É um lema bem mais cómodo do que o “querer é poder” do
adágio. É preciso crer nas promessas, faz parte da doutrina de Cristo: Portanto,
Paz na Terra aos Homens da Boa-Vontade... na Crença.
Os hiper-prontificantes
Andamos a viver pessimamente, por falta de confiança,
no dia-a-dia. A ter de aguentar tretas da alegre turma dos hiper-prontificantes,
convencidos de que fazer é dizer e que honrar é um modo de falar.
PAULO TUNHAS Colunista do Observador
OBSERVADOR, 16 mar. 2023, 00:2013
A incoerência costuma ser mal vista, por razões que não custam
perceber. Gera imprevisibilidade e, por conseguinte, inspira falta de
confiança. Ora, se há coisa de que nós precisamos
como de pão para a boca é de uma boa dose de confiança nos outros. Não em
todos, é claro, nem em idêntico grau. Mas lá vamos precisando, nesta vida
arriscada, de confiar desesperadamente em certas pessoas e há casos – o amor é,
claro, um deles – em que a perda de
confiança provoca uma espécie de terramoto que nos deixa literalmente
desorientados. Não sabemos
o que está à esquerda e à direita, à frente e atrás, em baixo e em cima, o que
é quente e frio ou seco e húmido. Deixamos, numa palavra, de conseguir
pensar.
Há poetas que nos merecem gratidão
eterna por nos terem dado imagens sensíveis disto e da flutuação da alma daí
resultante. Sá
de Miranda é indiscutivelmente um deles. E
os romances de Eça estão cheios de descrições estupendas de estados de espírito
afins, sobretudo no momento em que os maridos descobrem que as suas senhoras se
divertem com outros. “Que fazer?”,
perguntou-se, um dia, um revolucionário particularmente desembaraçado. “Que
fazer?”, perguntam-se, vezes sem conta, nos livros de Eça, maridos embaraçados
e aturdidos. Podia-se fazer uma antologia eloquente dessas passagens que
bastariam para provar abundantemente o seu génio.
Mas
a verdade é que temos de nos habituar a isso e a muito mais. Além de que há
casos em que nem se pode sequer falar de perda de confiança propriamente dita.
Dito de outra maneira: há casos em que, mesmo sem sermos desconfiados, temos
obrigação de ir preparando a futura desilusão, porque sabemos, ou devíamos
saber, antecipadamente que a legítima expectativa não será satisfeita. Já que
ando em maré de citar escritores, Alexandre O’Neill, que nos percebeu tão bem,
vem logo à cabeça:
Prontifica-se a fazer, mas fica-se no dizer. Pronto!
Fica-se… Que se lhe há-de fazer?
Não
há português que não perceba isto, que não conheça por dentro e por fora o
hábito da desilusão antecipada, da expectativa por regra insatisfeita, do
comboio que não parte, do barco que não atravessa o rio, da urgência que hoje é
adiada. A
vida quase deixa de ser arriscada quando a desilusão apresenta uma tal
constância. O risco, apesar
de tudo, implica uma certa confiança que as coisas se podem passar como
esperamos. Que o barco tem motor, ou velas, ou
remos. Mas se a dúvida se instala em permanência sobre a própria existência
desses apetrechos, nem se pode falar de risco de ele não navegar. É mais:
talvez navegue – vamos ver. O mundo
passa a ser uma pura possibilidade sobre a qual todas as conjecturas são
igualmente possíveis e, tendencialmente, igualmente inúteis. A incoerência não
é já a excepção a temer: é aquilo que, à sua maneira, deve ser. Ai
prontifica-se? Vamos lá ver.
O
que é talvez novo por estes dias é que esta redução de tudo a uma pura
possibilidade que nada garante ser cumprida é ela vir acompanhada de certezas
sanguíneas do poder. O poder não se prontifica: hiper-prontifica-se. A
hiper-prontificação alarga o seu escopo na exacta proporção da progressiva
dissolução da confiança. O Governo é constituído por verdadeiros atletas da
prontificação, cada um com a sua especialidade olímpica. Aeroportos, companhias
aéreas, transportes em geral, habitação, saúde, educação, agricultura,
habitação – tudo tem o seu desportista sedento de vitórias, agindo verbalmente
sob a influência do maravilhoso slogan: ”palavra dada, palavra
honrada”. Acontece, no entanto, que as
palavras são honradas como passageiras nuvens que atravessam o céu e que não se
ligam senão por breves instantes a este nosso esquisito mundo terrestre. A
culpa, se calhar, é do vento que as leva. Um maldito vento estrangeiro, que não
é nosso e do qual o Governo, é claro, não tem culpa.
Por mim, até desconfio muito de excessivas coerências em matérias
éticas e políticas. As éticas
absolutamente coerentes conduzem inexoravelmente a consequências
contra-intuitivas que não desejaríamos de todo como seu resultado. E o mesmo
vale para todos os projectos políticos que assentem numa visão muito limpinha e
quadriculada da sociedade: a destruição emerge delas como pãezinhos da padaria.
A razão de isto ser assim é de uma simplicidade desarmante: a liberdade humana
não se deixa determinar com régua e esquadro, ao contrário do que acontece,
pelo menos em parte, com a realidade natural. Aristóteles disse, como de
costume, o essencial sobre o assunto: “é próprio de um homem cultivado o não
procurar a exactidão para cada género de coisas senão na medida em que a
natureza do assunto a admite: é evidentemente quase tão desrazoável aceitar de
um matemático raciocínios prováveis como exigir de um orador [de um político,
se se quiser] demonstrações propriamente ditas”.
Mas,
por mais que uma pessoa pense assim, a verdade é que a opção decidida pela
incoerência na relação com a realidade não é aceitável. Viver na
antecipação sistemática da frustração das expectativas pode levar a belas
meditações sobre os malefícios da vaidade humana, mas não dá jeito nenhum para
o dia-a-dia. E andamos a viver pessimamente, por falta de confiança, no
dia-a-dia. Ainda por cima a ter de aguentar as tretas da alegre turma dos
hiper-prontificantes, cada vez mais convencidos de que fazer é dizer e que
honrar é um modo de falar. Que se lhes há-de fazer? Mandá-los o mais depressa
embora. E esperar que quem venha a seguir não lhes siga os procedimentos.
Talvez, quem sabe, a expectativa seja satisfeita.
COMENTÁRIOS:
Cisca Impllit: O PS é uma conjectura nas mãos de A. Costa, assim como País as instituições
do Estado, o povo e por aí adiante. Tudo espremido é sumo sem substância, é
água de charco. O PR é PM são uns brincalhões numa sala de aulas - nunca saíram dessa sala
de aulas, nunca foram para a realidade. Jogos de tabuleiro. Não conhecem outra
maneira de estar. Flop, flop, flop. Maria Paula Silva: Há muito que a coisa que
apetece mais dizer a esta gente é: Calem-se e trabalhem! Façam. Andrade QB: Não sei se é bom se é mau, mas
o surgimento de artigos de reflexão complexos no meio de notícias ligeiras do
dia, ou de discussões do imediato tem o efeito do contraste entre o sauna e um
mergulho em água gelada, tem seguramente benefícios, mas não deixa de baralhar.
Com a mudança térmica fica-se perde-se momentaneamente a consciência da
temperatura do dia e com a leitura de artigos densos no meio de um arrazoado de
notícias e artigos perde-se momentaneamente a consciência do que se está a ler.
Seja o resultado que for, fico com a sensação que o arroz fica melhor. Ediberto Abreu:
Excelente. Só uma
pequena dúvida no texto, em vez de "vamos lá a ver" não quereria
antes dizer "vamoláver"? É que penso caracteriza melhor o personagem
fictício do mesmo, não? Antonio Sennfelt:
Excelente, como
sempre! Maria
Clotilde Osório:Que delícia de texto. Maria Tejo:
Excelente
análise. É certo que os políticos e os dirigentes prontificam-se a cada dia ao
longo dos anos sem nada fazer como dizia Alexandre O’Neill, mas grave mesmo
é que, infelizmente, não são os únicos. O povo, que mais não é que todos
e cada um de nós, está exangue e com a falta de confiança em tudo e todos; vez
de reagir é igualmente prontificador. bento guerra: Ninguém é perfeito, prontos! João Floriano > bento guerra: Mas imperfeição a mais também
chateia, prontos!
José Monteiro: «convencidos de que fazer é dizer e que honrar é um
modo de falar» Dois appoints: a) dizer, paleio político mediático luso e PS, a convencer incautos que é
fazer, que fazem; incapazes, sem saber «fazer fazer» na expressão no think thank
com Joaquim Aguiar. b) 'honrar' como, criados e formatados sem saber o que é a
«palavra de honra»? Nada a fazer com tal raça. Américo Silva: Está correcto. Ainda ontem o
inenarrável Nuno Melo me deixou de queixo caído ao levantar a lebre de que
houve um erro de processamento das
declarações bancárias sobre transferências para contas offshore, entre 2011 e
2014. Essa falha levou a que não tenham sido comunicadas à Autoridade
Tributária (AT) mais de metade das operações que foram feitas naquele período.
Confesso que não sabia, afinal no tempo do Passos os computadores eram
intervencionados por forças sobrenaturais. Maria Clotilde Osório
> Américo Silva
Não leu bem.
Efectivamente, foi o que aconteceu. Foi culpado o governo e o secretário de
estado. O caso foi para tribunal. Foi julgado e concluiu-se não haver "mão
humana". A quem aproveitou este apagão? Nunca saberemos! E é estranho! Mas
o Nuno Melo só veio mesmo dizer que o secretário de estado tinha sido ilibado.
Mai nada! Quanto ao artista Sócrates, alguma sentença? Ainda nem começou o
julgamento! Porreiro pá Américo
Silva > Maria Clotilde Osório: Boa tarde. Compreendi muito
bem, apagaram-se as operações, como sou ateu não acredito que fosse algum
arcanjo ou mefistófeles, e como acredito no princípio da causalidade e também
nos tribunais, teria sido coisa extraterrestre?, supra natural?, sobre
natural?, oscilações quânticas?, anti matéria?, sugira a senhora o que terá
sido.
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