Inutilmente.
Medo de mudar devida
O que vemos na habitação é,
infelizmente, apenas a ponta do iceberg de um país socialmente destruído, e que
vive há anos no engano para não ter de se confrontar com as suas dificuldades e
medos.
RODRIGO ADÃO DA
FONSECA Colunista
OBSERVADOR, 07 mar. 2023, 00:1516
“Success consists of going from failure to failure without loss of
enthusiasm”. Winston Churchill
Um
dos fenómenos mais fascinantes das democracias mais frágeis é a forma como
certo tipo de forças políticas – e políticos – conseguem perpetuar-se e
revalidar junto dos eleitores as suas doutrinas e as mesmas receitas de sempre,
apesar de elas falharem sucessivamente. Neste
campeonato do falhanço recompensado nas urnas, ninguém bate o socialismo.
Com
quase 8 anos de governação, Portugal vive um colapso de inúmeros setores
essenciais. O sistema
educativo, que é o
pilar do futuro, está estagnado, envelhecido e incapaz de encontrar equilíbrios
essenciais por ausência de uma estratégia para o sector. As escolas continuam
sem autonomia para contratar e decidir a sua gestão (algo que só deve ter
paralelo na Coreia do Norte), o pessoal docente está desmotivado, e os mais
novos, que acabam na docência, fazem-no por ausência de alternativas e
empurrados para uma vida desestruturada e precária. Para se perceber o declínio a que se
chegou e a dimensão do problema não é necessário fazer uma grande aritmética,
basta comparar o nível geral das qualificações dos professores com menos de 40
anos e o número em percentagem de professores com mais de 50 anos: facilmente
se percebe a tragédia que se vive na educação, onde os docentes, ou são novos e
em precariedade, ou aguardam, envelhecidos e desmotivados, pela idade da
reforma (quase 50% dos professores irão reformar-se nos próximos dez anos). O
cenário é catastrófico, não apenas no ensino básico e secundário, mas também no
ensino superior, onde mais de metade dos docentes terão por estes dias mais de
50 anos de idade.
Na saúde, o SNS vive à beira do colapso e são várias as
vozes à esquerda que suspiram pelo regresso das outrora famigeradas parcerias
público-privadas que, por mera birra ideológica, se desmantelaram, empurrando
para o caos hospitais que apresentavam boas performances, como Braga, Cascais
ou Loures. Já o estado decrépito da ferrovia e o folhetim da TAP mostram que, no final, e parafraseando de forma
cínica Winston Churchill, o sucesso dos socialistas reside mesmo em
conseguirem avançar de falhanço em falhanço sem nunca perder o entusiasmo e a
vontade de falhar mais uma vez.
Pondo
de lado a ironia, aquilo que no essencial faz com que Portugal viva permanentemente adiado é o receio permanente dos eleitores que as
mudanças necessárias os façam perder o pouco que têm. Com o
envelhecimento da população o miserabilismo e a falta de ambição tendem a
piorar. As famílias estão já em desistência, e de forma consistente educam os
seus filhos para a emigração; aliás, nos últimos anos Portugal só sobrevive no
seu funcionamento frágil porque se tornou destino de fácil entrada para
imigrantes oriundos do Brasil e de alguns países asiáticos, e graças a regimes
fiscais agressivos para quem para cá decide instalar-se, colocados numa
situação de profunda vantagem em relação aos residentes que continuam a ter de
suportar cargas fiscais elevadíssimas e a pagar o esforço de alimentar o erário
público. Há um país atractivo para quem beneficia dos vistos gold, do estatuto
de residente não habitual, ou para quem cá se instale para desenvolver empresas
inovadoras, desde que não seja português ou não tenha cá estado colectado nos
últimos anos. Ao lado deste Portugal recheado de incentivos, é dito
aos que por cá estão e sempre estiveram que devem conseguir competir nos mesmos
mercados, por exemplo, no mercado laboral ou da habitação, suportando, porém,
uma carga fiscal muito superior, e pagando a ineficiência de um país que
insiste em não se reformar.
Vejamos
o seguinte exemplo: uma
empresa que opte por contratar cidadãos
residentes, qualificados, formados em universidades nacionais, está hoje por
força das opções dos governos e das políticas públicas por si escolhidas objectivamente
numa posição de desvantagem face aos que optem por recrutar
imigrantes que, durante dez anos,
beneficiam de um regime fiscal mais favorável, ou se situam em patamares
salariais de baixíssima tributação.
Não sendo todos os mercados laborais igualmente flexíveis, o que está a acontecer
de forma acelerada nos que são mais elásticos é uma correcção
que faz com que muitos portugueses estejam a trabalhar para empresas, para fora
de Portugal, enquanto por cá há empresas e sectores onde praticamente já não se
contratam cidadãos portugueses. Se
nada for feito ao nível da igualdade – e da competitividade – fiscal, muito
rapidamente iremos ter ruturas insustentáveis no nosso tecido produtivo e
tensões complicadas do ponto de vista social.
Portugal deve – e tem de ser – um país de acolhimento, pela nossa matriz
cultural e pela necessidade que temos de renovar um tecido social
demograficamente envelhecido, mas fazê-lo
com políticas públicas que tratam de forma desigual os residentes é – repito o que escrevi na última crónica
– um completo suicídio político.
O
que estamos a assistir na habitação nos centros urbanos mais populosos
do país, e que tanto alarido tem dado nas últimas semanas, é fruto de diversas
dinâmicas, algumas delas seguramente estruturais. Mas não é
necessário ser um génio da lâmpada para perceber que a afluência em massa de
imigrantes, e a disparidade fiscal são factores decisivos e o sinal de que
Portugal não tem políticas públicas, mas apenas legislações avulsas lançadas ao
acaso ou capturadas por interesses particulares, sem que se pense nas
consequências. O que vemos
na habitação é, infelizmente, apenas a ponta do iceberg de um
país socialmente destruído, e que vive há anos no engano para não ter de se
confrontar com as suas dificuldades e medos. E a consequência de políticas
públicas pensadas apenas para o imediato, que não compreendem as
interdependências que existem numa sociedade que se acomoda rapidamente aos
incentivos dados, mesmo que esses – imagine-se – não coincidam com os que os
políticos desejariam com as suas medidas mal pensadas.
As
recentes medidas do “pacote habitação” pecam, sobretudo, por serem uma mera
encenação que não terão qualquer capacidade de resolver o que quer que seja.
Visam, apenas, prosseguir a estratégia de alienação de clientelas eleitorais
que, sendo minoritárias na representatividade do país, permitem manter o status
quo. O “pacote habitação”
segue na íntegra as três premissas que Churchill identificou no socialismo, “a
filosofia do fracasso, o credo da ignorância e o evangelho da inveja”.
Não irá resolver coisa nenhuma, mas serve para que, num país derrotado, a
governação possa dizer, como disse um dia o (verdadeiro) génio da lâmpada,
Thomas Edison, “I have not failed. I’ve
just founding everyday 10,000 ways that won’t work”. Oito anos
passados já devia ser óbvio que este ciclo de enganos tem rapidamente de chegar
ao fim. Até um povo manso deveria ter os seus limites.
PAÍS HABITAÇÃO E
URBANISMO MERCADO DE
TRABALHO TRABALHO ECONOMIA
COMENTÁRIOS:
João Ramos: Só que o povo manso parece não ter limites, para
desgraça e frustração de quem tem um mínimo de consciência e discernimento,
grande parte da culpa para além de políticos irresponsáveis tem-na a miserável
comunicação social (TV sobretudo) que apenas sabe servir os poderes instituídos
e que não pensa pela sua cabeça… Manuel Alte da Veiga:
Excelente visão
da condição humana que nos embrutece se não a pomos honestamente em questão
quanto às suas bases e consequências. A
consciência corajosa é o melhor começo. E dar força a uma união de consciência
sempre questionante já pode transformar o mundo.PARABÉNS. Francisco Almeida:
Concordando com o
diagnóstico, aliás soberbo, atrevo-me a perguntar como sair deste buraco. a) O actual sistema
auto-reformar-se; b) Um golpe de estado; c) Uma intervenção coerciva
internacional.
Cada um que analise as probabilidades. Admitindo, como
premissa, que a UE jamais consentirá um governo nacionalista autoritário, só
vejo duas alternativas: México ou Venezuela. Só que sem petróleo. Vasco Silveira:" ... pecam, sobretudo,
por serem uma mera encenação que não terão qualquer capacidade de resolver o
que quer que seja. Até um povo manso deveria ter os seus limites." Rodrigo Adão da Fonseca: Quero felicitá-lo pelo seu
artigo que tão claramente destaca as nossas dificuldades: _ A hipocrisia ignorante dos
governantes (não chegam a ter conhecimentos suficientes para fundamentar uma
ideologia). _A estupidificação crescente das multidões de eleitores, através do
mau ensino, maus meios de informação, etc. (Infelizmente não é falta de
bravura; apenas estupidificação das massas promovida por estúpida governação). Melhores
cumprimentos Maria Clotilde Osório:
Onde está o medo
de mudar de vida? Ao final de 48 anos ninguém entende que não se fale na
mudança do sistema eleitoral que perpetua o falhanço do país. Vivendo num
distrito que elege 6 deputados, bem melhor que o distrito da Guarda que só
elege 3 deputados, mesmo que votemos todos para mudar este "atraso de
vida" nunca conseguiremos nada. Se não, vejamos: Lisboa - 48
deputados; Porto - 40; Braga - 19; Setúbal - 18; Aveiro - 16; Leiria - 10;
Coimbra - 9; Faro -9; Santarém - 9; Viseu - 8; Viana do Castelo- 6; Madeira -
6; Açores - 5; Vila Real - 5; Castelo Branco - 4; Beja - 3; Bragança - 3; Évora
- 3; Guarda - 3; Portalegre - 2. Assim repito a pergunta: onde está concentrado
o medo de mudar de vida? E será que sem alterar este sistema de representação
vamos algum dia "usar" todos os recursos e "aproveitar"
todas as "cabeças" disponíveis? Daniel Salgado
Santos: Parabéns pelo artigo que sintetiza, magistralmente, a realidade portuguesa
dos últimos anos, em especial dos anos em que somos sempre governados
(desgovernados?) por socialistas. Mas o povo português é burro e não aprende. bento guerra: Assistimos a um exemplo de
"Princípio de Peter"que é raro em política (já tínhamos outro, em
Belém).O PS sem aperto, dentro e fora do governo, por ter maioria, falha em
todas as frentes e faz mal aos portugueses, agora a perderem qualidade de vida
e de cidadania. A Comunicação é conivente neste desânimo nacional, porque não
critica com objectividade. A crise vai vir e será talvez ocasião para correr
com o PS por uns anos, como aconteceu noutros países Carlos Real: Talvez o melhor texto e análise
da situação portuguesa. Como sempre disse desde o início, António Costa é o
pior PM da democracia portuguesa. Só Santana Lopes foi tão incompetente. O
problema é que as alternativas políticas, tal como a educação, saúde,
habitação, impostos, pensões, funcionalismo público, corrupção, tudo isto,
dificilmente melhorará. O povo manso não quer grandes mudanças, e vai continuar
a votar nos mesmos, acreditando que a alternância PS / PSD poderá ser a solução. João
Floriano: Excelente análise. Luis Oliveira: Um excelente retrato da
situação actual. políticos e povo português querem extrair benefícios do
imediato: os primeiros não querem reformas pois perdem eleitores, os segundos
não querem sacrifícios pois demoram tempo. Os primeiros não querem mudanças
porque mudanças implicam mudar o sistema e isso significa perder votos, e os
segundos não querem mudanças pois as mudanças significam perder privilégios,
daí o nome de clientelas. Chegou-se a um ponto onde já não há esperança: é
deixar bater no fundo. Talvez quando as
pessoas começarem a revirar os caixotes do lixo à procura de comida, ou quando
morrerem por falta de assistência médica, talvez aí acordem. Não sei é se não
será tarde demais para que haja um ponto de inversão.
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