segunda-feira, 6 de março de 2023

Pessimismo

 

Na avaliação do status, e uma tristeza generalizada daí recorrente, cujas causas são apontadas com mestria por André Abrantes Amaral e alguns dos seus comentadores.

Um primeiro-ministro que acenava aos comboios

Não temos um primeiro-ministro, mas há um senhor de cabelos brancos que anda pelo país do qual pouco sabe, não é responsável por nada e se limita a ver comboios que passam num estado impecável.

ANDRÉ ABRANTES AMARAL Advogado e colunista do Observador

OBSERVADOR, 05 mar. 2023, 00:2144

Para quem já reparou no estado caótico do trânsito em Lisboa sugiro a leitura desta nota no portal do governo. Data de 2019 e, nessa altura, o trânsito fluía tão bem que os problemas eram outros: faltava um mês para as eleições europeias e seis para as legislativas, de modo que era preciso criar uma dinâmica ainda mais optimista. Uma das soluções encontradas foi a redução do preço dos passes sociais na Área Metropolitana de Lisboa para 40 euros por mês, comboios incluídos. Claro que se mencionaram outras razões, como “aumentar o uso do transporte público, reduzir as emissões de CO2, descarbonizar a economia e enfrentarmos as alterações climáticas”. Eram todas óptimas e louváveis. Pena foi que se pensou em tudo menos nas pessoas que utilizam esses transportes públicos. Foi decretada a redução dos preços e isso bastou, a par com a travagem da privatização da Carris, do Metro de Lisboa e dos transportes colectivos do Porto.

É sintomático da leitura da dita nota que a única referência aos passageiros, ao seu conforto ou ao cumprimento dos horários seja para, perante a ineficiência, percebermos “do que estamos a falar para não deitarmos fora o bebé com a água do banho”. O bebé deviam ser as orientações governamentais para o sector, um valor mais alto que se levanta e que se impõe ao bem-estar dos passageiros. É curioso como a abstracção de boas intenções permite que os privilegiados vejam os outros como um grupo de gente, povo, e não como pessoas concretas que são. É curioso, mas verdade seja dita que o fenómeno não é de agora. Esse foi até um dos vícios a que a democracia liberal quis pôr termo. Nem sempre com sucesso, como se vê.

Era fácil perceber que a redução do custo dos passes sociais ia correr mal. Bastava colocar as perguntas certas e suspeitar um bocadinho da boa-fé socialista. Até eu, que não percebo nada de transportes públicos, me questionei sobre o barrete da redução dos preços dos passes sociais. E nem deu assim tanto trabalho. Na verdade, não havia estudos que levassem a crer que os portugueses iam trocar o automóvel pelos transportes públicos; tão pouco haveria investimento dos operadores, pois o Estado já lhes tinha garantido o pagamento devido, independentemente do aumento da procura. Pelo contrário, tudo indicava que a forma como seria implementada a redução do preço dos passes sociais ia levar a um desinvestimento no sector e a uma deterioração dos serviços prestados. Houve quem avisasse que os autocarros e os comboios iam ficar sobrelotados, mas praticamente ninguém fez caso disso. As europeias eram daí a um mês e as legislativas daí a 6. Havia muita coisa em jogo.

Entretanto, chegámos a 2023 e o mês de Março começou com uma notícia estranha. No final da tarde do primeiro dia, os passageiros de um comboio da linha de Sintra tiveram de ser retirados das carruagens porque se sentiram mal e accionaram o alarme. A PSP compareceu no local e afirmou que as carruagens estavam sobrelotadas. A CP, diga-se que prontamente, corrigiu essa observação para ‘lotação completa’. Como seria de esperar o dedo foi de imediato apontado às greves convocadas. Não vou discutir se bem, se mal, se de acordo ou em violação das regras. A questão é outra: o investimento nas infra-estruturas não estava garantido?

Há um ano o governo extinguiu a parceria público-privada do hospital Beatriz Ângelo, em Loures. Bem ou mal, o hospital funcionava. O governo decidiu não renovar a parceria mesmo sabendo que essa decisão era mais cara e de eficiência duvidosa. Um ano depois o resultado é estarrecedor. Os utentes, as tais pessoas que as boas intenções abstractas não têm em conta, estão estupefactas com o fecho da urgência de pediatria. O desnorte socialista é tal que até o autarca do PS quer o regresso da parceria público-privada. Uma reviravolta semelhante à de Pedro Nuno Santos que, em Novembro de 2021, ofendia quem era a favor da privatização da TAP para, em Novembro de 2022, propor a privatização da mesma companhia aérea. No meio disto temos os truques a que nos habituámos: que o comboio de Sintra não estava sobrelotado, mas “circulava com lotação completa”; que o fecho da urgência pediátrica em Loures não se deve a falhas na gestão do hospital decorrentes do fim da PPP, mas “porque não há disponibilidade de profissionais”; que não há austeridade, mas “exigência”. De certa forma nem há um governo, mas uma semântica. Não temos um primeiro-ministro, mas um senhor de cabelos brancos que anda pelo país do qual pouco sabe, não é responsável por nada e se limita a ser quem é. São pequenos grandes sinais que demonstram que no PS e no governo não se faz ideia do que se quer e do que se está por ali a fazer. Pedro Nuno Santos saiu quando percebeu que as tais pessoas concretas começavam a dar conta disso; Fernando Medina é menos afoito para tomadas de decisão desse tipo. Já António Costa, enfim, o tal senhor que anda por aí a acenar aos comboios não passa de António Costa.

ANTÓNIO COSTA   POLÍTICA   GOVERNO

COMENTÁRIOS (de 44)

Nuno Cunha Silva: Não concordo com a opinião. O que sucedeu naquele dia foi a convergência de vários factores, sobretudo a greve. Outros factores, são a grave crise e inflação. As pessoas possuem menos poder de compra, o que acaba por travar o recurso a outras soluções, como o táxi. Mas para mim, o verdadeiro problema dos transportes não está nem em Lisboa, nem no Porto. Está no resto do país que não tem transportes públicos condignos desse nome e os que existem não cobrem toda as áreas nem horários. A título de exemplo, eu resido em Guimarães e trabalho como vigilante num hospital privado, mas com acordos com o SNS, por ser uma Misericórdia. O serviço de atendimento permanente, cuja frequência está coberta pelo SNS (uma consulta entre as 20h e as 00h e ao fim de semana das 8h ás 00h, custa 4,5€), não é servida por transportes públicos em todo o tempo útil do Serviço em causa. O hospital já pertence ao concelho de Famalicão, mas a melhor ligação por autocarro é servida por Guimarães. Dista a uns 15km da central de autocarros de Guimarães. No entanto o último autocarro é por volta das 21h30. Ou seja: para ir àquele serviço de atendimento permanente, tem que ser de veículo próprio ou táxi. E convém dizer que aquele serviço de atendimento permanente é um escape aos sobrecarregados serviços de urgência de Guimarães e Famalicão. Enquanto no hospital de Guimarães temos 5, 6 horas de espera, na Misericórdia de Riba d'Ave, reduz para 2,3 horas e deixa os serviços centrais para casos mais graves. E eu, que vivi até aos 28 anos na Amadora, nunca antes tinha ido trabalhar em viatura própria e agora, se não usar o meu carro, não consigo ir trabalhar. Tenho um turno que acaba ás 00h e outro que começa precisamente às 00h. Não vou tirar um passe para 1 dos turnos (8h-16h). Não compensa. E no entanto não tenho qualquer apoio para as minhas deslocações, nem da entidade empregadora nem do estado. Nem redução nos impostos. E sabem o porquê disto? É que tirando Lisboa e Porto, em que as empresas de transporte público são pagas com os meus (nossos) impostos, no resto do país são privadas. Portanto não me venham com lágrimas de crocodilo. Em Lisboa e Porto vive-se sem qualidade, uns em cima dos outros. No resto do país, temos mais qualidade de vida, mas somos ignorados pelo estado.              Maria Emília Ranhada Santos: Todos os do governo andam a ver passar comboios, porque o trabalho chega-lhes feito por outros que dão as ordens! Eles são verbos de encher! Convém mudá-los todos antes que seja tarde demais!                       Jorge Barbosa: Só posso desejar boa saúde ao AAA, pessoa q não conheço pessoalmente, para q nos continue a brindar com os seus excelentes artigos, sempre em prol da boa democracia que infelizmente não temos neste Portugal socialista   Luís Abrantes: A escumalha de esquerda só se preocupa com os votos dos portugueses… nunca com os portugueses…!!!                      Francisco Almeida: De certa forma nem há um governo, mas uma semântica. A melhor síntese que li até hoje.               bento guerra: Nuno Santos deixou "bombas de profundidade" nos departamentos onde passou. Aquele que a ligeireza e irresponsabilidade da nossa imprensa qualifica como sucessor de Costa, é um total incompetente           João Floriano: Para cada problema que surge há duas versões: a imposta pela realidade e a do governo de António Costa. Relembro a loucura com os passes em 2019. Serviram para reformados , sem nada que os ocupasse, passassem a circular de cá para lá. Ainda bem que aproveitaram esses escassos meses antes de serem confinados devido ao covid ou morrerem em hospitais, lares ou na solidão do sofá em frente à televisão. As parcerias público-privadas que permitiam boa gestão e bom atendimento em alguns centros hospitalares foram canceladas com os efeitos que conhecemos, mas Marta Temido, a nova coqueluche do PS, dá uma entrevista em que se autoelogia e autopromove para cargos mais exigentes, já que a sua saída do Ministério da Saúde permitiu um renovar de energias e dinamismo no sector tal como quando a Cristina Ferreira muda de penteado, de cor do cabelo de coloca extensões. Marta Temido é também a coqueluche dos seguros de saúde, vá-se lá perceber porquê! (!!!!). PNS é apresentado como um jovem turco dinâmico, inteligente, atrevido. A verdade é que fez desaparecer uma quantia astronómica na TAP, não sabe trabalhar com o whatsapp, demitiu-se porque foi apanhado em flagrante contradição e não por hombridade e com ele podemos ter a certeza que iremos mais fundo no abismo: mais fundo e mais rápido. Em 2010 faleceu este senhor: «João Manuel Serra era um personagem típico da cidade, tendo ficado conhecido por, sempre com um sorriso estampado na cara e impecavelmente vestido, acenar todas as noites aos carros e às pessoas que passavam perto da zona do Saldanha.» António Costa parece-se com este simpático personagem mas não pelos melhores motivos. Também ele acena aos portugueses mas com um sorriso hipócrita e de profundo escárnio.

F. Mendes > João Floriano: Bom comentário. Já agora o título do artigo até podia ser "o homem que acenava aos comboios que deviam passar, mas não passam, porque estão em greve; e aos amanhãs que cantam, para todos nós camaradas". Mas, ficava mais longo que as carruagens do metro depois de canibalizadas por falta de peças! LOL              João Floriano > Vitor Batista: 16,6 mil milhões de euros do PRR somados aos fundos da Política Agrícola Comum dão no total, até 2030, cerca de 50 mil milhões de euros que vão chegar a Portugal vindos de Bruxelas. Até 2030 há muito para desbaratar e para distribuir pelas clientelas políticas incluindo os vendidos da CS. Talvez o socialismo até pudesse ser interessante para o país se fosse reformista e vanguardista. Se o Estado enquanto tutor fosse responsável e eficiente. Mas não, este socialismo de Costa tem a mesma visão de um cego num labirinto; caminha de cabeçada em cabeçada. Costa é também um péssimo governante socialista. Sócrates, não fosse o lado corrupto foi muito melhor governante do que Costa, se Sócrates tivesse sido um governante honesto, mesmo com a bancarrota, teria deixado Costa a léguas de distância.            João Floriano > Fernando Cascais: Caro Fernando Não conheço nenhum governo socialista que tenha conseguido sucesso económico a sério. O problema está na repartição da riqueza. Utopias de igualdade na mesma repartição por todos são muito bonitas mas em breve quem tem mais capacidades desmotiva-se e deixa de se esforçar, de constituir um factor positivo de avanço. E a sociedade perde. Em Ben-hur, antes da corrida épica contra Messala, o judeu estuda a quadriga do sheik árabe porque todos os cavalos são diferentes: um representa a âncora, outro a velocidade, outro a paciência, outro a força; todos diferentes, todos a trabalhar para a vitória. No socialismo trabalha-se para a igualdade, nivela-se por baixo. Assim não se avança porque muitas das grandes descobertas são fruto de perseverança e génio individual                   F. Mendes: Muito bom artigo! Os meus parabéns ao autor. Este artigo vem muito na linha do publicado pelo Miguel Pinheiro, esta semana. Foca, também aqui, a questão da saúde e do fim das PPP, com os resultados que se sabem. Aponta o problema dos transportes públicos, e trata-o com mais competência do que o afirmado pelo autor. E, certamente, revela o bom senso tão alheio aos nossos decisores políticos e "especialistas" avulsos. O drama é que, além dos transportes, da justiça e da saúde, a situação do país é também grave noutros sectores: A educação, está como se sabe; A habitação, já de si um problema, ameaça agravar-se ainda mais, devido aos sucessivos desvarios socialistas; No combate à corrupção, continuamos a ter um certo Ivo Rosa, cada vez mais o "Juíz" do regime, a branquear quase tudo o que pode, tomando decisões ilegais e desrespeitando prazos e competências alheias; No domínio fiscal, continua o massacre; No domínio social, vão-se descobrindo imigrantes a viver em condições sub-humanas e crianças a caminhar 5 horas para poderem comer (nem faço ideia do que seria a gritaria da esquerda, se a décima parte disto acontecesse nos tempos de PPC); Na Defesa, lá vai havendo mais mortes estúpidas, a somar aos casos de corrupção, ao tráfico de diamantes africanos, a Tancos, à perda de capacidade operacional das FA, a gestões políticas desastrosas, etc; Poderia continuar com exemplos como: a perda de qualidade da democracia, o desprezo a que a população em concreto é votada, ao desprestígio de instituições como a AR e a PR, e por aí adiante. Em boa parte de todas estas chagas e desgraças, existe um tronco comum: a incompetência, nepotismo, irresponsabilidade, soberba, enviesamento ideológico e esquizofrenia socialistas. Até quando, não sei. Mas, será certamente por tempo demais.                  Maria Paula Silva: Muito bom..... e muito triste. Obrigada.

 

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