disponíveis?                 Daniel Salgado Santos: Parabéns pelo artigo que sintetiza, magistralmente, a realidade portuguesa dos últimos anos, em especial dos anos em que somos sempre governados (desgovernados?) por socialistas. Mas o povo português é burro e não aprende.           bento guerra: Assistimos a um exemplo de "Princípio de Peter"que é raro em política (já tínhamos outro, em Belém).O PS sem aperto, dentro e fora do governo, por ter maioria, falha em todas as frentes e faz mal aos portugueses, agora a perderem qualidade de vida e de cidadania. A Comunicação é conivente neste desânimo nacional, porque não critica com objectividade. A crise vai vir e será talvez ocasião para correr com o PS por uns anos, como aconteceu noutros países                      Carlos Real: Talvez o melhor texto e análise da situação portuguesa. Como sempre disse desde o início, António Costa é o pior PM da democracia portuguesa. Só Santana Lopes foi tão incompetente. O problema é que as alternativas políticas, tal como a educação, saúde, habitação, impostos, pensões, funcionalismo público, corrupção, tudo isto, dificilmente melhorará. O povo manso não quer grandes mudanças, e vai continuar a votar nos mesmos, acreditando que a alternância PS / PSD poderá ser a solução.    João Floriano: Excelente análise.                  Luis Oliveira: Um excelente retrato da situação actual. políticos e povo português querem extrair benefícios do imediato: os primeiros não querem reformas pois perdem eleitores, os segundos não querem sacrifícios pois demoram tempo. Os primeiros não querem mudanças porque mudanças implicam mudar o sistema e isso significa perder votos, e os segundos não querem mudanças pois as mudanças significam perder privilégios, daí o nome de clientelas. Chegou-se a um ponto onde já não há esperança: é deixar bater no fundo.  Talvez quando as pessoas começarem a revirar os caixotes do lixo à procura de comida, ou quando morrerem por falta de assistência médica, talvez aí acordem. Não sei é se não será tarde demais para que haja um ponto de inversão.

 

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